ESPAÇO AÉREO

 ESPAÇO AÉREO

ESPAÇO AÉREO
(Autoria: Sônia Moura)

Estava distraída
Quando alguém invadiu
O meu espaço aéreo

Imediatamente
Ativei meus caça-fantasmas
Que voaram em defesa dos meus limites
Num momento em que eu estava tão aérea

Tarde demais
O espaço já fora invadido

Não havia mais limites
Eu já havia sido invadida
Não havia mais jeito

O sujeito, abusado, ousado e
Descarado como ele só,
Penetrara sofregamente em meu espaço aéreo

Eu disse a ele: me respeite, sujeito,
E se dê o respeito
Mas não adiantou

O sujeito arteiro
Leu meus pensamentos
Dominou meu coração
Sonegou minha alma flutuante

Tentei bloquear esta invasão
Tentei afastar o invasor
Não houve jeito
Ele já tinha entrado em mim
E tinha me feito sua amante

Meus caças tinham ordens de fazer a escolta
E levar o invasor de volta
Eu não queria deixá-lo ficar
Ordenei, sapateei, mandei-o voltar

Tudo inútil
Havia nele um sei lá o quê

Chegou de repente e
Com aquela voz de manteiga cheirosa
Com aquelas palavras melosas
Com aquela ousadia sem par
Aquele insolente
Dominou o meu espaço
Conseguiu me assujeitar
Penetrou em meus desejos
E, sem parcimônia,
Instalou-se em meu espaço
Que vagava tão aéreo

E, instalado, tomou-me em seus braços
Aninhou-se em meus abraços
Beijou-me a boca
Deixou-me tonta
Louca

Eta! Sujeito,
Que afronta!

Agora não tem mais jeito
Me embrenhei neste sujeito

(Do livro POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura)

                                                                  caças

CACOS DE LEMBRANÇAS

 CACOS

CACOS DE LEMBRANÇAS
(Autoria: Sônia Moura)

Dos porões das minhas saudades
Recolho tempos
São cacos de lembranças
Nada mais

Mas como valem estes cacos
Que, às vezes, jogamos fora
Expulsando esperanças
Matando nosso eu -criança
Que deveria viver

Os cacos de nossas lembranças
Servem para lavar a alma
E perfumar o dia-a-dia
Naquele tempo ensolarado
Eu não sabia
Que, hoje, neste tempo tão nublado
Eu os recolheria
E os guardaria

Não, eu não sabia

Como plumas minhas aventuras
Agora em cacos, voam ao vento
Como folhas são jogadas ao chão
Mas, por poucos momentos
Colho-as, preciso delas
São minhas lembranças

Hoje, já não sou criança
E, ainda assim, preciso delas
Para adoçar qualquer pranto
Que ouse me invadir
Preciso delas
Para não deixar morrer o canto

Cacos, preciosos cacos feitos de lembranças

Vou juntá-los um a um
Para montar o quebra-cabeça
Para que eu jamais me esqueça
Dos portos em que ancorei
Dos afagos com os quais me deliciei
Dos passeios em que me diverti
Das alegrias que aprendi e
Das mágicas artimanhas
Que outrora vivi

Não, não quero as lágrimas salgadas do passado
Não quero a tristeza, não quero a dor
Das lembranças, quero só a beleza
Todo o resto está morto
Deposto

Quero recompor a vida
Catando os cacos das minhas lembranças

Quero o picadeiro dos dias de domingo
Quero de volta o palhaço que ainda mora em mim
Quero o elefante, o tigre, o leão, sem o domador,  por favor
Quero o homem gigante que engole fogo
(Hoje, já aprendi também a engolir,
Não fogo, mas sapos
A vida é assim)

Quero o circo de outrora
Não o de agora
Quero o circo mambembe
Encravado em minhas memórias
Quero o circo da vida
Quero a minha história

(Do livro: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura)

CONDESSA DE BARRAL e PEDRO II

 

 

                                      Pedro II

 

Condessa de  Barral  e Pedro II [por: SÔNIA MOURA]

 

 

Acabei de ler o belíssimo livro: Condessa de Barral de Mary Del Priore.

Leitura gostosa. Uma história enigmática e fascinante.

 

D.Pedro e Luisa se viam como almas gêmeas, ainda que a forma de entenderem o amor, em alguns pontos, se distanciasse da visão que se faz do amor até os dias de hoje, esta é sem dúvida uma história da História, mas, fundamentalmente. uma encantadora história do/de amor.

 

Aos que gostam de uma bela história, eu recomendo.

 

                                                AMORES

“HONRARÁS, AMARÁS E NÃO MATARÁS TEUS FILHOS”

“Honra teu pai e tua mãe, para que teus dias se prolonguem sobre a terra.”  


(Autoria: Sônia Moura)


Segundo as religiões judaico-cristãs, este é um dos mandamentos divinos. É um mandamento belo e justo.

Creio que não há um mandamento sobre os pais amarem e honrarem seus filhos, porque “Deus é pai” e ele sabe que este amor é incomensurável e indiscutível. No entanto, ele em toda a sua glória, esqueceu-se de que seus filhos falham, e como.

Assim, lendo as notícias abaixo, que tal adotarmos este novo mandamento e botá-lo em prática?

“HONRARÁS, AMARÁS E NÃO MATARÁS TEUS FILHOS”
pais e filhos

Rapaz tenta matar filho e atropela seis pessoas em MG
[http://g1.globo.com/Noticias/Brasil]

“Um homem foi preso depois de tentar matar a ex-sogra e o filho e ainda atropelar seis pessoas enquanto fugia da polícia, na noite desta terça-feira (28), em São José da Lapa (MG). Entre os atropelados está um menino de 7 anos, que foi levado em estado grave para um hospital da cidade, junto com as outras vítimas. Segundo informações da Polícia Militar, o acidente aconteceu quando o homem fugia em alta velocidade em uma motocicleta. Os policiais informaram que o homem tinha invadido a residência onde vivem sua ex-sogra e seu filho. Ele sacou um revólver calibre 32 e atirou contra os dois, sem acertá-los”

Mãe suspeita de matar a filha confessa o crime, confirma delegado
[http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1102571-5606,00.html]

“A mãe que foi presa nesta madrugada suspeita de matar e ocultar o corpo da filha de 20 anos confessou o crime. As informações foram confirmadas pela assessoria da Polícia Civil e pelo delegado Cláudio Vieira, da 25ª DP (Engenho Novo).Os detalhes do caso, no entanto, como as circunstâncias em que a jovem foi morta e o que levou a mãe a matá-la, ainda não foram divulgados.Além dela, dois homens foram presos, na noite de terça-feira (28), no Cachambi, subúrbio do Rio, depois que Polícia Militar encontrou o corpo da jovem no porta-malas do carro.”

Mãe é suspeita de matar os filhos
[http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1102571-5606,00.html]

“Uma mulher foi presa na manhã de terça-feira (28) suspeita de tentar matar seus dois filhos – uma menina de 8 anos e um menino de 5. Segundo a polícia, a mulher, que já trabalhou como atendente de uma creche, teria a síndrome de Munchausen – doença em que a mãe provoca sintomas nos filhos para que eles sejam considerados doentes ou ainda provoca ferimentos neles para atrair as atenções – no caso, ela pretenderia chamar a atenção do ex-marido.Esse diagnóstico é provisório, e depende ainda de uma nova avaliação a ser feita por especialistas.”

(EN)CANTADA

(EN) CANTADA (Autoria: Sônia Moura)

SUSAN BOYLE
Em todo o tipo de canal midiático, Susan Boyle é a atração do momento,

tudo isto porque a moça derrubou conceitos, pré-conceitos e preconceitos, sem mudar o seu visual, sem truques, sem maquilagem, sem “Photoshop” , sem nadinha mesmo. Entrou no palco da TV de cara (quase) limpa, pois sabemos que ninguém sobe ao palco sem alguma maquiagem. Eles dizem que é por causa da luz, deve ser mesmo.

Estamos habituados a vermos o mundo, pelas míopes visões das sociedades de todos os tempos, que elegem seus cânones e valores, incutindo em nós padrões a que estamos expostos e que, também, nos são impostos. E, o pior da história, acreditamos em conceitos, tornados visões, e que são estapafúrdios.

Só é espetacular o que é belo, logo associado ao bem, ao justo, ao bom. As princesas, as Santas, as fadas – todas são boazinhas e … lindas, só as bruxas são feias e… muito más, às vezes, ultrapassam, porque são madrastas.

Até mesmo a Fera (A Bela e a Fera) quando se torna príncipe é lindo, apesar de lhe darem uma colher de chá e ele ser bondoso, mesmo enquanto está na horrorosa pele de a fera. Sempre achei que pintavam a Fera “de boazinha”, só porque, no fundo, no fundo, ela era um príncipe.

Assim, qualquer pessoa, animal, fato ou coisa que, por ventura, fuja aos padrões estabelecidos pelas sociedades de qualquer tempo e de qualquer lugar deste nosso mundo eternamente global(- izado), imediatamente, não deverá ser colocada em exposição, jamais poderá fazer parte do espetáculo, viverá em outro plano, pertencerá ao rol dos excluídos.

Mas, se, porventura, esta figura fora dos padrões estabelecidos for apresentada aos olhos do público, será sempre como aberração ou servindo de chacota, desde muito, os “inocentes” circos já agiam assim. E, se assim agiam era porque havia espectador para este tipo de atração/diversão.

Temos olhos e não queremos ver, ou melhor, vemos o que querem que vejamos. Mas, no caso da Cinderela às avessas, Susan Boyle, foi a audição e não a visão que fez com que a enxergássemos,e pudéssemos ver muito além das aparências.

Longe de estar enquadrada nos atuais padrões de beleza, esta mulher de 47 anos e a sua linda voz deixaram jurados e público embasbacados, fascinados, enfeitiçados com a suavidade de seu canto.

Susan continua deslumbrando um grande número de pessoas pela internet, além de receber convites para participar de programas televisivos e de receber propostas milionárias para seguir carreira, gravar um CD.

Com o seu poder mágico, a princesa, que é uma fera cantando, derrubou barreiras e bagunçou o coreto do estabelecido como verdade absoluta, sabem por quê? Porque…

“A bem da verdade, ninguém resiste a uma boa cantada”

[** Etimologicamente,a palavra “encantar” provém do latim: incanto, as,avi,atum are = cantar em, cantar contra, fazer encantamentos, fascinar, enfeitiçar. ]

SUSAN BOYLE

NO SEU DEVIDO LUGAR

 

 

 derrota

 

 

 

NO SEU DEVIDO LUGAR
(Autoria: SÔNIA MOURA)

Faz muito eu já aprendi
A não falar sobre minhas derrotas
Aprendi a mastigá-las, ruminá-las e
Depois, calmamente, degluti-las!

Muitas de minhas derrotas são jovens
A brincar com a vida
Precisam ser cuidadas, educadas,
Por isso, as coloco numa boa escola
Não as deixo partir sem um ensinamento
Não as deixo ao relento
Porque estas precisam amadurecer e entender
Que a vida foi feita para se viver!

Minhas derrotas de amor
Destas, eu não falo mais, nunca mais
Elas doem na alma
Doem no corpo
Doem nos ossos
Estas são osso duro de roer
Então, eu as embalo por um tempo
Depois, numa cerimônia- funeral
Jogo-as ao vento
E… tchau!

Outras derrotas vêm me ensinar
Brigo com elas, reluto,
Dificulto-lhes a vida
Juro me vingar
Depois, volto para mim,
Olho minha casa, minha vida
Volto para a lida
Sorrio e… me ponho a cantar!

Colocadas em seu devido lugar
Elas se calam
Elas se olham
Elas se falam
Elas se molham
E, depois, viram pó!

(Do livro: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura)

O FEITIÇO VIROU CONTRA A FEITICEIRA

O FEITIÇO VIROU CONTRA A FEITICEIRA          bRUXA
(Autoria: Sônia Moura)                                        

Elvira fora traída pelo marido, Ricardo agora morava com “a outra”.
O nome da “outra” não era pronunciado, Elvira proibira, não queria dar força à maior inimiga. Dizia que a mãe sempre falava que chamar um inimigo pelo nome, era dar a ele muita força. Elvira queria a outra bem fraca.
A outra se colocava como a melhor amiga e tirara dela o grande amor de sua vida. Isto não tinha perdão.
A traída chorou, esperneou, pensou em se matar, rogou pragas e, finalmente, acalmou-se e foi à luta, mas, antes de sair da toca, fez a si mesma uma promessa singular: só iria namorar homens casados.
Não tinha sofrido tanto por causa de uma mulher? Agora iria vingar-se, saindo com homens casados, queria que as mulheres sofressem o que ela sofreu, então, só namoraria homens casados, de preferência, bem casados.
A raiva era contra a outra e não contra o marido que a abandonara e que a traíra, assim, a vingança era contra as outras mulheres, e claro, ela no papel da “outra”.
Não se importava se fossem apenas encontros esporádicos, mas nos momentos em que se encontravam, fazia de tudo para prender o homem o maior tempo possível com ela, não porque gostasse dele ou de sua companhia, mas queria que a mulher dele sofresse, para isto ela era a outra.
Um dia, Elvira conheceu Nivaldo e lhe fez a pergunta costumeira: – Você é casado? A resposta foi afirmativa. Elvira exultou, este era mais um para que ela colocasse em prática a sua vingança contra as mulheres.
Até aquele dia, Elvira não tinha conseguido sentir o sabor da vingança, nenhum homem dissera a ela que a mulher havia suspeitado de nada mesmo. Elvira se roía de raiva.
Já com Nivaldo tudo estava sendo diferente, ele sempre se queixava de que não podia vê-la como queria, porque a mulher já estava desconfiada. Noutro dia, falava sobre uma discussão que tivera com a mulher ou dizia que Elvira devia tomar cuidado, pois a mulher era uma “fera”!
Elvira se deleitava com estes relatos, vibrava intimamente ao saber que “a outra” sofria.
O tempo ia passando, Nivaldo e Elvira continuavam a se encontrar às escondidas e somente quando ele podia, e, nos últimos tempos, ele podia cada vez mais, ainda que se mostrasse preocupado com a hora da partida.
Elvira não reclamava, só prendia o amado, entre seus braços e pernas, quando este dizia que precisava ir embora, estava na hora, a patroa iria brigar, estava desconfiada, era melhor não bobear.
A agora “outra”, fazia beicinho, falava de amor, implorava e Nivaldo cedia e, no dia seguinte, contava a ela o banzé que a mulher armara na noite anterior e dizia: -É está ficando difícil.
A bem da verdade, Nivaldo e Elvira sentiam-se cada vez mais atraídos, mas fingiam que isto não estava acontecendo.
Um dia, quando estavam se amando, Nivaldo sentiu a súbita presença de Eros e não resistiu, declarou-se à Elvira.
Mesmo com muita vontade de dizer sim à proposta do homem que a abraçava naquele momento, a mulher, que não desejava se prender a mais ninguém e só gostava de namorar homens casados, disse que ficava muito alegre, mas que não queria nada com ele, além dos encontros furtivos, em quartos de motéis e aconselhou-o a continuar com a esposa.
Cupido gargalhava debaixo dos lençóis.
Elvira nunca ficou sabendo, mas Nivaldo não era casado, inventara tudo porque, quando conheceu Elvira, não tinha nenhuma vontade de assumir compromisso com mulher alguma, queria poder sair com quem desejasse, por este motivo, dizia a todas as mulheres que era casado, e, assim, ia levando a vida.
Mas, como Cupido é um menino muito brincalhão, eles se apaixonaram e foi aí que o feitiço virou contra a feiticeira e Elvira perdeu a chance de deixar o passado em seu devido lugar e ser feliz, outra vez.

(Do livro: Súbitas Presenças, de Sônia Moura)

BRUXA

SALVE, JORGE!

 

   SALVE,  JORGE! (Autoria: SÕNIA MOURA)    

 

 

São Jorge

Há outros santos guerreiros, mas Jorge é, certamente, o mais cultuado entre nós.

Na intimidade, apenas Jorge, São Jorge tem a simpatia de todos os guerreiros, que lutam para alcançarem suas metas, todos têm a proteção de São Jorge.

Ele é tão poderoso que é o único que vemos no céu, é só olhar para a lua, lá está Jorge com seu cavalo, com sua armadura a combater o dragão. Os outros santos, dizem, também moram no céu, mas nós só vemos São Jorge.

Neste dias tão conturbados, ter São Jorge como nosso protetor é sempre recomendável.

Aos que creem e aos que não creem, segue a Oração de São Jorge, oremos, pois, com fé.

Oração a São Jorge”Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal.Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar.Jesus Cristo, me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré, me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus, com sua divina misericórdia e grande poder, seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meu inimigos.

Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.

São Jorge Rogai por Nós.”

SALVE, JORGE!

CONFISSÕES DE POLLY

Confissões de Polly (Autoria: Sônia Moura)

Sabe, doutor, eu não aguentava mais, não, não dava. Quer saber, não me arrependo mesmo. Eu vou contar tudo pro senhor:
Fiz o que fiz em legítima defesa, é verdade, sabe por quê?, ela me provocava, todo dia, todo dia! Logo de manhã cedo, ela já começava, é, é verdade, Lea fazia isto de maldade. Sabe doutor, aquelas pessoas más, que gostam de provocar, provocar, ah! tem hora que não dá mais.
– Mas, dona Polly, o que pode haver de tão grave para que a senhora chegasse ao ponto que chegou e fizesse o que a senhora fez? A provocação era tão grave assim?
Claro que era grave, doutor, pensa bem, de manhã, todas as manhãs, ficar vendo aquela cara de lambisgoia dizer: -Bom dia Polly, tudo bem, tudo bem? Como tudo bem? Como? Que pergunta mais descabida, ela sabia de todas as minhas infelicidades, então, ela só queria desafiar os meus nervos, aquela debochada.
E, depois desse: “tudo bem?”, a vaca abria aquele sorrisão enorme e saía desfilando mostrando aquele corpo escultural e, o pior de tudo, passava de braços dados com o marido, aquele tipão de homem. Ah! doutor, não dava mesmo para aguentar.
Na quinta-feira, dia em que se deu a desdita, ela passou na minha porta, veja bem doutor, na minha porta com aquele vestido azul florido, só pra me provocar, ela sempre soube que eu gosto de tecidos floridos, era só por isso que ela botava aquele vestido para ir à feira e justamente na hora que eu saía de casa. Era ou não era uma provocação?
Vou falar pro senhor, ela vivia me tentando, durante muito tempo eu fingi que não entendia, mas o senhor sabe não dá pra bancar a burra o tempo todo, o senhor não acha?
Pois é, engoli todos os sapos que aguentei engolir, distribuí muito sorriso, enquanto as lágrimas ficavam se pendurando em meus olhos, mas eu suportava todas aquelas humilhações. Vou falar uma coisa pro senhor, doutor, a Lea humilhava a gente.
Sabe o que ela fazia, doutor, hein? Sabe? Ela pisava na minha solidão e depois esfregava ela na minha cara, é, é isso mesmo que o senhor está pensando, pois é, vinha no meu portão pra dizer: – Sabe, Polly, o Marcelo é um amor, olha o anel que ele me deu, sabe, domingo fomos passear de mãos dadas lá em Copacabana.
E eu me mordendo por dentro, fingia que tudo isto era muito normal, dizia para ela que um dia eu também já tivera um homem que fazia tudo isto só para mim.
Claro que eu mentia, doutor, claro, não queria dar àquela…, àquela…, àquela “sortuda” este gostinho, ah! não, eu? passar diploma de mulher abandonada, de jeito nenhum.
Noutro dia mesmo, ela veio me dizer com aquele sorriso impecável: – Polly, você não acha que estou gorda? Pode isso, doutor, dizer que estava gorda com aquele corpão? Vamos lá, o senhor fala pra mim, era ou não era para tripudiar com as minhas desgraças: gorda, feia e solitária? Hein? Fala, doutor, fala!
Ah! quer saber, não tinha outro jeito só mesmo trucidando aquela atrevida, só assim ela nunca mais vai esfregar suas alegrias e sua felicidade na cara dos outros. Não é mesmo?
Agora pode me prender que eu vou me sentir mais livre que rolinha das árvores da cidade grande.
A súbita presença de outra mulher da mesma rua e do mesmo bairro, acusada de um crime brutal como o de Polly, adentrando a delegacia, fez com que Polly soltasse uma forte gargalhada e, tranquilamente, mostrasse os braços algemados,gritando a plenos pulmões: Agora estou livre, livre!

algemada

(Do livro: Súbitas Presenças, de Sônia Moura)

O LEITOR NO CÍRCULO DAS NARRATIVAS

 

 

LEITOR

 O Leitor no Círculo das Narrativas (Autoria: Sônia Moura

 

Muitas vezes, ao lermos uma notícia ou uma reportagem, em que verdades nos são apresentadas por meio da narrativa denominada factual, duvidamos do que lemos. Por que duvidamos do que é narrado como verdade absoluta, inquestionável, aqui entendida como real e por que a verdade do conto, do romance ou da novela, ligados à narrativa ficcional, em geral não nos causa estranheza?

Por exemplo, alguém põe em dúvida a história de amor entre Tristão e Isolda, ainda que existam inúmeras versões desta lenda celta?

Podemos responder a esta questão, seguindo pela trilha de Humberto Eco que em sua obra intitulada Sobre a Literatura, afirma: “… o universo do livro nos surge como um mundo aberto” ou podemos seguir pela trilha de Barthes que, em seu texto denominado Aula, diz :“a literatura é categoricamente realista”

Ao escrever sobre um fato, o literato ou o jornalista tiram-no do isolamento, da não significação, para colocá-lo em um contexto maior, no escopo da realidade social, no qual as impressões do imaginário fundem-se com a objetividade e a racionalidade do leitor, pois este, por estar solto e ao mesmo tempo preso dentro de um universo cultural, sendo constantemente alimentado por símbolos, precisa preencher lacunas, que este mesmo universo cultural cava para o homem.

E é esta tentativa de prender o real e o tempo e de afastarmos para bem longe as limitações do espaço e do tempo, atando-os com muitos nós à nossa história, que, por vezes, causam estranheza ao leitor que estiver preso dentro do círculo das narrativas, especialmente das narrativas chamadas factuais.

A narrativa jornalística, como produto cultural, narra fatos historicamente localizados, construindo e ressignificando a realidade social, ao falar sobre dramas e tragédias da vida com todos os recheios que habitam o imaginário e a memória cultural coletiva: medos, frustrações, desejos, sonhos, sentimentos, utopias, alegrias, batalhas, quase sempre ligados ao cotidiano, ao tempo presente, a um tempo aprisionado por um dia ou por mais alguns, dependendo do interesse que a notícia despertar, transformando-se assim no carro-chefe, que irá vender o jornal ou a revista.
Por outro lado, até um certo ponto da estrada narrativa, a escritura literária segue pelo mesmo caminho, busca a mesma trilha, porém por mostrar-se desvencilhada da questão temporal, toma o tempo em suas mãos, empresta-lhe novas cores, dando ao que narra sobre “qualquer tempo” o sabor de algo irresistível.Então, esta mudança de cores transforma o ontem no hoje, o hoje, no ontem ou no amanhã pela memória, pela lembrança ou pela história contada.

Assim sendo, sem livrarmos qualquer texto de seu caráter ideológico, diremos que ao leitor cabe a primazia do questionamento, da aceitação, da doxa e o da paradoxa sobre aquilo que lê, enquanto ao escritor cabe o papel de convencer, de atrair, de tornar desejo o que se lê, pela condução do prazer, do entretenimento, do contato com a realidade, com a fantasia ou como fomentador de pensares crítico- reflexivos.

LEITURA