SEM AMANHÃ?

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Esmeralda disse à Sofia que tinha certeza de que tudo estava acabado, não havia mais esperança, uma pena, pensou ela, porque ainda havia muito amor.

A manhã se prenunciara entre nuvens, mas um sol tímido começava a despertar, e, enquanto as ondas mexiam as areias, a saudade remexia os pensamentos de Esmeralda.

Sentada na bela varanda, a dona da casa chamou a empregada e pediu:

– Margarida, por favor, sirva o café.

A visitante Sofia, encantada, exclamou:  – Que bela vista, Esmeralda, este lugar é lindo!

Terminado o café, as amigas saíram a passear. Os olhos de Esmeralda, verdes como a mata, nadavam num lago salgado, feito de lágrimas e dor, muita dor.

A seu lado, Sofia tentava consolá-la. Pobre amiga, para eles não haverá mais o rio tranquilo da paixão. Preciso ficar ao lado dela, olha só quanta tristeza!

Depois, apoiou-se no braço da amiga e lhe disse sorrindo:  – Amanhã será outro dia.

– Outro dia? Retrucou Esmeralda, daqui em diante minha vida será sem amanhã.

Esmeralda pensava nos versos que Rui fizera para ela: Sem você, sombras cobrirão o céu/Sem seu carinho, andarei ao léu/Sem seu amor…

Não conseguiu chegar ao fim do poema. Por que ele me deixou, por quê?

Vendo que a tristeza queria tomar posse da alma da amiga, Sofia lhe disse: – Saia da concha, querida, o que vale é viver.

No vale, os primeiros raios de sol despertavam a vida e, neste momento, a imagem morta da tristeza começava a se desintegrar.

Será que o sol finalmente a despertara? questionou a amiga.

(Da obra; GAVETAS SECRETAS de Sônia Moura)

 

As contas de um desencanto

FotoRasgada2Os vendedores já a conheciam. Mais uma vez, comprou um livro no sebo, gostava disso. Livros antigos, já manuseados por outros. O que teriam achado da história? Leram por prazer ou por obrigação? Comprava, lia e passava adiante. Dizia sempre que livro foi feito para trocar de dono e que o autor, após o livro editado, perdeu a primazia da autoria, passara a ser coautor.

Além das histórias narradas, também se encantava com o que encontrava nos livros usados. Uns escreviam lindas declarações de afeto, outros, apenas colocavam seus nomes e, se fossem estudantes, assim ela deduzira, o nome tinha que estar completo, às vezes, com o nome do colégio e da turma.

Já encontrara dentro de livros alguns tesouros, formados por palavras observadoras, que acrescentavam o que o leitor, agora também coautor, pensava. Encontrara flâmulas, flores secas, folhas, penas, fotos, mas só uma chamou-lhe a atenção, e foi sobre ela que a compradora me falou.

Aquela imagem encantou a leitora, e as palavras foram caindo de sua boca, lentamente, como se fossem contas de um colar que se partira.

Era uma foto cortada e nela se via o rosto sorridente de uma bela jovem, a felicidade fora capturada. Embora houvesse sido cortada, ainda dava para ver que a foto era de um casal, pois ainda se via parte de  uma cabeça masculina, encostada na cabeça, cujos lábios sorridentes encantaram a leitora.

Quem seriam eles, o que os separou, como mostrava a foto mutilada? A leitora jamais terá respostas a estas perguntas, mas, uma coisa é certa, quando as dimensões do amor se rompem, o amor acaba. Então não há palavras que traduzam o sofrimento do desamor, o passado enevoado se torna invisível, e, até mesmo um retrato se torna divisível, sem que nada mais reste, além da dor.

 

SONHO ESTRANHO

Sonho estranho

Uma gota de fantasia S caiu sobre o signo de câncer a , e no céu limpinho, nasceu uma lua cheia m  , e que da terra parecia estar dentro de um quadradop.

Uma estranha setaf  apontava para um confuso caminhoz .

Quando o quadrado se fechou n e a lua escureceul , ouviu-se um barulho ensurdecedor que parecia ser de uma bomba M, o tempo naquele lugar era muito estranho, parecia voar Q.

Priscila acordou assustada, mas logo viu que aquele foi apenas um estranho sonho. Levantou-se da cama e foi sorrir para a vida K.

SONHO ESTRANHO

A MINHA RUA

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A MINHA RUA  [por Sônia Moura]

 

            Há árvores em minha rua, assim, logo cedo, alguns pássaros, que nelas residem, despertam  ruidosamente e me despertam também, a seguir, um pouco antes da sete, uma buzina avisa que o flamenguista chegou para trabalhar(ou está saindo, não sei), aqui há hotéis e muitos trabalham à noite. A seguir, chega ou sai um torcedor do fluminense e sua buzina musical, às vezes esta ordem se inverte. Qualquer que seja a ordem, o dia na minha rua começa entre canções.

– Vassoureiro, vassoureiro! ; – Algodão doce, algodãaaaaaaaaaoooo!;  – Garrafeirooooooooo;  – Sorveteieieirooooooooo! Estas vozes múltiplas estão sempre de passagem, transitando em seus dias e em seus horários, vozes que se misturam com as dos trabalhadores, comerciantes, passantes, e, em alguns fins de semana, em dias de sol forte, vozes vindas dos subúrbios cariocas, vêm somar-se a estas vozes, por um breve espaço de tempo, é o tempo de passagem, quando estes visitantes sazonais, saem da estação do  metrô Cardeal Arcoverde,  passam pela minha rua e vão desembocar na praia.

Assim é a rua Rodolfo Dantas em Copacabana, se subo desemboco no metrô, se desço, desemboco no mar (ou vice-versa). É rua estreita, com carros estacionados desordenadamente, turistas que vão e vêm a todo instante, com o Copacabana Palace a fazer par com a beleza natural do Rio, com o mar logo ali a lamber milenarmente a areia, numa atitude sensual, provocante, como as garotas de todas as classes, profissões, idades. Tudo se mistura em Copacabana.

Há também meninos de rua que roubam, que zombam, que se defendem como podem, há mendigos, arrastando sua dor e seus trecos pela vida a fora. Infelizmente, há também essas dores, feridas expostas a quem passar por aqui.

Estou aqui há pouco tempo, mas já me apaixonei pela rua e pelo bairro, ambos possuem o perfil carioca de ser, às vezes meio desarrumado, desengonçado, mas cheio de charme. Ainda se faz amizade com o jornaleiro, o verdureiro da esquina (hoje chamado hortifruti), se pendura a conta, se bebe cerveja e se paga depois. A lista dos “conhecidos” é grande, vai dos guardadores de carros até a moça que conserta roupas, numa lojinha quase na esquina, sempre se tem com quem bater um papinho.  É gostoso demais.

Em qualquer lugar do mundo o inimaginável e o mágico podem passar, porém, nesta Copacabana epifânica, realidade e fantasia, loucura e lucidez não são passantes, visitantes ou curiosos, mas são moradoras que vieram para ficar.

 

Assim, no meio de tanta beleza e de tanta leveza, Copacabana vive e viverá, sempre. É impossível ficar alheio a esta verdade indomável. 

ALÉM DO HORIZONTE

ALÉM DO HORIZONTE

Além do horizonte (Sônia Moura)

Depositou toda a sua certeza numa cesta e ancorou-a na linha do horizonte.
Mesmo com os olhos desertos, ela pôde conceder ao céu e à terra o poder de se tocarem e também pôde atender ao pedido da terra e do mar, para que estes confabulassem. Depois, apeou seu cavalo alado bem nas bordas do silêncio e ali ficou a degustar o canto da maré e a sentir a alegria da areia a cada compasso que as ondas faziam.
Segura do que queria, ou melhor, do que devia fazer, ouviu-se a si mesma, e conseguiu o improvável: enxergou além da linha do horizonte.
A partir daí, cantarolou uns versos de amor, “dessonhou”, disse olá à realidade e saiu sem pensar em mais nada, pois tudo o que foi vivido ficou perdido entre as linhas imaginárias da paixão.

(Da obra: Súbitas Presenças, de Sônia Moura)

ALÉM DO HORIZONTE

TEMPO ABOLIDO

 tEMPO ABOLIDO

TEMPO ABOLIDO (por Sônia Moura)

– Eu é que não vou me arriscar, não vou sair, não vou amar, não vou buscar, não vou tentar. Para quê? Para naufragar? Nem pensar.

Assim falou e assim fez.
A partir daí, Eulália trancou as portas da vida, abafou o coração, anulou a ilusão, e recebeu o medo como companheiro.
…………………………………………………………………………………………………………………………………

Não demorou muito tempo e Eulália morreu de tédio.

(Da obra: Coisas de Mulher de Sônia Moura)

TEMPO ABOLIDO

LILASES DE ILUSÃO

 LILASES DE ILUSÃO

LILASES DE ILUSÃO (por Sônia Moura)

Tingida em preto e branco
Minh’alma, desamparada, sangra
Enquanto minhas lágrimas pálidas
Molham o mundo do globo de papel
E meus pensamentos embolados,
Desencontrados, voam ao léu

O que me salva da dor
É a imagem colorida
De uma pequena e amarela flor
Embalando uma formosa Afrodite
Materializada na borboleta azul
A cena, em forma de convite,
Provocava em mim um novo ardor

No mesmo cenário sonhador,
Um beija-flor multicor
Beija com furor uma sedutora
E voluptuosa flor vermelha
Eu só não consegui definir se
O beija-flor devorava a flor
Ou se a rosa devorava o beija-flor

Estas cenas coloriram o vento incolor
Aplacaram as arestas da minha dor
E, à ilusão, deram cor

Então,
Assim como a flor vermelha,
Meu sorriso, antes esquecido,
Abriu-se em lilases de ilusão
Minh’alma se suavizou
Minhas lágrimas secaram
E a vida retomou sua cor

(Da obra: Coisas de Mulher de Sônia Moura)

LILASES DE ILUSÃO

SONHAR NÃO CUSTA NADA…

SONHAR NÃO CUSTA NADA…

Sonhar não custa nada…  (AUTORIA: Sônia Moura)

Camisa cor-de-cenoura, a voz amanteigada, sotaque à francesa, coloca mel na panela e coloca mel nas palavras. Carioca da gema, mundial da gema, brasileiro da gema, espalha alegria pelo palco-cozinha , a simpatia se esparrama pela tela, enquanto o tempero se esparrama na panela.
Consegue me seduzir mesmo sem saber.
Cabelos grisalhos à Richard Gere, e o sorriso? Ah! O sorriso me chama, o olhar me convida e fica a distância. Quero este sorriso. Quero este olhar para olharmos juntos o dia e a noite desta cidade, lá de cima do Corcovado ou do Cristo Redentor.
Chego à hora marcada. Espero por ele, todos os dias. Isto é paixão. O Cristo Redentor é testemunha, o mar também, não arredo pé. Ele é a minha paixão.
Chegou, pronto! – Boa noite! – Boa noite, respondo. Aquele jeitinho carioca me envolve todinha. Como resistir, como? Impossível resistir a este menino impossível, Cupido me possui.. -Não quero resistir, ao contrário, quero insistir, sonhar e nunca, nunca desistir. Ele é o meu sonho. Maravilhoso! Nem preciso dormir para sonhar.
Cedinho, na manhã do novo dia, vou dar meu passeio pela orla, olho o mar e o relógio, ele nunca se atrasa, também gosta de caminhar. Chegou, vem em minha direção, está encantador, este verde-claro combina com ele. -Bom dia! – Bom dia! Fim da caminhada, hora de voltar para casa. Não, hoje não. Quero ficar mais um pouco olhando este marzão.
Conheço aquela garota! – Jeruza! Abraçaram-se. Há quanto tempo as amigas não se encontravam?
Conversa vai, conversa vem, resolve desabafar: -Sei que parece loucura, mas fazer o quê? É paixão, acredite, é uma paixão, sabe destas de adolescente mesmo, você entende? A amiga ria ante aquela confissão, conhecia Leda há tanto tempo, sabia que era sonhadora. Será que agora Leda não estava exagerando? Mas quem sou eu para julgar a paixão alheia, deixa ela sonhar, pensou Jeruza.
Chegou ao trabalho cantarolando baixinho. Os colegas perguntaram se Leda estava amando. – Sempre, foi a resposta. Durante o dia, seu pensamento migrava para a imagem dele. Era tão lindo! Amanhã é sábado, é dia de vôlei, é dia deles. Ele fica maravilhoso com aquela sunguinha, e como joga bem. À noite, vamos ao cinema ou ao teatro, depois, vamos à cervejinha, ao bate-papo gostoso, é preciso pensar na roupa, ah! e o cabelo, precisa de um jeitinho. Não há um dia que não se vejam, não há um dia que ela não pense nele. Tão charmoso!
Cada dia que passa a ansiedade cresce. Chega o domingo. Um passeio pela Floresta da Tijuca, muitos beijos, suaves, ardentes, quentes. Ele é tão carinhoso, me arrebata o coração, me domina, se apossa do meu corpo, não consigo resistir. O cheiro e o mistério da floresta se confundem com o mistério da paixão. São muitos os mistérios da vida, mas o mistério da floresta é tão atraente quanto o mistério da paixão. Paixão e florestas ambas são belas; sempre nos parecem tão belas, na verdade ninguém pensa no perigo na hora de se aventurar por elas. Não é à toa que estão sempre nas histórias infantis, acompanham-nos por toda a vida. Agora ambas fazem parte de nossa vida, meu amor, pensou Leda.
Como estava feliz! O passeio alongou-se até a tardinha, depois veio a hora do almoço, que foi ali mesmo na floresta, Leda levara um belo farnel. Famílias, casais, todos ali curtindo a natureza, o amor e a paixão e saboreando o almoço diferente, gostoso. Amor e comida – bela combinação- sensual, deliciosa!
Cada segundo era vivido intensamente. É bom amar, mesmo em sonho, mesmo na fantasia. O dia estava acabando, hora de voltar para casa, o domingo estava acabando. Dormir e continuar sonhando. Bom sonhar.
Cedinho saio para caminhar, uma nova semana, segunda-feira. Sinto a falta dele. – Tomara que o dia passe rápido, tomara, quero a noite, quero estar com ele novamente, uma saudade que não dá mais para aguentar. Rodolfo, preciso estar com você!
Calmamente a noite chega e, na hora sagrada, ele está no ar. Um muro transparente nos separa, Rodolfo nem sabe que eu existo, está tão distante… Meus olhos presos na tela, ele preso do outro lado da tela.
Começa o programa e o aroma dos pratos me invade pelos ouvidos, o sabor invade minhas vontades, sua inquietude invade minha ilusão. e eu continuo a sonhar… um dia vou te encontrar, um dia…

Ele lê o conto e também sonha que o moço da história era ele.

(Obra: DOZE HOMENS CONTAM, de Sônia Moura)

RASTOS, RESTOS E ROSTOS

RASTOS, RESTOS E ROSTOS

RASTOS, RESTOS E ROSTOS (por SÔNIA MOURA)

Vivera em tantos lugares, visitara tantos países, vivera tantos amores, nem ela saberia contabilizar tantas vivências. Oitenta anos, oitenta anos, como o tempo passa!
Catarina sabia que o tempo é apenas um representativo da realidade e que o livro, que conta esta história, é feito por meio de uma concentração de imagens de múltiplos significados. O tempo é sempre enigmático, a história do tempo é enigmática.
Durante toda a vida, há passagens do tempo que se fazem demasiadamente presentes, enquanto outras lembranças servem para abreviar a passagem da vida e outras, ainda, ficam esquecidas no fundo do baú, num enorme isolamento, servindo como ponto de equilíbrio entre o ontem e o hoje.
Catarina abriu a janela do tempo e contemplou-se, refez o percurso da vida e descobriu que, por onde passou, deixou rastos nas fontes masculinas, nas fendas das colinas, nos sonhos de menina, nas saudades das ausências e nas memórias das presenças.
Embriagou-se, salvou-se, armou-se, desarmou-se, doutorou-se, lutou, amou, foi amada, sofreu, felizou – viveu! Mas, o importante mesmo é que de tudo ficaram restos.
Tudo em sua vida foi ardor e foi amor, agora, nesta reconstrução do tempo aos oitenta, no meio de lágrimas e palavras não-ditas, ela tenta e tenta encontrar rostos. Fecha os olhos e os vê suaves, em forma de almas suspensas, doces, obscenas, amenas, magoadas, sensuais e amadas.
Num espaço imutável, em forma de um colar de contas multicores a falar de amores, de sabores, de odores, de sons e de horrores, o tempo se apresenta soberano, proclamando o indizível.
O tempo não envelheceu, apenas eu envelheci e hoje vivo entre rastos, restos e rostos, concluiu Catarina.

(Da obra: CONTOS & CONTAS de Sônia Moura)

RASTOS, RESTOS E ROSTOS

amor de calças curtas

AMOR DE CALÇAS CURTAS (Autoria: Sônia Moura)
Num tom de lamúria ou decepção, não sei bem, Ângela me disse: – O amor nos prega cada peça!
Seu olhar fugia da direção do meu, parecia que aquele olhar indeciso se perdia num mundo próprio, num mundo de dúvidas e ansiedade.
Concordei com elA. Como entender as coisas do amor ou do coração? Será que alguém pode responder a esta pergunta?
Tentando desatar o nó que guarda as muitas faces de Cupido, resolvi filosofar e desfiei meu rosário de teorias e definições sobre este complexo sentimento, embora soubesse que ninguém e nada consegue, verdadeiramente, explicar o que é o amor.
Eros é um menino de calças curtas, um menino levado que vive a brincar com a gente. Este menino gosta de pregar peças, mas, por ser menino, também espalha carinhos, meiguices, faz graça, nos cativa, pede atenção, e, às vezes nos dá atenção, outras vezes nos ignora.
Alguns dizem que o amor é cego, outros, que ele é louco, há também os que acham que é sonho, para outros, é pesadelo. E por aí vai…
Não adianta tentar decifrar o amor, ele foge de qualquer definição ou explicação, não há leis ou regras que consigam aprisioná-lo, isto é fato.
Para a gramática, amor é substantivo comum abstrato, engraçado, porque, na prática, o amor de comum e abstrato, nada tem, ele é incomum e apresenta uma concretude nunca vista, não acha? Perguntei à moça do olhar ressabiado. Também não há coletivo para o amor, mas, a bem da verdade, todos os seres, quando estão amando, passam a pertencer a uma mesma espécie, os desejos são coletivos, todos desejam igual, todos querem ser felizes no amor.
Como a formação coletiva de uma cordilheira, o encontro de duas almas assemelha-se ao sistema de montanhas coladas entre si, que, tal qual os amantes, por meio desta união se tornam um só.
Após o meu discurso, pela primeira vez, Ângela olhou-me nos olhos e pude ver neles alguma esperança, pareciam dizer-me que Ângela agarrava-se a uma nova forma de ver o amor, em seu olhar havia alguma alegria. Só não sabia em que ponto eu havia tocado aquele coração, que se mostrava através do seu olhar.
Tentei tirar dela a explicação para aquela cor de esperança a saltar-lhe dos olhos, ela negou-se a revelar-me o motivo da mudança.
Em momentos de dúvida, os fantasmas plantados em nossas fantasias, nos vendem quimeras e eu comecei a divagar por entre os canteiros de minhas ilusões e, no silêncio dos meandros da minha mente.
Percebi, então, que quem tentar entender o amor, estará sempre solitário, será sempre órfão, mas que, partir de nossa conversa, Ângela não estava mais órfã, pois erguera-se e estava pronta para encarar o amor, esta aventura suspensa pelas pernas.
Confirmei que, agora, seu olhar mudara e era todo ardor, embora sua alma me dissesse, através dos seus olhos, que sabia dos caminhos tortuosos, os quais ela teria que percorrer, a fim de dar-se plenamente ao amor, mas, ao mesmo tempo, vi que ela sabia que valeria a pena desnudar-se dos arreios das incertezas para conseguir viver o amor maior.
Apesar de estar convencida de que algo mudara drasticamente para Ângela, resolvi alargar o meu discurso, só para acalmar meu coração.
Assim, continuei a falar…
O mistério do amor deve ficar dormindo até o momento em que venhamos a nos arriscar e abrir as janelas das almas e dos olhos para recriar o mundo do amor ponto por ponto, caminho por caminho, alegria por alegria, senão, estaremos para sempre fadados a viver como o amor-menino, de calças curtas e não com o amor. Ângela e suas incertezas, finalmente, acordaram minha desilusão.

(Do livro: MISTÉRIOS E SAUDADES de Sônia Moura)

amor de calças curtas