Sonhar não custa nada… (AUTORIA: Sônia Moura)
Camisa cor-de-cenoura, a voz amanteigada, sotaque à francesa, coloca mel na panela e coloca mel nas palavras. Carioca da gema, mundial da gema, brasileiro da gema, espalha alegria pelo palco-cozinha , a simpatia se esparrama pela tela, enquanto o tempero se esparrama na panela.
Consegue me seduzir mesmo sem saber.
Cabelos grisalhos à Richard Gere, e o sorriso? Ah! O sorriso me chama, o olhar me convida e fica a distância. Quero este sorriso. Quero este olhar para olharmos juntos o dia e a noite desta cidade, lá de cima do Corcovado ou do Cristo Redentor.
Chego à hora marcada. Espero por ele, todos os dias. Isto é paixão. O Cristo Redentor é testemunha, o mar também, não arredo pé. Ele é a minha paixão.
Chegou, pronto! – Boa noite! – Boa noite, respondo. Aquele jeitinho carioca me envolve todinha. Como resistir, como? Impossível resistir a este menino impossível, Cupido me possui.. -Não quero resistir, ao contrário, quero insistir, sonhar e nunca, nunca desistir. Ele é o meu sonho. Maravilhoso! Nem preciso dormir para sonhar.
Cedinho, na manhã do novo dia, vou dar meu passeio pela orla, olho o mar e o relógio, ele nunca se atrasa, também gosta de caminhar. Chegou, vem em minha direção, está encantador, este verde-claro combina com ele. -Bom dia! – Bom dia! Fim da caminhada, hora de voltar para casa. Não, hoje não. Quero ficar mais um pouco olhando este marzão.
Conheço aquela garota! – Jeruza! Abraçaram-se. Há quanto tempo as amigas não se encontravam?
Conversa vai, conversa vem, resolve desabafar: -Sei que parece loucura, mas fazer o quê? É paixão, acredite, é uma paixão, sabe destas de adolescente mesmo, você entende? A amiga ria ante aquela confissão, conhecia Leda há tanto tempo, sabia que era sonhadora. Será que agora Leda não estava exagerando? Mas quem sou eu para julgar a paixão alheia, deixa ela sonhar, pensou Jeruza.
Chegou ao trabalho cantarolando baixinho. Os colegas perguntaram se Leda estava amando. – Sempre, foi a resposta. Durante o dia, seu pensamento migrava para a imagem dele. Era tão lindo! Amanhã é sábado, é dia de vôlei, é dia deles. Ele fica maravilhoso com aquela sunguinha, e como joga bem. À noite, vamos ao cinema ou ao teatro, depois, vamos à cervejinha, ao bate-papo gostoso, é preciso pensar na roupa, ah! e o cabelo, precisa de um jeitinho. Não há um dia que não se vejam, não há um dia que ela não pense nele. Tão charmoso!
Cada dia que passa a ansiedade cresce. Chega o domingo. Um passeio pela Floresta da Tijuca, muitos beijos, suaves, ardentes, quentes. Ele é tão carinhoso, me arrebata o coração, me domina, se apossa do meu corpo, não consigo resistir. O cheiro e o mistério da floresta se confundem com o mistério da paixão. São muitos os mistérios da vida, mas o mistério da floresta é tão atraente quanto o mistério da paixão. Paixão e florestas ambas são belas; sempre nos parecem tão belas, na verdade ninguém pensa no perigo na hora de se aventurar por elas. Não é à toa que estão sempre nas histórias infantis, acompanham-nos por toda a vida. Agora ambas fazem parte de nossa vida, meu amor, pensou Leda.
Como estava feliz! O passeio alongou-se até a tardinha, depois veio a hora do almoço, que foi ali mesmo na floresta, Leda levara um belo farnel. Famílias, casais, todos ali curtindo a natureza, o amor e a paixão e saboreando o almoço diferente, gostoso. Amor e comida – bela combinação- sensual, deliciosa!
Cada segundo era vivido intensamente. É bom amar, mesmo em sonho, mesmo na fantasia. O dia estava acabando, hora de voltar para casa, o domingo estava acabando. Dormir e continuar sonhando. Bom sonhar.
Cedinho saio para caminhar, uma nova semana, segunda-feira. Sinto a falta dele. – Tomara que o dia passe rápido, tomara, quero a noite, quero estar com ele novamente, uma saudade que não dá mais para aguentar. Rodolfo, preciso estar com você!
Calmamente a noite chega e, na hora sagrada, ele está no ar. Um muro transparente nos separa, Rodolfo nem sabe que eu existo, está tão distante… Meus olhos presos na tela, ele preso do outro lado da tela.
Começa o programa e o aroma dos pratos me invade pelos ouvidos, o sabor invade minhas vontades, sua inquietude invade minha ilusão. e eu continuo a sonhar… um dia vou te encontrar, um dia…
Ele lê o conto e também sonha que o moço da história era ele.
(Obra: DOZE HOMENS CONTAM, de Sônia Moura)