CONFISSÕES DE POLLY

Confissões de Polly (Autoria: Sônia Moura)

Sabe, doutor, eu não aguentava mais, não, não dava. Quer saber, não me arrependo mesmo. Eu vou contar tudo pro senhor:
Fiz o que fiz em legítima defesa, é verdade, sabe por quê?, ela me provocava, todo dia, todo dia! Logo de manhã cedo, ela já começava, é, é verdade, Lea fazia isto de maldade. Sabe doutor, aquelas pessoas más, que gostam de provocar, provocar, ah! tem hora que não dá mais.
– Mas, dona Polly, o que pode haver de tão grave para que a senhora chegasse ao ponto que chegou e fizesse o que a senhora fez? A provocação era tão grave assim?
Claro que era grave, doutor, pensa bem, de manhã, todas as manhãs, ficar vendo aquela cara de lambisgoia dizer: -Bom dia Polly, tudo bem, tudo bem? Como tudo bem? Como? Que pergunta mais descabida, ela sabia de todas as minhas infelicidades, então, ela só queria desafiar os meus nervos, aquela debochada.
E, depois desse: “tudo bem?”, a vaca abria aquele sorrisão enorme e saía desfilando mostrando aquele corpo escultural e, o pior de tudo, passava de braços dados com o marido, aquele tipão de homem. Ah! doutor, não dava mesmo para aguentar.
Na quinta-feira, dia em que se deu a desdita, ela passou na minha porta, veja bem doutor, na minha porta com aquele vestido azul florido, só pra me provocar, ela sempre soube que eu gosto de tecidos floridos, era só por isso que ela botava aquele vestido para ir à feira e justamente na hora que eu saía de casa. Era ou não era uma provocação?
Vou falar pro senhor, ela vivia me tentando, durante muito tempo eu fingi que não entendia, mas o senhor sabe não dá pra bancar a burra o tempo todo, o senhor não acha?
Pois é, engoli todos os sapos que aguentei engolir, distribuí muito sorriso, enquanto as lágrimas ficavam se pendurando em meus olhos, mas eu suportava todas aquelas humilhações. Vou falar uma coisa pro senhor, doutor, a Lea humilhava a gente.
Sabe o que ela fazia, doutor, hein? Sabe? Ela pisava na minha solidão e depois esfregava ela na minha cara, é, é isso mesmo que o senhor está pensando, pois é, vinha no meu portão pra dizer: – Sabe, Polly, o Marcelo é um amor, olha o anel que ele me deu, sabe, domingo fomos passear de mãos dadas lá em Copacabana.
E eu me mordendo por dentro, fingia que tudo isto era muito normal, dizia para ela que um dia eu também já tivera um homem que fazia tudo isto só para mim.
Claro que eu mentia, doutor, claro, não queria dar àquela…, àquela…, àquela “sortuda” este gostinho, ah! não, eu? passar diploma de mulher abandonada, de jeito nenhum.
Noutro dia mesmo, ela veio me dizer com aquele sorriso impecável: – Polly, você não acha que estou gorda? Pode isso, doutor, dizer que estava gorda com aquele corpão? Vamos lá, o senhor fala pra mim, era ou não era para tripudiar com as minhas desgraças: gorda, feia e solitária? Hein? Fala, doutor, fala!
Ah! quer saber, não tinha outro jeito só mesmo trucidando aquela atrevida, só assim ela nunca mais vai esfregar suas alegrias e sua felicidade na cara dos outros. Não é mesmo?
Agora pode me prender que eu vou me sentir mais livre que rolinha das árvores da cidade grande.
A súbita presença de outra mulher da mesma rua e do mesmo bairro, acusada de um crime brutal como o de Polly, adentrando a delegacia, fez com que Polly soltasse uma forte gargalhada e, tranquilamente, mostrasse os braços algemados,gritando a plenos pulmões: Agora estou livre, livre!

algemada

(Do livro: Súbitas Presenças, de Sônia Moura)

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