LUZES

O sol caminha pelos corpos

indecentemente

libertino,

doura peles,

cria imagens

em olhos invisíveis,

desperta sonhos,

veste fantasias,

faz-se poeta

e escreve um poema,

beija corpos deitados na areia,

brinca com as ondas do mar,

depois, vai-se embora,

porque outra luz está por chegar

 

(Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO)

 

 

 

PODEROSA DEUSA

PODEROSA DEUSA

Encontrei Atena

Com as antenas ligadas

E ela me falou assim:

– É por isso que

Quando alguma coisa me enerva,

Quem não sabe da minha história,

Insiste em me chamar de Minerva

Veja bem, nasci em toda a glória,

Sou filha de Zeus e Métis

Que, transformada em mosca morta,

Minha mãe foi engolida

Por meu pai apavorado

Achando que eu

Era uma Deusa prometida

E que iria mais tarde

Seu trono abocanhar

Mas como eu sempre fui

Artista e muito sabida

Deixei o velho com tamanha

Dor de cabeça,

Uma baita enxaqueca

E o poderoso Zeus

Não aguentando a parada

Pediu ao amigo Hefesto

Para dar uma machadada

Bem no meio do seu quengo

Assim que o feito se deu

Eu saltei toda paramentada

Com armadura, elmo e escudo

E eu não era nenhum monstrengo

Era uma deusa virgem e uma linda guerreira

(Sempre me consideraram virgem

Quem sabe ou quem saberá?)

E como fui gerada perto do cérebro

Nasci já sabendo de tudo

Com uma lança na mão

Mas não significava guerra, não

Eu usava uma estratégia

Para vencer qualquer turbilhão

Inventei o freio, amansei cavalos

Para que os fortes marmanjos

Conseguissem os bichos domar

Atenas era a minha cidade preferida

Já que leva o meu nome

E está sempre a me homenagear

O meu tio Poseidon veio comigo disputar

Para o nome de um ou de outro

Uma cidade assim chamar

Titio com seu tridente

Fez jorrar água do mar

E um cavalo a trotar

Já eu, mulher de coragem,

Domei aquele cavalo

Também dei a todo mundo

Uma linda oliveira

Que produzia alimento, óleo e também madeira

Por isto esta cidade o meu nome sempre terá

Sendo mulher guerreira

Nunca quis me apaixonar

E pedia aos outros deuses

Para por mim não se apaixonarem

Porque se eu ficasse grávida

Não poderia mais guerrear

Depois passei a Minerva me chamar

Pois junto com o povo de Atenas

Ao caso Orestes fui julgar

Ele que matou a mãe para o seu pai vingar

Dei o voto de Minerva

E Orestes seu crime não foi pagar

Apenas por ser mulher

Não pude o trono ocupar

E ser a rainha do Olimpo

Mas isto não foi problema

Pois o trono que ocupo

É o da sabedoria, da prudência

E ainda sou considerada

A amante da beleza e também da perfeição

E convenhamos, amigos,

Isto não é para qualquer um não.

SEXO DO BOM

Fazer sexo é fácil,

Se for apenas para a procriação

 

Mas o sexo prazeroso

Aquele que é bem gostoso

Depende de toques e retoques

E nada de não me toques

Só não vale levar

A tristeza a reboque

 

É preciso ter tesão,

É preciso ter paixão,

É preciso entregar alma,

E o corpo, com total devoção,

Pois se não houver nada disto

Não haverá emoção

 

Sexo só é gostoso

Quando o egoísmo

Fica bem longe e

A dor logo se esconde,

Para fazer renascer

Eros abraçado a Tanatos

Deixando quem faz amor

Entre o viver e o morrer

Sendo domado e selvagem

A gritar e a gemer

Somente por puro prazer

Praticar sexo de verdade

É gesto de generosidade

Com uma boa dose

Do que chamam

Libertinagem

 

 

LABIRINTOS

LABIRINTOS (por Sônia Moura)

 

Quando os homens que carregaram meus móveis pesados

Saíram lá de casa

As marcas de seus sapatos enlameados

E de seus passos apressados

Marcaram fortemente o meu chão

Criando labirintos na minha imaginação

 

Quando o homem que eu amei por tanto tempo

Saiu da minha vida

Todas as nossas lembranças foram embalsamadas

E as marcas de todos os nossos risos

Fantasiaram – se de alegrias esperançosas

E ainda hoje formam labirintos na minha imaginação

[Da obra: Coisas de Adão e Eva]

In vino veritas

 

Narrando uma história incerta

Para validar uma certa história

Ou quem sabe, uma história certa,

O poeta reduplica o real

Não separa o bem do mal

Bota tudo no mesmo balaio

Dá destaque à fantasia

Porque a fantasia compensa

O abandono e o tédio

E não há outro remédio

A não ser fantasiar

E deixar a vida passar

Com astúcia e leveza.

Assim, este paralisa o tempo

Funde o objeto e o sujeito

Num verso ou numa estrofe

Eterniza o não vivido

Para que no mesmo poema

Brinquem a leveza dos tempos

E a leveza da festa

Cria imagens misturadas

Pastiches de muitos tempos

Pastiches de muitos eventos

E de sujeitos divididos

Tudo transformado em mito

Convida o sonho e a fantasia

Para alagarem o real

Pois ele sabe muito bem

Que a vida é um grande talvez

E que sem margem não há limites

Por isso, andar por extremos

Pode ser tão perigoso

Ainda assim ele se arrisca

Segue em frente, sai da pista,

Cambaleia, se recompõe,

Cultiva em  seu viveiro

Palavras e desafios

E, para não dar na vista,

Usa muita alegoria

Mistura tristeza e alegria

Faz da poesia

Seu momento de orgia

E, juntamente, com o deus Baco

Propaga aos quatro cantos

Que a palavra é seu encanto

E que este é o seu “barato”

[Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura]

 

 

DÚVIDAS com CERTEZA

O amor me pegou de jeito

Não há como recuar

Atravesso esta ponte

Ou me jogo neste mar?

 

Não sei mesmo o que fazer

Enfrento esta tempestade

Abro cortinas para o sol entrar

Ou deixo a vida me levar?

 

Afasto a nuvem pesada

Afasto o medo de amar

Acordo o silêncio antigo

Ou será melhor me calar?

 

Dinamito a incerteza

E me lanço no vazio

Agarrada a doces lembranças

Ou desafio um rio bravio?

 

Abraço-me com o silêncio

Coloco  lágrimas ao vento

Grito palavras bem raras

Ou entro para um convento?

 

Não sei mesmo o que fazer

Se solto a alma no espaço

E arrisco a me perder ou

Se me escondo na caverna

E me arrisco a não viver

 

Preciso me decidir

 

Já sei o que vou fazer

Vou me espalhar neste amor

Vou fazer um carnaval

Vou me embolar com o prazer

Quero uma ilha deserta

Não para me acovardar

Mas para viver sem “não pode”

Fazer o que der na telha

Entregar o corpo e a alma

Abandonando qualquer dúvida

Adoto toda a certeza

E vou pelo mundo a fora

Praticando o verbo amar

(Da obra: COISAS DE ADÃO & EVA, de SÔNIA MOURA)

 

 

CONVERSA INTERIOR

 

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-Uai, moço, aqui num tem nada não,

Só esse riozinho,

Esse pomar fresquinho,

Esses lindos passarinhos,

Esses jardins floridos,

Esse céu tão colorido,

Esse sossego de amigo

 

– Uai, moço, acho que este é que é

Aquele lugar tão “bão”,

Pra qualquer um viver

Basta apenas nós querer

E ele assim vai ser

E, então, no seu dizer

-O que é um lugar “bão”?

 

 

À FLOR DA PELE

tatooflor

Sobraram raízes

Daquela paixão

Em forma de voz,

Em forma de tom

Do som do seu riso,

Da falta de siso

Nasceram frutos

Com gosto de orvalho

E troncos tão fortes

Mas galhos tão frágeis

Que isolaram a razão,

Violaram a emoção

Criaram espaços sombrios

Invadiram meus poros

Trouxeram arrepio

Deixaram  minh´alma

À flor da pele

Tiraram  minha vida  do sério,

Misturando a verdade  e o mistério

 

Rasguei minha alma,

Entreguei-me a um pranto

Que formou mil rios

E em meu desvario

Vi estrelas cadentes

Como beijos ardentes

Sonhei acordada

Caminhei por uma estrada

Que pensei ser o tudo

Mas que me levou ao nada

Lutei, quis fugir,

E não consegui

Voltei aos seus braços

Chorei e sorri

Fui tola e sábia

Ouvi mil palavras

E um castelo montei

A você coroei

Como único Rei

E a mim proclamei

Sua abelha rainha

O amor recendia

A paixão renascia

E reinava a alegria

 

Mas,  ao certo não sei,

Se vivi ou sonhei

 

 

(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia moura)