A COR DO PASSADO

A COR DO PASSADO

 

A COR DO PASSADO

 

 Num canto da sala, Fátima aguardava em silêncio, porque qualquer palavra naquele momento, seria em vão.

Para espantar a dor, começou a cantarolar bem baixinho, mas por alguns segundos, depois ela voltou a ser toda silêncio.

A brevidade da vida a atacara em cheio, obrigando o silêncio a fazer barulho na cabeça daquela mulher perdida em seus ais e interrogações, enquanto as palavras mentalmente se comunicavam, mas ela não as entendia, porque as palavras não conseguiam falar de amor, de vida ou de poesia, apenas causavam uma revolução, que mexia com a ordem habitual de seus pensamentos e de seus dias.

À primeira vista, aquela perda seria apenas uma repetição da vida ou da ausência dela, era a mesma redundância de sempre, por isto seus pensamentos continuavam a mover-se em ondas difusas e tudo era, ainda, muito confuso.

Ornando aquela embalagem, metais dourados, e, dentro dela, a única vida era a das flores e, do lado de fora, vidas se apresentavam imersas em lágrimas e tristezas.

Não se sabe se ele irá para o plano de cima ou para o plano de baixo, e, seja lá para que lado ele for, será que o lado destinado a ele, ficará alegre ou triste? Por este pensamento engraçado, um sorriso passou-lhe pelos olhos molhados.

Fátima só encontrou alguma nitidez em seus pensamentos, quando o vôo de um pássaro errante pegou-a desprevenida e a fez pensar que gostaria de ter asas e sair voando para bem longe, para fugir daquela cruel verdade.

Fechou os olhos e se permitiu voar alto, mas logo assustou-se e sentiu como se tivesse fazendo uma curva fechada, o que quase a fizera chocar-se com um horizonte brilhante e ensolarado, o qual beijava um mar de lágrimas sofridas..

A duas quadras dali, uma música tocava bem alto. A já não tão jovem Fátima esticou os olhos para tentar ver o movimento da rua e esticou os ouvidos para identificar aquela música, logo descobriu que conhecia a letra, cujos versos falavam de almas apaixonadas que haviam se separado por conta de desajustes e desencontros, enquanto ela e Márcio eram as eternas almas apaixonadas que o destino nunca uniu, a não ser em sonhos.

A presença- ausência daquele homem tão vivo em seu coração e em suas lembranças de adolescente, deixava sua dor tentando desvencilhar-se totalmente alheia à realidade daquela verdade. Impossível.

A ventania do dia anterior pareceu dizer àquele coração apaixonado que o passado iria voltar para desbancar qualquer sonho de futuro.

Naquela tarde morna, ante a face zombeteira da verdade, morriam os sonhos de meninos, era como se eles tivessem sido expulsos do paraíso, pois, o eu e o tu que deveria ser transformado em nós, também morria ali.

Sozinha, após o enterro, Fátima pensou nas brincadeiras de criança e, antes de adormecer, ouviu a voz de Márcio dizendo um poema tão doce que a fez dormir, sonhando com um futuro tão feliz, ainda que o mundo deles agora estivesse desabitado, que ela iria povoá-lo com a plenitude de suas lembranças felizes.

No meio da madrugada, acordou e sentiu a infinita presença da juventude a consolar-lhe a alma e a aquecer-lhe o coração. Voltou a dormir, sorrindo

A COR DO PASSADO

ORACULAR

 

 ORACULAR

Oracular  (Autoria: Sônia Moura)

 

Era um famoso oráculo, lidava com numerologia, tarô e astrologia, num fim de tarde de um verão escaldante foi visitado por um representante de um novo grupo de rock,  a fim de que ela fizesse um estudo numerológico de dois nomes, pois um deles deveria ser o nome oficial de um grupo, formado por quatro irmãos, moradores de outra cidade que iria se lançar oficialmente no mundo musical, em breve.

Assim ele fez, jogou suas cartas, consultou os astros e fez o estudo numérico e concluiu que Eyebrow Bros. seria a melhor escolha, embora o segundo nome também fosse muito promissor.

 

O jovem agradeceu, pagou a consulta e seguiu para a sua cidade, e, lá chegando foi direto para o porão, onde os amigos do grupo já o esperavam ansiosos, para saberem qual o nome escolhido.

Cansado, Eduardo largou a papelada referente à última consulta do dia e foi dormir.

Às 23:30, chega à casa Jofre, o filho mais velho de Eduardo e vê sobre a mesa um papel com o nome Eyebrow Bros.

– Nossa! Pensou Jofre, este é um bom nome para o meu grupo de rock, acho que papai fez de propósito, ele é demais. Vai ver jogou as cartas e descobriu este nome maravilhoso para o meu grupo. Vou fazer-lhe duas surpresas, uma, será a primeira apresentação do nosso grupo, já com o novo nome, esta é a segunda surpresa. Nossa! É bom demais!

Imediatamente ligou para seu futuro empresário e contou-lhe sobre a “descoberta”. Do outro lado da linha, o novo futuro empresário adorou a ideia e, mesmo àquela hora da noite, correu para o escritório para preparar tudo para o lançamento do novo grupo, o que aconteceu quinze dias depois da consulta do outro grupo.

Os Eyebrow Bros. foi lançado, e, enquanto em uma cidade quatro rapazes estavam exultantes, numa cidade próxima, outro grupo se desesperava, pois alguém passara-lhes a perna e estava usando o nome que seria deles.

Os meninos que se sentiram lesados foram à luta e descobriram que o líder do grupo era filho do oráculo o qual lhes havia dito que a melhor escolha para nomear o grupo seria Eyebrow Bros. Vociferaram, gritaram, mas eles nada podiam fazer contra o homem que julgavam ter-lhes traídos.

Quase ao mesmo tempo, no dia do lançamento do grupo de seu filho, enquanto Jofre abraçava e beijava o pai, agradecendo – lhe pela indicação do nome, atordoado, um homem se desesperava, como iria explicar para o filho,  que ele estava enganado, ela não escolhera este nome, não consultara as cartas, os astros ou os números como ele pensava, este nome pertencia a outros.

Por outro lado, seu desespero aumentava, pois pensava de que forma estariam os outros meninos, certamente estariam pensando que ela era um trambiqueiro, um desonesto, – meu Deus, o que fazer?

Tentou falar com os meninos de ambos os lados, mas, ambos os grupos não quiseram ouvir suas explicações.

Sofreu muito, depois, sem saber o que fazer, o homem foi fazer o que sabia, consultou  seus astros e suas cartas e eles adiantaram para ele o que estava por vir, o  grupo que o consultara, e que adotou o segundo nome indicado por ele e passou a ser Código de Borras, faria tanto sucesso quanto o Eyebrow Bros.

Acertou em cheio e pode ver que, apesar do contratempo, todos ficaram muito felizes.

 

(Do livro: Minimamente Crônicas de Sônia Moura)

 

                                                             ORACULAR

 

IR(REAL)

 

 

 

 

(iR)REAL

 (IR)REAL  (Autoria: Sônia Moura)

 Numa estrada deserta, encontrei um mascarado. Assustei-me, não por medo, assustei-me pelo deserto da estrada e pela incompatibilidade da data e da máscara. Era julho e não era carnaval.

Olhando-me por trás de sua máscara dourada como o sol do meio-dia, a voz saiu-lhe calma e doce como o sumo de uma romã madura a escorrer pela boca, a adoçar os lábios, a enternecer a língua.

– Aonde vais? Fica comigo.

Como estávamos só nós dois e o deserto da estrada, claro que o mascarado dirigia-se a mim e prontamente respondi:

  Vou em busca de todos os meus sonhos!

Imediatamente ele retrucou:

– Irás se arriscar em um porto qualquer? Os portos dos sonhos são tão nebulosos ou seriam diáfanos?

   Não sei, disse eu, mas quero ir para o paraíso, é lá que vivem meus  sonhos.

         Ah! por que ir para tão longe e me deixar aqui, sozinho a contigo sonhar…

          Quem é você?

         Sou o teu sonho, sou tua estrela, sou teu amor…

         Tira a máscara, por favor, por favor!

Ele começou a cantar uma canção que falava de beijos trocados num quarto de motel, de luzes e espelhos a multiplicar o par de amantes, das juras de amor a nos segurar, do sexo e dos abraços que burlavam qualquer forma de desencanto.

Terminada a canção, ele me falou:

     É por isto que eu canto.

         Quem é você, de onde vem este seu encanto?

         Dos teus sonhos, ele disse.

         Dos meus sonhos? Mas estou indo ao encontro deles.

         Para que, se podes embarcar no navio dos sonhos, agora? Disse o mascarado, deixando o sorriso ultrapassar a máscara.

         Que navio? Não estamos no mar.

Mais uma vez, o sorriso pulou daquele rosto oculto, fazendo com que eu pensasse ter visto um rosto sem máscara.

         Sabes que eu te amo muito, muito, muito… Por que não acreditas em mim?

Aturdida e perdida no meio da estrada deserta, no meio do sonho deserto, vejo, pela primeira vez,  flores ladeando a estrada, flores amarelas, como a máscara e como o sol. Só o sorriso que saltava da máscara era cor da prata e brilhava mais que a luz daquele olhar suplicante.

         Meu Deus, quem é este homem? Por que de mim se esconde? Pensei.

          Tenho tanta saudade de ti, Pequenina.

         Oh! Deus, será que é você,  aquele a  quem procuro a tanto tempo…

         Podes vir, meu anjo, eu sempre serei teu, só teu, de mais ninguém. Naveguei por tantos mares, conheci portos e muitas mulheres, mas nunca te esqueci. Finalmente te encontro no meio deste nada, logo você que para mim é tudo…

Uma chuva fina começou a molhar nossos rostos, nossos corpos e nossos sonhos. Agora eram a flores que sorriam.

A chuva aumentou, a máscara foi-se diluindo, diluindo e aquele rosto antigo foi-se mostrando lentamente a mim, como uma flor a desabrochar no meio do deserto.

Vi aquele rosto tão saudoso, entreguei-me a seus abraços, esqueci-me da vida e só aí percebi que eu estava a sonhar…

Mas consolei-me porque mesmo sendo apenas um sonho, algo irreal, a súbita presença daquele mascarado,  agora tão real para mim, deu-me a certeza de que, em toda a minha vida, nunca mais iria sentir um amor tão real.

 

(Do livro: Súbitas Presenças de SÔNIA MOURA)

 

 (IR)REAL

 

MISTÉRIOS

                            MISTÉRIO

 

 

MISTÉRIOS (Autoria: Sônia Moura)

 

 – Tem gente que é feita de sonhos, me disse Maria, olhando para o céu estrelado, que cobria aquela ilha dourada. – Tem gente que é feita de sonhos, repetiu!

 

Ri de suas palavras, mas sabia que ela estava certa, eu mesma era feita de sonhos e, ainda que a vida insistisse em me pregar peças como aquela, eu e ela conseguíamos sorrir.

  De onde a conhecia? Como sabia tanto sobre ela? Tudo para mim, naquela noite, tinha a face do mistério.

 Vivendo aquele dilema, eu sorri um sorriso desassossegado, enquanto Maria  me olhava e dizia que tudo iria se resolver logo, era só esperar.

 

Por falar em esperar, Maria também era a imagem da esperança, além de ser feita de sonhos, trazia a cor verde da esperança no olhar e as delícias do sonhador na alma de menina.

 Por que estou sendo colocada à prova deste encontro desencontrado, hein? Maria lançava para mim seu sorriso manso e este encontrava o meu olhar em desassossego, enquanto suas pernas se balançavam ao vento. Sentadas no cais, com a brisa a embalar aquele momento, sorríamos para a lua, que se espreguiçava bem devagar, enquanto saia detrás de um nuvem bem gorda.

 Maria não respondeu à minha pergunta, apenas cantarolou uma canção de menina e, neste instante, redonda, aberta e bem clara, a lua surgiu para alegrar minha alma deserta.

 Maria aproveitou aquele parto feito no céu, para falar comigo sobre as flores do jasmineiro, plantado na porta da pousada, onde eu estava hospedada.  O jasmineiro resolveu que iria recostar-se no muro de pedras, tinha toda a liberdade do mundo, mas quis agarrar-se às pedras duras daquele muro, por quê será? Perguntou-me a menina.

 Com a face banhada pela luz do luar e por sua própria luz, foi Maria quem respondeu à pergunta que ela mesma fizera. Maria falou com doçura: – Sabe o que eu acho, o jasmineiro pretende proteger suas flores, você já viu como o vento aqui é forte?

 – Maria, você está certa, quantas vezes nos agarramos a “muros de pedras”, para afastar a solidão, quantas vezes ficamos esperando que um milagre aconteça para que neste reencontro entre a flor e a pedra, o mistério da vida faça germinar algo de novo?

 Neste instante, uma voz antiga chamou meu nome. Voltei-me e vi, à luz do luar, uma imagem do passado que viera me consolar.

Maria, mais uma vez sorriu para mim, transformou-se em um lindo pássaro azul e saiu pelo mundo a voar.

 Mistérios!

 

(Do livro Mistérios e Saudades, de Sônia Moura)

 

O TRÂNSITO DA FELICIDADE

 O trânsito da felicidade

O TRÂNSITO DA FELICIDADE  (Autoria: SÔNIA MOURA)

Julieta gostava de cantar, de dançar e de representar, alegrava-se e alegrava os outros. Um dia chegaram umas pessoas estranhas em sua aldeia, Julieta deu entrevistas, cantou e dançou.
Resolveram que ela deveria gravar um CD, era boa demais para ficar perdida naquele fim de mundo. Julieta daria um bom dinheiro.
Vestiram-lhe roupa nova; calçaram- lhe sapatos. Julieta viajou de avião, foi a lugares que o pessoal da aldeia nem poderia sonhar. Comeu umas comidas diferentes, apareceu na televisão, agora era global.
O mercado tecia a sua renda e prendia Julieta neste novo mundo. Ela gostava de cantar e dançar, gostava de alegrar.
Cada vez exigiam mais e mais dela, que já não tinha vida própria, era dirigida, manipulada, sua alegria precisava dar lucro.
A moça cantava sem parar, sorria sem parar. Os pontos da renda do mercado iam ficando mais fechados, iam envolvendo a nova Julieta tão distante de sua aldeia, de sua gente e da alegria que fazia transitar entre eles.
Chegou um tempo em que renda tornou-se tão densa, tão fechada que Julieta não conseguia soltar-se dela. A moça perdera a graça, a renda era tão grande, tão forte e tão fechada que não mais permitia o trânsito da felicidade.

(Do livro: Minimente Crônicas de Sônia Moura)

O trânsito da felicidade

O AZARADO

 

 azarado

 

O Azarado  (Autoria: SÔNIA MOURA)

 

Ela era linda, toda linda. Que olhos verdes! que corpo! que boca! Diziam que era capaz de parar o trânsito. Mas a antipatia e a arrogância sepultavam sua beleza.
Ele era feio, muito feio, corpulento, massudo, um tanto vesgo. Mas sua simpatia e alegria, conquistavam a todos e faziam do feio, belo.
Nascera-lhes um único rebento. Deram-lhe um cordão com uma conta dourada, precisavam enfeitá-lo, herdara a feiúra do pai e, logo todos perceberam que herdara também a antipatia da mãe.
Coitado!

 

(Do livro: CONTOS e CONTAS de Sônia Moura)

 

 

                                                                    azarado

PRESENTE NA SAUDADE

PRESENTE NA SAUDADE (Autoria: Sônia Moura)

pRESENTE NA SAUDADE

A um canto da sala, encolhida, Mariana curva-se ao peso daquela verdade. Sente-se desamparada, parecia que havia um punhal espetando o seu peito, ferindo-lhe não só o corpo, mas sua alma,.a vida e a sua mais linda história.
Desolada, deixa os braços penderem-se ao longo do corpo como se fossem dois galhos de uma árvore sem raiz, e, mesmo pisando sobre aquele tapete macio, sentia seus pés tocarem em imensos pedregulhos. Tudo feria seu corpo e sua alma.
Seus olhos claros estão turvos e olham para o nada. Sem forças, ajoelha-se, pega o lenço, tentando conter as lágrimas que jorram sem parar, seu corpo entorpecido parece ter o peso triplicado.
Entontecida pela dor, com as pálpebras a pesaram-lhe a ponto de a cabeça pender pesadamente para frente, Mariana senta-se à beira da lareira e adormece.
Em seu sonho, envereda-se pelo mata e lá encontra um cão vagando, este será seu novo amigo, em seguida ela encontra um lindo chapéu de cor azulada, com um lindo laço de fita. Sem hesitar, Mariana coloca aquele chapéu com uma aba tão larga que lhe cobre toda a visão, Marina já não consegue ver tudo que está a sua volta.
De repente, alguém lhe oferece uma tigela fumegante de um mingau que sua mãe sempre lhe servia todas as manhãs. Mariana dobra a larga aba do chapéu, inclina-se e começa a saborear aquele manjar dos deuses, neste momento, tudo se transforma o tempo regride, a saudade diminui e ela se vê menina olhando nos olhos daquele menino de cabelos negros e sentindo que o amor por ele acabava de tomar posse d seu coração.
Flores que mais parecem sinos dobram-se e vêm acariciar-lhe a fronte, como se fossem as mãos do homem amado, enquanto borboletas lhe trazem mel em conchas douradas.
Ela não recua, deixa-se beijar por aquele momento único, deita-se no meio dos arbustos, abre a boca e deixa que o mel escorra por sua garganta, para adoçar-lhe a alma tão sofrida.
Como Celso pudera fazê-la sofrer tanto assim, depois de tantos anos, como? Ele não deveria ter partido daquele jeito, de repente, sem um abraço ou um beijo. Sentia-se tão só, depois de 35 anos ele a deixou naquela noite fria sem dizer adeus. Lágrimas.Um frio intenso entra pela janela escancarada por uma rajada de vento, dói-lhe o corpo.
Mariana vai despertando sob a emoção do sonho e a emoção da realidade. Olha o relógio, são 02 horas e 33 minutos de uma madrugada fria, esta era a primeira noite que ela dormiria sozinha por conta daquele maldito enfarte que levou o seu amado para sempre.
Deixou-se ficar no tapete em frente à lareira e nas chamas já cansadas viu o rosto de Celso a sorrir-lhe. Sorriu para aquela imagem e seu coração, por uns segundos se acalmou.
Um novo dia estava nascendo.
(Do livro: Minimamente Crônicas de Sônia Moura)

O ANEL

O ANEL (AUTORIA: SÔNIA MOURA)

   ANEL DE DIAMANTE

Lygia Langer Lester, este era o seu nome. Moça elegante, de família abastada, estava agora de caso com um simples porteiro. Como pode? Como? Como? A família entrou em polvorosa. Desmaios, chiliques. Desespero! Enquanto todos se atormentavam, Lygia sorria.
A família reuniu-se para decidir o que fazer com a jovem. Viaja amanhã. É, de amanhã não pode passar! A moça, agora era prisioneira em seu quarto e só tinha como companhia o presente que recebera de Antônio Lúcio: um anel, cravejado de diamantes e com uma conta escarlate. Pelo menos foi assim que a jovem o descreveu para os pais. Todos riram muito, só podia ser piada. Claro que o anel era fantasia.
Lygia não viajou, casou-se com Antônio Lúcio que calou a boca de toda a família, o anel era verdadeiro. O porteiro ganhara sozinho um concurso de loteria.
A família estava eufórica, desta vez o anel não se foi e, ainda, salvaram-se todos dedos da família.

(Do livro: CONTOS E CONTAS de Sônia Moura)

O FEITIÇO VIROU CONTRA A FEITICEIRA

O FEITIÇO VIROU CONTRA A FEITICEIRA          bRUXA
(Autoria: Sônia Moura)                                        

Elvira fora traída pelo marido, Ricardo agora morava com “a outra”.
O nome da “outra” não era pronunciado, Elvira proibira, não queria dar força à maior inimiga. Dizia que a mãe sempre falava que chamar um inimigo pelo nome, era dar a ele muita força. Elvira queria a outra bem fraca.
A outra se colocava como a melhor amiga e tirara dela o grande amor de sua vida. Isto não tinha perdão.
A traída chorou, esperneou, pensou em se matar, rogou pragas e, finalmente, acalmou-se e foi à luta, mas, antes de sair da toca, fez a si mesma uma promessa singular: só iria namorar homens casados.
Não tinha sofrido tanto por causa de uma mulher? Agora iria vingar-se, saindo com homens casados, queria que as mulheres sofressem o que ela sofreu, então, só namoraria homens casados, de preferência, bem casados.
A raiva era contra a outra e não contra o marido que a abandonara e que a traíra, assim, a vingança era contra as outras mulheres, e claro, ela no papel da “outra”.
Não se importava se fossem apenas encontros esporádicos, mas nos momentos em que se encontravam, fazia de tudo para prender o homem o maior tempo possível com ela, não porque gostasse dele ou de sua companhia, mas queria que a mulher dele sofresse, para isto ela era a outra.
Um dia, Elvira conheceu Nivaldo e lhe fez a pergunta costumeira: – Você é casado? A resposta foi afirmativa. Elvira exultou, este era mais um para que ela colocasse em prática a sua vingança contra as mulheres.
Até aquele dia, Elvira não tinha conseguido sentir o sabor da vingança, nenhum homem dissera a ela que a mulher havia suspeitado de nada mesmo. Elvira se roía de raiva.
Já com Nivaldo tudo estava sendo diferente, ele sempre se queixava de que não podia vê-la como queria, porque a mulher já estava desconfiada. Noutro dia, falava sobre uma discussão que tivera com a mulher ou dizia que Elvira devia tomar cuidado, pois a mulher era uma “fera”!
Elvira se deleitava com estes relatos, vibrava intimamente ao saber que “a outra” sofria.
O tempo ia passando, Nivaldo e Elvira continuavam a se encontrar às escondidas e somente quando ele podia, e, nos últimos tempos, ele podia cada vez mais, ainda que se mostrasse preocupado com a hora da partida.
Elvira não reclamava, só prendia o amado, entre seus braços e pernas, quando este dizia que precisava ir embora, estava na hora, a patroa iria brigar, estava desconfiada, era melhor não bobear.
A agora “outra”, fazia beicinho, falava de amor, implorava e Nivaldo cedia e, no dia seguinte, contava a ela o banzé que a mulher armara na noite anterior e dizia: -É está ficando difícil.
A bem da verdade, Nivaldo e Elvira sentiam-se cada vez mais atraídos, mas fingiam que isto não estava acontecendo.
Um dia, quando estavam se amando, Nivaldo sentiu a súbita presença de Eros e não resistiu, declarou-se à Elvira.
Mesmo com muita vontade de dizer sim à proposta do homem que a abraçava naquele momento, a mulher, que não desejava se prender a mais ninguém e só gostava de namorar homens casados, disse que ficava muito alegre, mas que não queria nada com ele, além dos encontros furtivos, em quartos de motéis e aconselhou-o a continuar com a esposa.
Cupido gargalhava debaixo dos lençóis.
Elvira nunca ficou sabendo, mas Nivaldo não era casado, inventara tudo porque, quando conheceu Elvira, não tinha nenhuma vontade de assumir compromisso com mulher alguma, queria poder sair com quem desejasse, por este motivo, dizia a todas as mulheres que era casado, e, assim, ia levando a vida.
Mas, como Cupido é um menino muito brincalhão, eles se apaixonaram e foi aí que o feitiço virou contra a feiticeira e Elvira perdeu a chance de deixar o passado em seu devido lugar e ser feliz, outra vez.

(Do livro: Súbitas Presenças, de Sônia Moura)

BRUXA

CONFISSÕES DE POLLY

Confissões de Polly (Autoria: Sônia Moura)

Sabe, doutor, eu não aguentava mais, não, não dava. Quer saber, não me arrependo mesmo. Eu vou contar tudo pro senhor:
Fiz o que fiz em legítima defesa, é verdade, sabe por quê?, ela me provocava, todo dia, todo dia! Logo de manhã cedo, ela já começava, é, é verdade, Lea fazia isto de maldade. Sabe doutor, aquelas pessoas más, que gostam de provocar, provocar, ah! tem hora que não dá mais.
– Mas, dona Polly, o que pode haver de tão grave para que a senhora chegasse ao ponto que chegou e fizesse o que a senhora fez? A provocação era tão grave assim?
Claro que era grave, doutor, pensa bem, de manhã, todas as manhãs, ficar vendo aquela cara de lambisgoia dizer: -Bom dia Polly, tudo bem, tudo bem? Como tudo bem? Como? Que pergunta mais descabida, ela sabia de todas as minhas infelicidades, então, ela só queria desafiar os meus nervos, aquela debochada.
E, depois desse: “tudo bem?”, a vaca abria aquele sorrisão enorme e saía desfilando mostrando aquele corpo escultural e, o pior de tudo, passava de braços dados com o marido, aquele tipão de homem. Ah! doutor, não dava mesmo para aguentar.
Na quinta-feira, dia em que se deu a desdita, ela passou na minha porta, veja bem doutor, na minha porta com aquele vestido azul florido, só pra me provocar, ela sempre soube que eu gosto de tecidos floridos, era só por isso que ela botava aquele vestido para ir à feira e justamente na hora que eu saía de casa. Era ou não era uma provocação?
Vou falar pro senhor, ela vivia me tentando, durante muito tempo eu fingi que não entendia, mas o senhor sabe não dá pra bancar a burra o tempo todo, o senhor não acha?
Pois é, engoli todos os sapos que aguentei engolir, distribuí muito sorriso, enquanto as lágrimas ficavam se pendurando em meus olhos, mas eu suportava todas aquelas humilhações. Vou falar uma coisa pro senhor, doutor, a Lea humilhava a gente.
Sabe o que ela fazia, doutor, hein? Sabe? Ela pisava na minha solidão e depois esfregava ela na minha cara, é, é isso mesmo que o senhor está pensando, pois é, vinha no meu portão pra dizer: – Sabe, Polly, o Marcelo é um amor, olha o anel que ele me deu, sabe, domingo fomos passear de mãos dadas lá em Copacabana.
E eu me mordendo por dentro, fingia que tudo isto era muito normal, dizia para ela que um dia eu também já tivera um homem que fazia tudo isto só para mim.
Claro que eu mentia, doutor, claro, não queria dar àquela…, àquela…, àquela “sortuda” este gostinho, ah! não, eu? passar diploma de mulher abandonada, de jeito nenhum.
Noutro dia mesmo, ela veio me dizer com aquele sorriso impecável: – Polly, você não acha que estou gorda? Pode isso, doutor, dizer que estava gorda com aquele corpão? Vamos lá, o senhor fala pra mim, era ou não era para tripudiar com as minhas desgraças: gorda, feia e solitária? Hein? Fala, doutor, fala!
Ah! quer saber, não tinha outro jeito só mesmo trucidando aquela atrevida, só assim ela nunca mais vai esfregar suas alegrias e sua felicidade na cara dos outros. Não é mesmo?
Agora pode me prender que eu vou me sentir mais livre que rolinha das árvores da cidade grande.
A súbita presença de outra mulher da mesma rua e do mesmo bairro, acusada de um crime brutal como o de Polly, adentrando a delegacia, fez com que Polly soltasse uma forte gargalhada e, tranquilamente, mostrasse os braços algemados,gritando a plenos pulmões: Agora estou livre, livre!

algemada

(Do livro: Súbitas Presenças, de Sônia Moura)