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(iR)REAL

 (IR)REAL  (Autoria: Sônia Moura)

 Numa estrada deserta, encontrei um mascarado. Assustei-me, não por medo, assustei-me pelo deserto da estrada e pela incompatibilidade da data e da máscara. Era julho e não era carnaval.

Olhando-me por trás de sua máscara dourada como o sol do meio-dia, a voz saiu-lhe calma e doce como o sumo de uma romã madura a escorrer pela boca, a adoçar os lábios, a enternecer a língua.

– Aonde vais? Fica comigo.

Como estávamos só nós dois e o deserto da estrada, claro que o mascarado dirigia-se a mim e prontamente respondi:

  Vou em busca de todos os meus sonhos!

Imediatamente ele retrucou:

– Irás se arriscar em um porto qualquer? Os portos dos sonhos são tão nebulosos ou seriam diáfanos?

   Não sei, disse eu, mas quero ir para o paraíso, é lá que vivem meus  sonhos.

         Ah! por que ir para tão longe e me deixar aqui, sozinho a contigo sonhar…

          Quem é você?

         Sou o teu sonho, sou tua estrela, sou teu amor…

         Tira a máscara, por favor, por favor!

Ele começou a cantar uma canção que falava de beijos trocados num quarto de motel, de luzes e espelhos a multiplicar o par de amantes, das juras de amor a nos segurar, do sexo e dos abraços que burlavam qualquer forma de desencanto.

Terminada a canção, ele me falou:

     É por isto que eu canto.

         Quem é você, de onde vem este seu encanto?

         Dos teus sonhos, ele disse.

         Dos meus sonhos? Mas estou indo ao encontro deles.

         Para que, se podes embarcar no navio dos sonhos, agora? Disse o mascarado, deixando o sorriso ultrapassar a máscara.

         Que navio? Não estamos no mar.

Mais uma vez, o sorriso pulou daquele rosto oculto, fazendo com que eu pensasse ter visto um rosto sem máscara.

         Sabes que eu te amo muito, muito, muito… Por que não acreditas em mim?

Aturdida e perdida no meio da estrada deserta, no meio do sonho deserto, vejo, pela primeira vez,  flores ladeando a estrada, flores amarelas, como a máscara e como o sol. Só o sorriso que saltava da máscara era cor da prata e brilhava mais que a luz daquele olhar suplicante.

         Meu Deus, quem é este homem? Por que de mim se esconde? Pensei.

          Tenho tanta saudade de ti, Pequenina.

         Oh! Deus, será que é você,  aquele a  quem procuro a tanto tempo…

         Podes vir, meu anjo, eu sempre serei teu, só teu, de mais ninguém. Naveguei por tantos mares, conheci portos e muitas mulheres, mas nunca te esqueci. Finalmente te encontro no meio deste nada, logo você que para mim é tudo…

Uma chuva fina começou a molhar nossos rostos, nossos corpos e nossos sonhos. Agora eram a flores que sorriam.

A chuva aumentou, a máscara foi-se diluindo, diluindo e aquele rosto antigo foi-se mostrando lentamente a mim, como uma flor a desabrochar no meio do deserto.

Vi aquele rosto tão saudoso, entreguei-me a seus abraços, esqueci-me da vida e só aí percebi que eu estava a sonhar…

Mas consolei-me porque mesmo sendo apenas um sonho, algo irreal, a súbita presença daquele mascarado,  agora tão real para mim, deu-me a certeza de que, em toda a minha vida, nunca mais iria sentir um amor tão real.

 

(Do livro: Súbitas Presenças de SÔNIA MOURA)

 

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