A COR DO PASSADO

A COR DO PASSADO

 

A COR DO PASSADO

 

 Num canto da sala, Fátima aguardava em silêncio, porque qualquer palavra naquele momento, seria em vão.

Para espantar a dor, começou a cantarolar bem baixinho, mas por alguns segundos, depois ela voltou a ser toda silêncio.

A brevidade da vida a atacara em cheio, obrigando o silêncio a fazer barulho na cabeça daquela mulher perdida em seus ais e interrogações, enquanto as palavras mentalmente se comunicavam, mas ela não as entendia, porque as palavras não conseguiam falar de amor, de vida ou de poesia, apenas causavam uma revolução, que mexia com a ordem habitual de seus pensamentos e de seus dias.

À primeira vista, aquela perda seria apenas uma repetição da vida ou da ausência dela, era a mesma redundância de sempre, por isto seus pensamentos continuavam a mover-se em ondas difusas e tudo era, ainda, muito confuso.

Ornando aquela embalagem, metais dourados, e, dentro dela, a única vida era a das flores e, do lado de fora, vidas se apresentavam imersas em lágrimas e tristezas.

Não se sabe se ele irá para o plano de cima ou para o plano de baixo, e, seja lá para que lado ele for, será que o lado destinado a ele, ficará alegre ou triste? Por este pensamento engraçado, um sorriso passou-lhe pelos olhos molhados.

Fátima só encontrou alguma nitidez em seus pensamentos, quando o vôo de um pássaro errante pegou-a desprevenida e a fez pensar que gostaria de ter asas e sair voando para bem longe, para fugir daquela cruel verdade.

Fechou os olhos e se permitiu voar alto, mas logo assustou-se e sentiu como se tivesse fazendo uma curva fechada, o que quase a fizera chocar-se com um horizonte brilhante e ensolarado, o qual beijava um mar de lágrimas sofridas..

A duas quadras dali, uma música tocava bem alto. A já não tão jovem Fátima esticou os olhos para tentar ver o movimento da rua e esticou os ouvidos para identificar aquela música, logo descobriu que conhecia a letra, cujos versos falavam de almas apaixonadas que haviam se separado por conta de desajustes e desencontros, enquanto ela e Márcio eram as eternas almas apaixonadas que o destino nunca uniu, a não ser em sonhos.

A presença- ausência daquele homem tão vivo em seu coração e em suas lembranças de adolescente, deixava sua dor tentando desvencilhar-se totalmente alheia à realidade daquela verdade. Impossível.

A ventania do dia anterior pareceu dizer àquele coração apaixonado que o passado iria voltar para desbancar qualquer sonho de futuro.

Naquela tarde morna, ante a face zombeteira da verdade, morriam os sonhos de meninos, era como se eles tivessem sido expulsos do paraíso, pois, o eu e o tu que deveria ser transformado em nós, também morria ali.

Sozinha, após o enterro, Fátima pensou nas brincadeiras de criança e, antes de adormecer, ouviu a voz de Márcio dizendo um poema tão doce que a fez dormir, sonhando com um futuro tão feliz, ainda que o mundo deles agora estivesse desabitado, que ela iria povoá-lo com a plenitude de suas lembranças felizes.

No meio da madrugada, acordou e sentiu a infinita presença da juventude a consolar-lhe a alma e a aquecer-lhe o coração. Voltou a dormir, sorrindo

A COR DO PASSADO

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