A COR DO PASSADO

A COR DO PASSADO

 

A COR DO PASSADO

 

 Num canto da sala, Fátima aguardava em silêncio, porque qualquer palavra naquele momento, seria em vão.

Para espantar a dor, começou a cantarolar bem baixinho, mas por alguns segundos, depois ela voltou a ser toda silêncio.

A brevidade da vida a atacara em cheio, obrigando o silêncio a fazer barulho na cabeça daquela mulher perdida em seus ais e interrogações, enquanto as palavras mentalmente se comunicavam, mas ela não as entendia, porque as palavras não conseguiam falar de amor, de vida ou de poesia, apenas causavam uma revolução, que mexia com a ordem habitual de seus pensamentos e de seus dias.

À primeira vista, aquela perda seria apenas uma repetição da vida ou da ausência dela, era a mesma redundância de sempre, por isto seus pensamentos continuavam a mover-se em ondas difusas e tudo era, ainda, muito confuso.

Ornando aquela embalagem, metais dourados, e, dentro dela, a única vida era a das flores e, do lado de fora, vidas se apresentavam imersas em lágrimas e tristezas.

Não se sabe se ele irá para o plano de cima ou para o plano de baixo, e, seja lá para que lado ele for, será que o lado destinado a ele, ficará alegre ou triste? Por este pensamento engraçado, um sorriso passou-lhe pelos olhos molhados.

Fátima só encontrou alguma nitidez em seus pensamentos, quando o vôo de um pássaro errante pegou-a desprevenida e a fez pensar que gostaria de ter asas e sair voando para bem longe, para fugir daquela cruel verdade.

Fechou os olhos e se permitiu voar alto, mas logo assustou-se e sentiu como se tivesse fazendo uma curva fechada, o que quase a fizera chocar-se com um horizonte brilhante e ensolarado, o qual beijava um mar de lágrimas sofridas..

A duas quadras dali, uma música tocava bem alto. A já não tão jovem Fátima esticou os olhos para tentar ver o movimento da rua e esticou os ouvidos para identificar aquela música, logo descobriu que conhecia a letra, cujos versos falavam de almas apaixonadas que haviam se separado por conta de desajustes e desencontros, enquanto ela e Márcio eram as eternas almas apaixonadas que o destino nunca uniu, a não ser em sonhos.

A presença- ausência daquele homem tão vivo em seu coração e em suas lembranças de adolescente, deixava sua dor tentando desvencilhar-se totalmente alheia à realidade daquela verdade. Impossível.

A ventania do dia anterior pareceu dizer àquele coração apaixonado que o passado iria voltar para desbancar qualquer sonho de futuro.

Naquela tarde morna, ante a face zombeteira da verdade, morriam os sonhos de meninos, era como se eles tivessem sido expulsos do paraíso, pois, o eu e o tu que deveria ser transformado em nós, também morria ali.

Sozinha, após o enterro, Fátima pensou nas brincadeiras de criança e, antes de adormecer, ouviu a voz de Márcio dizendo um poema tão doce que a fez dormir, sonhando com um futuro tão feliz, ainda que o mundo deles agora estivesse desabitado, que ela iria povoá-lo com a plenitude de suas lembranças felizes.

No meio da madrugada, acordou e sentiu a infinita presença da juventude a consolar-lhe a alma e a aquecer-lhe o coração. Voltou a dormir, sorrindo

A COR DO PASSADO

BANCARROTA

 BANCARROTA

BANCARROTA  (SÔNIA MOURA)

 

 Gota de lágrima

De uma alma rota

Põe quem ama

Na rota

Da bancarrota

 

Amarga

A boca

Embrulha

O estômago

Enrijece

O corpo

Entorpece

A mente

 

Para tudo!

 

Somente

O coração,

Insistente,

Bate

Descompassadamente

 

E,  sem medo

De isquemia ou de embolia,

Descontrolado

Em disritmias

O perdido coração

Segue em frente

Em busca de salvação

Em busca de milagre

Em busca de magia

Em busca da devolução

De um outro coração

Que saiu

Da sua rota

Deixando

Quem ama

A mendigar

O amor falido

Pobre ser perdido e

Na bancarrota

 

(Do livro: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura)

                                                                                         BANCARROTA

 

DESATINO

 desatino

DESATINO   (Autoria: Sônia Moura)

 

Então, entre os véus

Desta aventura insana

Ofereço-me a você

A começar pela boca

Transferindo para sua fantasia

Todo o calor que a minha boca emana

 

Depois, desnudo meu corpo

E toda a minh´alma

Só peço aos deuses

Que me deem calma

Não, melhor

Imploro a eles

Que me enlouqueçam de vez,

Outra vez

 

Então…

 

Enquanto uma fada segura a minha mão

Encontro uma bolha de sabão

Que explode em meu  rosto

Mostrando um caminho

Sem adeus

E me pergunto:

– O que fazer, meu Deus?

 

Por isto

 

Nestes versos que escrevi para você

Existem árvores onde moram bem-te-vis

Existem flores que namoram beija-flores

Que vieram dizer que a sua presença

Agora está em mim

Embalando meus sonhos

 

e

 

Neste momento

O reflexo da sua presença

Me atiça

Me aguça

Me provoca

Me evoca

Me devora

E eu me pergunto:

 

-E agora?

 

Não sei ou não quero

Me livrar desta corrente

Porque do amor

Somos tão dependentes?

 

E de repente…

 

Um calor invade minha cama

É você se manifestando

Em corpo, alma, sonho e alegria

Em diabruras e candices

Em carícias e meiguices

 

e

 

Eu, mais uma vez, ao olhar você

Me pergunto:

– Resistir, quem há de?

 

(Do livro: Poemas em Trânsito de Sônia Moura)

 

 

 

MÃOS VAZIAS

 mãos vazias

Mãos Vazias    (Autoria: SÔNIA MOURA)

 

Não, não há nada em minhas mãos

Para te alegrar ou para te presentear

Não adianta procurar

Mas, não fique triste, assim,                      

Eu te amo, amo, sim!

 

Então te trouxe algo

Que não cabe nas mãos

Nasce na alma

Se espelha na voz

Que não fala em vão

Se espalha pelo papel

Ou se mostra numa tela

Invade os olhos, os ouvidos

Depois, se instala no coração

 

– O que trouxestes, então?                                              

 

Trouxe para ti estas palavras

Guarde-as do lado esquerdo,

Num canto do teu coração:

 

Na concha de tua orelha

Espalharei o meu canto de menina

 

Na colcha de tua cama macia

Me deixarei amar feito uma felina

 

No céu de tua sedutora boca

Plantarei nossos beijos e desejos

 

No céu do teu olhar tão atraente

Pintarei nossa aventura louca

 

Na luz de todos os teus segredos

Tu me farás mulher- amiga –amante

 

Na luz dos teus sonhos mais profundos

Faremos estrepolias pelo mundo

 

No calor de tua boca ávida

Espalharei o mel do meu querer

 

No calor do teu corpo incandescente

Aquecerei em dias e noites o meu ser

 

 No som dos teus passos mais precisos

Descansarei minha ansiedade, se preciso

 

No som do teu sorriso cativante

Afagarei o meu silêncio errante

 

 No segredo que guarda o teu abraço

Minh´alma se aninhará em teu regaço

 

 No segredo que guarda o nosso amor

Faremos tudo para barrar a dor

 

Estas palavras

Pularam de dentro de mim

E como pássaros

Bailaram no ar

Fizeram mil volteios

Soltaram seus cantos

Só para te agradar

 

Eis o meu presente, amor,

Só para ti, aqui está!

 

(Do livro: Poemas em Trânsito de Sônia Moura)

                                                mãos vazias

 

 

BIG BROTHERS, HAITI- a corrente do bem

BIG BROTHERS, HAITI

BIG BROTHERS, HAITI – a corrente do bem (Autoria: Sônia Moura)

 O povo haitiano está sofrendo muito mais do que poderíamos imaginar.

A história deste país é tão devastadora quanto qualquer tufão, tissunami, furacão ou terromoto, pois entre os desastres de sua história, encontramos: invasão, escravidão, mortandade, revoltas, manipulações, explorações e toda a forma de absurdo.

Espanhóis, franceses, americanos, haitianos – Papa Doc e Baby Doc – todos tiraram seus proveitos, seus lucros e ajudaram a derrotar um povo não submisso, mas submetido a toda sorte de barbáries políticas e bélicas.

Seja lá em que época da história, o Haiti sempre foi considerado por aqueles que “mandam” no mundo, como “terra de ninguém”, “casa da mãe Joana”, cada um que lá se instala, inflama os ânimos, joga irmãos contra irmãos, arma uns e “ faz a guerra acontecer”, e, assim, todos se aproveitam para tirar vantagens e ostentarem seus poderes e suas armas.

Mas, o Haiti teve um tempo de glória. No século XVIII, o Haiti, então chamado de Saint-Domingue,  era a mais próspera colônia no Novo Mundo. Seu solo enormemente fértil produzia uma grande abundância de colheitas. Acho que é aí que tudo começa: crescem os olhos pensandoem quanto irão crescer as contas bancárias.

 Interessante, também,  é sabermos que a ilha tem formato semelhante à cabeça de um caiman (ou caimão) – pequeno crocodilo abundante na região – cuja “boca” aberta parece pronta a devorar a pequena ilha de Gonaive, mas quem devora mesmo as muitas ilhas do mundo é uma boca enorme chamada  ambição.

 Povo sofrido, resistente, insistente.

 Mas…

Se por um lado estamos sofrendo com a grande tragédia que se abateu sobre o Haiti, por outro lado, para nos consolar e entender que, felizmente, este mundo tem salvação, estamos vendo uma enorme corrente do bem se formando para socorrer àqueles que necessitam urgentemente de toda a forma de auxílio e apoio, pois lá faltam alimento, água e medicamento para as vítimas que sobreviveram, e, principalmente, falta o que sempre faltou no Haiti: PAZ!

 Chamarei a esta corrente do bem de BIG BROTHERS HAITI, só que desta vez os grandes irmãos (e os pequenos também) não estão só observando, eles estão agindo.

 A estes BIG BROTHERS eu aprovo, tu aprovas, ele/ela aprova, nós aprovamos, vós aprovais, eles/elas aprovam.

                                                             BIG BROTHERS, HAITI

 

BIG BROTHER, BRASIL! Ou … filosofando

BIG BROTHER, BRASIL! Ou … filosofando

 BIG BROTHER, BRASIL! Ou … filosofando   (por SÔNIA MOURA)

Por não existir uma única ética, assim como não existe uma única moral ou um único senso comum, nos questionamos sobre a eticidade dos programas nos moldes do BIG ROTHER.

O que está falando mais alto: a ética ou nossa moral construída? Por que nos chocamos, recusamos ou aceitamos este tipo de programa?

Se a “obra de arte” tem uma função e, se consideramos o programa de TV como criação (ou recriação, repetição), “obra”, encontramos muitas funções embutidas nesta “obra”: trabalhar com o inconsciente coletivo, com as carências, com o retorno (para os patrocinadores), com a questão dos símbolos, das imagens – o simulacro e o real – TUDO  é uma QUESTÃO DE VALORES.

Mas que valores são estes? O que está o programa formando ou informando? Qual é o lugar deste programa ou do  Big Brother neste mundo globalizado e invasor?

Buscando respostas em filósofos e em suas filosofias sobre a vida e o modo de se vivê-la, encontramos em Epicuro a defesa de que “o prazer é o bem máximo”, para Nietzsche, “criar é colocar elementos novos e, o papel da arte é criar valor” e ainda, para Spinoza, “a ética se contrapõe à moral”.

Assim, concluímos que a ética tem de/precisa ser flexível, assim, mesmo que eu entenda (e entendo) ser este um programa algo que foge ao que eu entendo por ética, preciso relacionar, compor, VER O OUTRO, preciso deixar que os outros “escolham” ser escravos de suas loucuras, de seus desejos (fama, dinheiro) se isto lhes dá PRAZER.

Posso, também, considerar este programa “vulgar”; mas, eu “escolho” minhas definições.

Enfim, vamos ler atentamente o que nos ensina Nietzsche :

 

“Há que nos livrarmos do mau gosto de querermos estar de acordo com                            muitos. O bem já não é bem quando o vizinho o tem na boca. E como é que podia existir um bem comum! Expressão contradiz-se a si própria: o que pode ser comum não pode senão ter pouco valor. Acaba por ter de ser como é e como tem sempre sido: as grandes coisas são para os grandes, os abismos para os profundos, os estremecimentos e delicadezas para os refinados, e em suma, todas as coisas raras para os raros.”

(Nietzsche, “Além do Bem e do Mal – Prelúdio a Uma    Filosofia do Futuro”, 1992).

 

A bem da verdade, isto é a ética: saber viver e deixar que os outros vivam, é só ESCOLHER, então, olhe bem para os participantes do BBB, elas puderam escolher participar ou não  (puderam?) e eu posso escolher também – assistir ao programa ou não.

 

(Sônia Moura – UFF/2004 –Seminário)

CONTOS DE FADAS III

 CONTOS DE FADAS

Contos de Fadas – III  (Autoria: Sônia Moura)

 Uma brevíssima leitura de alguns contos de Marina Colasanti

 Marina Colasanti nasceu em Asmara, 26 de setembro de 1937. É uma escritora e jornalista ítalo-brasileira nascida na então colônia italiana da Eritréia. Ainda criança sua família voltou para a Itália de onde emigram para o Brasil com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

No Brasil estudou Belas-Artes e trabalhou como jornalista, tendo ainda traduzido importantes textos da literatura italiana. Como escritora premiada e consagrada, publicou 33 livros, entre contos, poesia, prosa, literatura infantil e infanto-juvenil.

 Destacamos das obras A Moça Tecelã e Uma Ideia Toda Azul, alguns contos, para fazermos uma brevíssima, mas profícua leitura.

 Os contos infantis ou infanto-juvenis escritos por Marina Colasanti geralmente exploram abertamente os conflitos emocionais, coisa que os Contos de Fadas tradicionais também o fazem, de uma maneira ímpar, e nestes contos, os conflitos são subprodutos da linha de “importância analítica imediata”, pois como se sabe, do ponto de vista da filosofia analítica, o único fim a alcançar é a superação ou a eliminação do dolo ou da ilusão.

 

Ao lermos o Conto de Fadas – Branca de Neve -, nos comovemos com a bondade desta e a maldade de sua madrasta nos amedronta e causa revolta, mas não percebemos imediatamente que este conflito (bem/mal) nos acompanha ao longo de nossas vidas.

Já nos contos de Marina Colasanti, embora os elementos mágicos sejam retomados em suas raízes e em suas origens, os maiores conflitos experimentados pelo homem – o isolamento e a solidão – acompanham as personagens em todos os contos, reforçando a idéia da “busca de si mesmo”.

Outro detalhe importante a ser destacado é a ausência de diálogos, acentuando o fluxo da consciência, e esta ausência serve para corroborar com a ideia da solidão imposta ou “escolhida”, que vai atuar nos contos de Marina Colasanti como provocadora do autoconhecimento.

Um bom exemplo da dificuldade de o homem conviver com o isolamento e a solidão, pode ser visto neste Conto de Fadas moderno – A Moça Tecelã de Marina Colassanti – nele a narradora nos mostra o di-a-dia de uma moça que tece tudo que a imaginação pode tecer. Tece suas alegrias, tristezas, sonhos, fantasias, realidades…

Mas como é muito difícil a relação entre o ser e a solidão, a moça tecelã começa a se sentir muito sozinha, embora tenha tudo o que deseja, pois ela tece para si mesma, satisfazendo suas vontades, então, a moça tece um marido, mas este, logo a decepciona, pois tem planos bem diferentes dos sonhos e desejos da moça solitária.

A moça pensa, pensa e descobre que não está satisfeita e resolve destecer o marido, voltando a ser sozinha e à sua vidinha anterior, sem ser infeliz, ou seja, encontrou-se a si mesma.

Em muitos contos, o papel conferido à mulher serve para destacar as esferas ligadas à independência feminina, à liberdade, ao poder da escolha daquilo que a mulher deseja ser, destacando, assim, a mulher moderna, independente e atuante. Para exemplificar, vamos destacar dois contos desta autora: Entre as Folhas Verdes e Sete Anos e mais Sete.

Interessantíssimo é o poder conferido à mulher, no que diz respeito ao uso de sua sexualidade, este é conseguido quando a mulher enfrenta o jogo da repressão, seja ela imposta pelo poder paterno ou pelo temor de exercitar plenamente sua sensualidade, temor este nascido da censura moral – sua ou dos outros.

Assim é que, nestas histórias, ao jogo da repressão opõe-se o jogo da independência e esta dualidade, instigada por símbolos e mitos, dá aos contos de Marina Colasanti ares de antigo e de moderno. Exemplificando com estes dois contos: Por Duas Asas de Veludo e Um Espinho de Marfim.

 (Parte III – Trabalho apresentado em Seminário – UFF/2002)

                                                                                             CONTOS DE FADAS


CONTOS DE FADAS – II

 contos de fadas

 Contos de Fadas – II  ( Autoria: Sônia Moura)

 Uma brevíssima leitura da obra: Histórias Maravilhosas de Ana de Castro Osório

Ana de Castro Osório nasceu em Mangualde, a 18 de Junho 1872, e faleceu em Setúbal, a 23 de Março de 1935. É considerada a criadora da literatura infantil em Portugal, além de ser também nomeada a fundadora de literatura infantil portuguesa, por ter sido a primeira a defender a inclusão nos livros escolares de rimas e contos para as crianças se sentirem alegres e criarem um mundo imaginário. Alguns de seus livros foram utilizados como manuais escolares.

Traduziu contos dos irmãos Grimm, de Hans Christian Andersen e outros escritores estrangeiros; escreveu também peças de teatro infantil, uma de suas obras mais marcantes foi a Coleção Para as Crianças, que lhe ocupou perto de quatro décadas de trabalho, posteriormente, muitas das suas obras foram traduzidas para o francês, o espanhol e  o italiano.

Destacamos alguns contos da obra Histórias Maravilhosas de Ana de Castro Osório para uma breve, porém, profícua leitura.

Alguns textos de Ana de Castro Osório apresentam um tom didático-moralista-religioso, bem acentuado, por exemplo: A História da Velha e do Menino Bem Criado (p.126), já em outros contos:- Príncipe do Lodo (p.19); História do Príncipe Imaginário (p.59); A Princesa dos Cuidados (p.73) – reis, rainhas, príncipes e princesas aparecem  ao lado de lenhadores, mercadores, pessoas “comuns” e pobres – As Filhas da Bruxa (41); O Criado do Doutor Mágico (p.47); A Filha do Mercador (p.85) – vivendo juntamente alegrias e tristezas, como nos mostra este trecho do conto A Flor do Lírio-Lar:

 

“Mas, como todo mortal, ou seja, rei ou plebeu, bom ou malvado, está sujeito à dor, à doença e à morte, o soberano também adoeceu…” (p.94)

 

Nesta passagem, a narradora deixa claro que a distinção das emoções a que se está sujeito não é feita por “riqueza ou pobreza” e sim, pelo que é mortal ou imortal.

Por outro lado, nobres e plebeus recebem os favores de fadas, feiticeiros ou sofrem com as maldades de algum mago (O Criado do Doutor Mágico p.47)

Outro destaque é dado ao trabalho que marca presença, quando abre caminho para que a personagem se defronte com o mundo mágico: o bem (gigante, príncipe metamorfoseado) e as pombinhas  (princesas metamorfoseadas) e o mal (Doutor Mágico).

A posição e a disposição da mulher, nesta obra de Ana C. Osório, diferencia-se das demais mulheres que aparecem nos Contos de Fadas, por exemplo, as mulheres, (especialmente as pobres e viúvas) não interferem no destino de seus filhos, em muitos contos, elas morrem antes ou as crianças resolvem “se perdem” ou “resolvem correr o mundo”.

Os filhos saem em suas viagens e retornam para recompensar as mães pelo tempo em que eles ficaram longe, com riquezas conseguidas nesta trajetória.

Outro dado interessante, na maioria dos contos, fadas e bruxas tomam a forma de mulheres velhas: “… e no meio do caminho encontrou uma velhinha pobre, mas limpa e asseada.” E, em outros contos,  a mulher rebela-se, vai ao encontro de seu amado, luta por ele ou luta por sua sobrevivência, mesmo que para tal necessite se apresentar disfarçado de homem, para poder ser aceita e ir em busca de seu ideal.

 

*OSÓRIO, Ana de Castro. Histórias Maravilhosas. Lisboa: Editorial Progresso. S/D

(Parte II – Trabalho apresentado  semninário: UFF/2002)

contos de fadas

 

CONTOS DE FADAS – I

                                                                              contos de fadas

Contos de Fadas  (Autoria: Sônia Moura)

 

 Misturando o real convencional e o real imaginado, os Contos de Fadas articulam, através da linguagem, os meandros do mundo vivido e do mundo da fantasia, transportando e fazendo acontecer o imprevisível, o novo e o diferente, transformados em realidade possível.

O complexo, o impossível e o inverossímel deixam de existir, nos textos desta natureza, pois a linha da imaginação, marcada pela narrativa original, torna todos os feitos e acontecimentos em coisas simples, possíveis e verdadeiras.

O tempo e o espaço são marionetes manipuladas de acordo com as necessidades da recriação de um real inventado, onde todas as dimensões se entrecruzam num momento único: aqui/lá, perto/longe, ontem/hoje/amanhã.

Do mesmo modo pelo qual nossa imaginação é capaz de nos transportar por caminhos incertos, alargados, redimensionados, o tempo e o espaço aparecem nos Contos de Fadas sem barreiras e sem fronteiras.

Rompendo todos os limites, a narrativa maravilhosa dos Contos de Fadas, por meio da desestruturação do mundo que já está pronto, apresenta este mesmo mundo redesenhado, no qual se pode conviver com o misterioso, o inesperado, o fantástico, e assim, apossando-se do universo mítico-simbólico, esta narrativa recria um mundo desejado pela imaginação.

Para a criança, este mundo oferece a possibilidade de exercitar, por exemplo, o “exorcismo” do que considera ruim; de projetar-se no tempo e no espaço; pegando carona nas viagens das personagens; de evocar o ausente; de ser boa (a fada, o mago, o duende) ou de ser má (a bruxa, o feiticeiro) e, em todos os casos, a criança pode, por exemplo,  ser a dona do mundo; ter poderes; ser capaz de “matar” ou “dar vida”, de acordo com as emoções daquele momento ou da sua realidade.

A imortalidade dos Contos de Fadas se dá principalmente porque o particular engendra-se com o geral, isto é, a alegria, o sonho, a fantasia, o medo, e/ou o sofrimento de um, podem ser de tantos outros.

Sendo a criança o elo entre o homem cultural e o homem primitivo, esta consegue transmutar-se, transformar-se e transportar-se para um mundo, onde a magia é a força motriz, que permite a recriação, a fantasia e o sonho. E, neste mundo (re)criado, a imaginação infantil (re)estabelece a ordem de qualquer desordem.

Por outro lado, o adulto é seduzido pela narrativa maravilhosa, a qual estimula a memória da emoção, pela poética tempo-espaço, o que o leva a reencontrar seu passado, onde os sonhos, a magia e a fantasia estão dormindo, à espera de que alguém ou algo os venha despertar.


 No entanto, o essencial deste tipo de conto, que é levar o homem a procurar entender seus conflitos, traçar ou retraçar o seu destino ou conviver com este destino, entendendo melhor a si mesmo e aos outros, traçando uma rota, onde os elementos feéricos transbordam e parecem convidar o homem a viajar nas asas do jogo do consciente e do inconsciente em busca do elo perdido: a sua origem.

Assim, os Contos de Fadas são retomados e recontados ao longo dos tempos, através de adaptações, transformações e de algumas modificações, por vezes, necessárias ao tempo e costumes de uma época.

 

Dois bons vetores das características de narrativas maravilhosas são as obras: Histórias Maravilhosas de Ana de Castro Osório e Uma Ideia Toda Azul de Marina Colasanti, que, como tantas outras obras voltadas para o universo infantil, seguem pelo mundo afora a seduzir crianças e as crianças que moram dentro dos adultos.

 

[Parte do trabalho apresentado por Sônia Moura – UFF- seminário/ 2002]  contos de fadas

 

                                                          

                    

 

O RITMO DA POESIA

 

O RITMO DA POESIA

 

O RITMO DA POESIA  (Autoria: Sônia Moura)

 

Em qualquer atividade humana o ritmo é essencial e necessário, pois, é o ritmo que dá o andamento de cada atividade e é ele também que alimenta a criatividade artística, uma vez que tudo é marcado, vivido e sentido por meio de  sons, palavras ou gestos.

 

O ritmo, representado por diversas “formas de musicalidade”, nos desperta para a vida, quando lançamos no ar o nosso primeiro choro ou quando o som da primeira das muitas palmadas que levaremos neste mundo de meu Deus eclode no ar. Já fora do seguro e confortável útero materno, outros sons que ouvimos, são as vozes dos que amparam nossa chegada ao mundo e de seus instrumentos nada musicais, mas que ao se tocarem ou ao serem tocados, tilintam. Às vezes, alguns também são recebidos neste novo mundo, com músicas suaves que tocam ao fundo e que nos  tocam fundo também.

 

Assim, embalados por sons e ritmos, chegamos ao mundo.

 

Vivemos pelo ritmo do bater de nossos corações, dançamos, comemos, amamos, desamamos, festejamos, enfim, vivemos cercados por sons e ritmos, a  uns, rejeitamos, a outro, amamos.

 

Quando nos despedimos deste mundo, creio que ainda possamos sentir ou ouvir as vozes que falam sobre nós, o choro dos entes queridos, as preces, as leituras sagradas ou não e, muitas vezes, os que ficam cantam para nós.

 

Assim, do começo ao fim de nossas vidas, tudo é som e ritmo.

 

No entanto, é na poesia que o ritmo aparece de um modo especial. Não precisamos “cantar” um poema para percebermos sua musicalidade, seu ritmo, seus sons, ou seja, seu ritmo.

A metrificação, asssim como a correspondência sonora promovida pela rima, ajudam a dar o tom, o som e o ritmo do poema, que é marcado por sucessões de alternâncias, entre sílabas métricas fortes e fracas.

Mas, é principalmente por meio da articulação das palavras, que nossa audição irá captar o ritmo do poema, e, embora a poesia, contemporaneamente, seja feita para ser falada, lida, recitada, seu ritmo e seus sons irão invadir nossos ouvidos, encantando-nos e nos remetendo ao passado, pois, dizem alguns, o poema nasceu para ser cantado, salve, trovador! .

 

Em o Arco e a Lira, Octavio Paz diz que o ritmo é a unidade da frase poética, “o que a constitui como tal e forma a linguagem”, partindo desta premissa podemos dizer que a palavra poética orna-se de um encantamento especial, através do ritmo que o poeta atribui à sua obra, e esta é uma diferença especial entre o poema e as outras formas literárias.

E, para ilustrar nossas considerações sobre a melodia que envolve a poesia, destacaremos alguns versos do poema I-Juca-Pirama,  por meio do qual Gonçalves Dias nos brindou (e nos brindará) com ritmos, que nos fazem perceber, ouvir, sentir os sons que reprisam a cadência da batida dos tambores indígenas, dando as notas musicais deste poema. Vejamos:   

 

“Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo tupi”.

 

 

(…) “ sou bravo, sou forte,

sou filho do norte;

meu canto de morte,

guerreiros, ouvi”.