ULTRAPASSE SEM LIMITES!

 

 Farra

ULTRAPASSE SEM LIMITES!   (Autoria: Sônia Moura)

 

Nem que seja por um dia:

 

Ultrapasse os Limites!

Ultrapasse seus Limites!

Ultrapasse todos os Limites!

 

Faça do recatado e sereno ambiente,

Que é a sua vida,

Um verdadeiro carnaval,

Se a coragem bater,

Faça da vida e de sua eterna lida

Uma grande bacanal

Cuidado!

Tem gente que vai te condenar

Deixa pra lá…

Ou faça uma festa de S.João, 

Só não solte balão,

Melhor é soltar um rojão

Seja arrojado ou arrojada

Não pense em nada,

Pois a vida é uma intrincada malha

E nós, pobre mortais,

Vivemos sempre nos equilibrando

 No fio da navalha

Você pode pensar:

“-Ih! Assim vou me cortar

O que importa?

Se o sangue jorrar,

É só depressa estancar,

E sair para brincar,

Para se esbaldar, até o dia raiar,

Até o amor se cansar,

Até a noite chegar,

E se o dia escurecer

É só dar “um chega pra lá”,

Você só não pode vacilar,

Deixe seu mundo oscilar

Entre o céu e o inferno,

Entre o antigo e o moderno,

Entre a candura e a loucura,

Tanto faz, diga a si mesmo:

“-  Eu quero é mais!”

Não pense nunca “isto não se faz”,

Siga em paz com o seu sorriso,

Siga junto com seu amigo,

Siga ao lado do amor preciso,

Só não pense em equilíbrio,

O negócio é balançar,

O negócio é bagunçar,

O negócio é namorar,

Sem ter hora pra voltar

 

Neste caso, não existe rendição,

Dê adeus à tradição,

Dê um beijo na saudade,

Dê chances ao coração,

Só não vale ficar triste,

Mas se a tristeza insistir,

Escreva uma poesia,

Enfeite sua moradia

Dê água para a alegria,

Dê asas à imaginação,

Bata palmas para a ilusão

E  mande a tristeza pastar

Bata três vezes na madeira

Dê três pulinhos pra frente

Mostre que está contente

E grite bem alto

Para que escute toda gente

– Hoje eu quero é rosetar!

 

(Do livro: Coisas de Mulher de Sônia Moura)

COTIDIANO

 COTIDIANO

COTIDIANO  (Autoria: Sônia Moura)

 

O céu da ilusão foi tingindo

Meu querer em vários tons

Em muitas emoções, em alegria

De infinitos sons

 

Depois, o céu da desilusão

Em um só tom, sem emoção

Tingiu meu coração

De nostalgia, de agonia

 

Então, o que era encantamento

Tornou-se  descontentamento

E o abstrato do amor

Deu lugar ao concreto da dor

Só me restava lamentar

O paraíso perdido

O lugar sonhado

O amor imaginado

 

Hoje, o que resta da ilusão

É a cor da recordação

Plantada nos ramos da saudade

E no céu do meu caminho

Borboletas azuis batem levemente

Suas asas

Em movimentos lentos

Para meu sofrer aplacar

Lá longe,

No meu mar cinzento

Golfinhos dourados

Saltam nas águas a me consolar

Eles sabem do meu segredo

E sabem que meu sofrer

Não é brinquedo

Só querem minha dor apaziguar

 

Sou agora

Um jardim abandonado

Uma praça sem crianças

Sem escorrega ou balanços

Enquanto minha vida

Segue a balançar

Para que a saudade de um tempo

Penetre em mim

Chegando mesmo a me ferir

Preciso suportar a dor

Deixar expostas as feridas

Deixar o sangue escorrer

Preciso segurar a vida

Pela raiz

Antes que ela me fuja

Preciso deixar a realidade

Penetrar em meu nariz

Chegar aos pulmões

Revolver emoções

Desfazer canções

Enchendo o oco

Encravado em minh’alma

Preciso sentir o sumo

Das frutas outonais

Sentir a liberdade

De uma andorinha só

E conseguir abandonar

O frio inverno

Embaralhar-me com as flores

Da gentil primavera

Para renascer

No próximo verão

 

(Do livro: COISAS DE MULHER de SÔNIA MOURA)

 COTIDIANO

 

 

 

POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE V

 POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE V

POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE V

(Autoria: SÔNIA MOURA)

 

Concluindo…

 

O poema  PÓSTUDO  de Augusto de Campos traz a marca da modernidade  quando faz a mímese  da  linguagem pela desarticulação da palavra, a qual deixa de ser  fundamental e o que prevalece é a imagem; por isto mesmo, é uma  representação  poética  típica  do movimento concretista.

            A questão  ideológica está presente  no jogo lingüístico, quando a palavra  comum é colocada dentro de um caleidoscópio e variações infinitivas surgem, dependendo da leitura feita por cada um.

            O poema reflete a identidade de dois universos paralelos, vistos por um olho que se abre num foco e visualiza TODOS e TUDO. O processo de montagem, remontagem e desmontagem vai extrair da aparência das palavras os seus significados mais profundos, revelando o que há por trás do véu das significações, e estas, “soltas”, se recompõe e se fragmentam na página. Qualquer que seja a leitura feita deste poema, feita deste poema, vamos perceber que está em foco o confronto MODERNISMO (CONCRETISMO) x PÓS – MODERNISMO.

O título “PÓSTUDO” está diluído dentro do texto, e a “intenção” irônica, crítica, elogiosa, confissional ou intertextual só será definida pelo enfoque dado por cada leitor ao conteúdo do texto, enquanto a palavra – chave do poema (TUDO) espalha-se por toda a composição, logo, é preciso manuseá-la e as outras palavras, para podermos alcançar todas as possibilidades expressivas do poema.

            A palavra TUDO não dá ganho de causa a ninguém, não exclui ninguém, quando este vocábulo traz as marcas significativas e abrangentes da palavra TODO, que, no português antigo, traduzia simultaneamente: TODO e TUDO. No entanto, podemos dar uma “certa vantagem” ao Pós – Modernismo, já que, entre os dois, é ele que declaradamente aceita TUDO e TODOS no seu reduto.

            A palavra EIS representa uma das leituras fonéticas do prefixos EX-. Quando a empregamos, é como se a pessoa ou coisa, com que se utiliza tal palavra, fosse tirada de um TODO, de um grupo, de uma posição, de uma situação. Desta forma, pode-se aplicar a ela a mesma significação do prefixo latino ex- para exaltar o CONCRETISMO ou o PÓS – MODERNISMO.

Os prefixos PÓS- / EX- estão colocados em oposição simétrica, isolados num compartimento, sendo empregados com a ausência  do hífen. Este isolamento coloca no mesmo espaço temporal: o que veio antes (EX- = Concretismo)e o que veio depois (PÓS- =Pós – Modernismo).

            Quis, mudar, mudei, mudo, mudo, mudarei, mudaria – as formas verbais, explícitas ou implícitas, nos conduzem a entender que há o deslocamento do eu – lírico , transformado em eu – lírico crítico, que não é só do poeta, é também do leitor, daí pluralizar – se e colocar como elo entre os diversos sujeitos: o sujeito – leitor, sujeito – autor, sujeito – objeto, assim, por estas relações, percebe – se que há um intercâmbio entre o Moderno e o Pós – Moderno, dissolvido na mensagem do poema analisado.

 

BIBLIOGRAFIA

CAMPOS,Augusto.Póstudo.  Folhetim da folha de São Paulo, 27 janeiro de 1985.

 ——————-. et alii –Teoria da Poesia Concreta. SP: Invenção, 1965.

HABERMAS, Jurgen, et alii – Modernismo, Pós-Modernismo e Anti- modernismo. Arte em Revista, Ano 5 nº7, 1983.

LYOTARD, Jean- François. O Pós-Moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.

 

 

 

 

 

 

POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE IV

POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS

POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE IV

(Autoria: SÔNIA MOURA)

 

  ALGUMAS POSSIBILIDADES DE LEITURA

 O poema em estudo (PÓSTUDO), pela apresentação formal e pela assinatura de Augusto de Campos, leva-nos a analisá-lo sob o prisma do movimento concretista. No seu processo formal, a poesia concreta não utiliza a pontuação, daí a permissão mais ampla de diversas leituras, inclusive , na vertical, na horizontal ou diagonal.

Para melhor podermos explicar o conteúdos significativos destas leituras, mostraremos algumas formas de leitura do poema e, para tal, vamos empregar a pontuação e o verso (abolidos pelos concretistas).

 Dependendo da leitura que se faça, o significado geral deste poema poderá ser entendido como uma crítica ao Pós – Moderno, onde sobressaem a ironia e o descaso. Por esta ótica de leitura iremos ver o autor  reafirmando o valor de movimento  concretista e o seu próprio valor. 

 Outras leituras podem mostrar o poeta concretista  aceitando , através da reflexão , a reformulação da poesia e do fazer poético. Isto será acentuado se lermos determinadas palavras, dando –lhes novos valores semânticos.

Há, também , a possibilidade de coabitarem a crítica  e a provável reformulação de valores, levando à aceitação do  Pós – Modernismo como nova expressão literária, traço-de-união da poesia Concretista e do Pós-Modernismo. 

Neste caso, percebe-se o conflito: ao mesmo tempo, a recusa do poeta em relação ao novo, para, logo em seguida, entregar solenemente a sua rendição.

 

   ( 1 )  – CRÍTICA – IRONIA – DESCASO

 

                  MUDAR?…

                        MUDEI!…

                        QUIS TUDO, TUDO…

                        AGORA, (a) PÓS TUDO

                         EXTUDO

                         MUDO

 

 No 1º verso “MUDAR?…” aparece o ponto de interrogação seguido de reticências, indicando dúvidas sobre o que se pergunta; nota-se que a pergunta é apenas estilística, não espera resposta. (O Pós-Moderno está mudando ou mudará alguma coisa?…).

 Nota-se a ironia e a crítica contidas neste verso, pois logo em seguida vem a afirmação exclamativa “MUDEI!” (Eu mudei e não vocês pós-modernos) – este verso traz a marca da sonoridade, é como se o poeta bradasse ao escrevê-lo. O ponto de exclamação denuncia a influência da indignação do poeta que se mostra por meio de sua criação.

“QUIS TUDO, TUDO…” – as reticências acentuam a dúvida que a forma verbal “quis” sugere : (EU) QUIS (1ª ou 3ª pessoa?). Quem realmente quis (quer) tudo, tudo…? (o Moderno Concretismo ou o Pós-Modernismo?). Quem?

 “AGORA, (a) PÓS TUDO” – neste verso advérbio vem confirmar o jogo temporal (AGORA PRESENTE) em oposição às formas verbais (QUIS/MUDEI = PASSADO) = Pós-Moderno e Concretismo.

O texto original apresenta a forma “AGORAPÓSTUDO”, colocando as três palavras (AGORA, (A) PÓS, TUDO) como nova palavra formada por justaposição ou, se lermos o termo APÓS, teremos uma crase. Então, a ironia pode ser entendida pelo “embolamento” deste tudo pós-moderno.

 

 

 

 

No entanto, ao introduzirmos a vírgula, há o “descraseamento” da vogal a (agora (a) pós), permitindo a separação das palavras e daí uma nova leitura no campo semântico (a parte fonética não sofrerá alteração). 

 Se lermos AGORA PÓSTUDO, a expressão “póstudo” pode ser lida como alusão irônica ao pós-modernismo, onde tudo nada vale.

“EXTUDO” – O prefixo latino extransmuta –se no advérbio “EIS”, ao transformamos a consoante “X” no ditongo EI + s, por alusão fonética (observando –se o falar carioca). Desta forma, há mudança morfológica: EIS tudo, EIS o que resta.

 

Unindo-se esta à significação do verso seguinte “MUDO” (como sinônimo de calado), teremos: EIS TUDO CALADO. Assim, a partir de agora, por ser mais expressivo o silêncio que a palavra, o poeta e a poesia preferem calar-se diante do que resta, demonstrando total descaso em relação ao texto Pós – Moderno.

(2) – REFLEXÃO – ACEITAÇÃO

 

           MUDO, EXTUDO.

              PÓSTUDO

             TUDO AGORA MUDEI.

             QUIS MUDAR TUDO.

 

Quieto, refletindo, estudando. É desta forma que se apresenta o poeta concretista, isentando-se de tomar posições; no momento só o (EXTUDO =) ESTUDO –letra “x” representa o fonema /s/ prolongado (falar carioca).

A ler- se desta  forma, teremos o primeiro verso mostrando a sensatez  do poeta, que, embasado nos estudos, pensa cuidadosamente, e, é o ponto final que marca a pausa máxima para a reflexão.

No 2º verso – PÓSTUDO – (depois de tudo), quietude, isolamento, reflexão e estudo., poderá ser lido como: (estudo o pós – moderno).

“TUDO AGORA MUD(AR)EI / QUIS MUDAR TUDO” – Estes dois versos são marcados pela cisão temporal – agora (presente) / mudei (passado) ou mudarei (futuro) ou como o advérbio agora (agora  presente – mudarei tudo) e o verbo no futuro.

O vocábulo tudo, especialmente nesta leitura, não exclui a feitura do poema à  moda concretista, no que se refere às suas características básicas: objeto / mensagem, forma geometrizada e correspondência entre as três dimensões da palavra: semântica, sonora e gráfica.

O TUDO coloca o poema Concretista ao lado do poema Pós – Moderno, uma vez que não há questionamentos, há liberdade e aceitação (QUIS MUDAR / MUDEI AGORA), mostrando que a poeisa Pós – Moderna é receptiva.

No final, esta leitura mostra o poeta declarando, também, a sua aceitação. O mensageiro desta declaração é um poema estruturalmente CONCRETISTA. uma vez que o Pós – Moderno não rejeita o passado ou o presente, não discrimina: aceita e convive pacificamente, sem perder a sua louca lucidez.

 

(3) – CRÍTICA – REFLEXÃO – REFORMULAÇÃO(possível)

                                    

                EXTUDO TUDO MUDO.

                     PÓSTUDO, TUDO, TUDO…

                     MUDAR AGORA?

                     MUDAR (EI) (IA)?!

 

Colocando-se no mesmo verso (EXTUDO = EIS TUDO e MUDO = CALADO), como nos 1ºs versos desta leitura (em relação à 1ª possibilidade de leitura: crítica – ironia – descaso) , desestrutura-se a intenção pura e simples da crítica , como processo irreversível e imutável . A colocação do ponto também nos leva a entender que , neste momento e neste espaço temporal – TUDO ESTÁ CALADO.

O poema prossegue , há possibilidade de mudança (REFORMULAÇÃO) .

 

A seguir, paira no ar uma certa nostalgia , uma certa dúvida (depois de tudo, tudo…) – marcadas pelas repetição da palavra tudo e das reticências , que indicam  uma certa hesitação , o que irá confirmar –se no verso seguinte : depois de tudo , tudo… “MUDAR AGORA ?” , o uso do ponto de interrogação ratifica as idéias  citadas  e indica que o poeta está em plena reflexão sobre uma possível  mudança .

No último verso “MUDAR (EI) (IA) ?!, ainda permanecem  a  dúvida (?) e a surpresa(!). O emprego da combinação do ponto  de interrogação  com o ponto de exclamação atesta  possibilidade desta leitura juntamente com  a presença  das três formas verbais – MUDAR/ MUDAREI/ MUDARIA.

 

 

* Dentro desta mesma proposta, apresentamos mais uma leitura possível. 

             MUDEI TUDO.

               (QUIS MUDAR TUDO) .

              AGORA (A)PÓS TUDO ,

              EXTUDO MUDO .

 

“MUDEI TUDO ,” – O passado (“impositivo”) e o ponto  dão-nos a idéia da concretização de uma atitude voltada para um passado , onde o poeta  e a poesia concretista se auto- afirmam.

 No 2º verso, (QUIS MUDAR TUDO) – o desejo de mudança mostra-se  pelo verbo “querer’’,  transformando o tom impositivo de 1º verso em vontade  (QUIS MUDAR TUDO)  – diametralmente  oposta a (MUDEI TUDO).

Este verso está isolado dos  demais por parênteses, isto nos leva  à idéia de explicação, quase uma confissão. 

“AGORA (A) PÓS TUDO , / EXTUDO MUDO. – Neste momento e depois de tudo  (ou depois de Pós-Modernismo, Após tudo)  -EIS TUDO MUDADO/ ESTUDO CALADO. Estas  duas formas de leitura, simultaneamente  no mesmo verso, unem CRÍTICA  ( EIS TUDO CALADO) e REFLEXÃO (ESTUDO CALADO).

 

(Autoria: SÔNIA MOURA)

 

POEMA PÓS-TUDO de AUGUSTO DE CAMPOS – parte III

POEMA PÓS-TUDO de AUGUSTO DE CAMPOS – parte III

(Autoria: Sônia Moura)

 

 Modernismo x Pós – Moderno  

Modernismo x Pós – Moderno 

            Enquanto os modernistas eram a imagem da EXALTAÇÃO, os pós – modernos são a própria EXAUSTÃO.

          A arte Moderna tem total liberdade criadora, é inovadora; a arte Pós – Moderna tem isto e muito mais, por esta razão foi ”batizada” como ANTIARTE. A primeira caracteriza-se pela INTERPRETAÇÃO; a segunda, pela APRESENTAÇÃO.

         Antes, o Modernismo hermético afasta inicialmente o público; agora, o Pós –Moderno pasticheiro convida o público a participar desta apatia, convida-o a sentar-se na cadeira de balanço.

         O Modernismo precisa de afirmação para os seus conceitos e para a sua arte, o Pós-Moderno não quer auto – afirmar – se ou afirmar nada e ele nada – tudo  quer; todos são bem – vindos, esta é a ordem da desordem.

         A fantasia, o exagero, o humor sempre são boas companhias para o artista Pós – Moderno, que é um seduzido; o artista Moderno tinha pretensão de sedutor.

         O poeta Moderno queria a linguagem do cotidiano, o Pós-Moderno é a linguagem coloquial, cotidiana ou, até mesmo, clássica.

         Os modernistas entrincheirados bradam, levantam bandeiras, escandalizam, cutucam a consciência, se aprofundam no inconsciente; os pós-modernos não gritam, não carregam sequer pequenas flâmulas, não escandalizam nem se escandalizam.

 

II– DE CORPO INTEIRO (Um Depoimento)

         Foram muitas as bandeiras-revistas, bandeiras-manifestos, bandeiras-vanguardas. Foram muitos os clamores de vozes sábias, lógicas, ilógicas, ensandecidas, revoltadas, traduzidas em prosa e em verso, marcadas pelo desejo de mudança ou de retomada de valores.

         Pouco a pouco, as vozes se calaram. Açoitadas pelo vento do desencanto, rasgaram-se as bandeiras, desbotaram-se as suas cores, mutilaram-se os seus símbolos. Acabou a passeata. Vieram a desilusão e a angústia.

         Houve uma época que o tempo passava lento e o mundo veloz; hoje, o mundo passa veloz (passa?), e o tempo também. E assim prosseguiremos: “caminhando contra o vento sem lenço nem documento”.[1]

         A política, o saber, a cultura –  tudo mais é manipulado pela égide perpétua do poder. A força do poder vai minando resistências, tornando quase perdidas algumas batalhas travadas (sempre fica alguma vitória), destruindo intenções, bloqueando vontades e envelhecendo novidades. Surge daí o desencanto, gerando a apatia coletiva que leva ao isolamento e se transborda em arte, transparece sem formas ou rótulos.

        Os moldes não existem, porque não existe mais referencial; não existe mais luta, porque não existem mais motivações. Instala-se o caos ideológico. Então, por que e para que lutar?

          A vida agora é um poema de pés quebrados. Apoiados em muletas, desalentados, os novos artistas não querem a guerra e nem pensam na paz.

           O que posso fazer? pensa o poeta e descobre que só há um caminho – desnudar-se através de sua arte.

           Para que buscar neuroses? Não faço planos, não apresento propostas, não sou humilde, nem corajoso – SOU FRAGMENTOS – e assim, sou um objeto em exposição pelo que escrevo.

            Quem conseguir juntar as pedras deste mosaico, dividirá comigo o banquete da minha arte.

              Sou o resultado da descrença do homem em relação aos valores existentes. Sou o resultado das lutas inglórias.

             Cansado, desiludido, surge um homem que não tem vontade de continuar em blocos; e assim; o homem dissolve-se em fragmentos;

            Sendo individual, o homem vive a ilusão do consumismo coletivo.

TODOS usam as mesmas marcas de roupas, sapatos, carros, bebidas; a mesma versão das notícias é assimilada por quantos estiverem ligados naquela emissora; TODOS têm a mesma febre de consumo; TODOS dançam e cantam a mesma música.

            O resultado é um homem feito de cacos. Um fragmento deste homem brilha, reluz, se ama, quer prazer; o outro fragmento é simples marionete nas mãos da tecnociência. Assim, o homem deixou de tomar posições, deixou o foguete Moderno do “OU” e sentou-se na cadeira de balanço do Pós-Moderno “E”.

           A imagem e o som da televisão vendem televisão, cigarros, casas, esperança, amor, sonhos – Vendem TUDO.

            O homem pós-modernos não quer brigar ou contestar. Se ou quando não concorda, agrupa-se em pequenas entidades e dentro de sua comunidade, tenta resolver TUDO.

             TODOS sabem (fragmentariamente) de TUDO e sobre TUDO.

             TODAS as artes riem de TUDO.

             Religião, história, filosofia, consciência social, o homem pós-moderno deixou à parte isto TUDO.

             TODOS compram TUDO.

             Vale o presente, o passado, o futuro (na arte), na vida; só vale o presente que é TUDO.

             A sátira, o pastiche e a (des)esperança, isto é TUDO.

             A simulação (valorização da imagem no lugar do objeto) nem pensa estar levando vantagem em TUDO.

             o “DES” é o deus de TUDO.

             Eu sou PÓS-MODERNO – eis TUDO.

(Autoria: SÔNIA MOURA)

 Modernismo x Pós – Moderno

[1] Caetano Veloso  ALEGRIA, ALEGRIA

 

POEMA PÓS-TUDO de AUGUSTO DE CAMPOS – parte II(

 

POEMA PÓS-TUDO de AUGUSTO DE CAMPOS – parte II(Autoria: Sônia Moura)

 

1 – CONCRETISMO –  breve relato     POEMA PÓSTUDO de AUGUSTO DE CAMPOS

             O concretismo teve a intenção de criar um poema que fosse OBJETO/MENSAGEM, inscrito no contexto da vivência das transformações da época.

              Os poemas eram apresentados dentro de estruturas próprias e visuais com formas de geometrização, formas estas antagônicas aos recursos poéticos tradicionais de então, ou seja, a velha estrutura sintático-discursiva do verso.

              Foi um movimento poético com posição vitalizante, sua poesia tem criação conteudística e de forte impacto visual.

              Este movimento vanguardista tem sua apresentação oficial em 1956 – I EXPOSIÇÃO DE ARTE CONCRETA e, em 1958, com a publicação do “PLANO-PILOTO PARA A POESIA CONCRETA”, na edição da revista NOIGRANDES (segundo Augusto de Campos, NOIGRANDES significa “antídoto contra o tédio”), em que se divulga a teoria do movimento.

               Mas a expressão Poesia Concreta já aparece em um artigo de Augusto de campos, em 1955, na revista FORUM (pág. 243 – MAI).

              Seus autores de maior destaque são Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari (iniciadores do movimento) José Lino Grünewald, Ronaldo Zeredo, José Paulo Paes, Edgar Braga e Pedro Xisto.

              O Concretismo pretende mostrar, de modo radical e inovador, a diferença entre poesia e prosa.

               Fazendo uso de uma comunicação de impacto, de percepção imediata, seguindo os passos da publicidade e das artes gráficas, afasta do poema a unidade poética linear –  o verso -, o subjetivismo de expressão ou de representação, qualquer forma de mistérios, conotações semânticas e uso de símbolos.

               Propõe uma poesia sintática, objetiva, que represente por si mesma a mensagem sem relações com nada exterior a ela.

                A poesia concreta é ousada (agregando significâncias), é visual (desarticulação do verso ortodoxo), é fragmentação (para uma representação), é vivenciada (estrutura ótico-sonora). 

 O poema concretista é projetado no branco da folha (espaço), numa relação visual significativa com os caracteres tipográficos dos signos e também troca o suporte tradicional (verso, estrofe, metro, rima), por uma sintaxe espaço-temporal, o que vai impedir uma leitura linear e permitir a visualização dos conteúdos e uma unidade espaço-temporal com significações verbais (verbi), musicais (voco) e plásticas (visual), gerando a unidade VERBIVOCOVISUAL, em que as palavras se organizam em constelação pelo uso de sintaxe analógica e pela aproximação de palavras, em geral sonora e visualmente semelhantes, desaparecem as relações lineares, estabelecidas pelos conectivos gramaticais, gerando a correspondência SEMÂNTICO-SONORO-GRÁFICA.(AUTORIA: SÔNIA MOURA)

POEMA PÓS-TUDO de AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE I

 PÓS-TUDO de AUGUSTO DE CAMPOS

POEMA PÓS-TUDO de AUGUSTO DE CAMPOS – parte I

(Autoria: Sônia Moura)

             Há diversas possibilidades de leituras para todo tipo de texto, são os elementos propagados e defendidos pela Teoria da Recepção como: a pré- disposição, a aceitação ou a rejeição.

Partindo desta premissa, será a visão do leitor que indicará cada talho do poema “PÓS-TUDO” de AUGUSTO DE CAMPOS, indicando que a base concretista e a estrutura formal deste poema não nos aprisiona a lê-lo e a vê-lo somente como uma forma de exaltação ao movimento concretista ou de repúdio ao Pós- Modernismo.

O poema poderá ser, entre outras possíveis leituras, a confissão do poeta concretista que reconhece e aceita a nova poesia Pós-Moderna;deste modo, CONCRETISMO e PÓS-MODERNISMO se intertextualizarão neste poema.

Para atingirmos nosso objetivo, partiremos de alguns pressupostos teóricos que cercam o MODERNISMO – CONCRETISMO e o PÓS-MODERNISMO.

Em seguida, faremos uma apresentação de “algumas leituras possíveis do texto “, demonstrando, através de análises (semânticas, fonéticas, morfológicas e sintáticas) que as relações, associações e dissociações apontadas nos permitem ver no poema (dependendo da leitura que se faça): a crítica , a ironia, o descaso, a reflexão, a reformulação, a aceitação ou, até, a junção de alguns deles numa mesma leitura.

            A arte Moderna provoca, de saída, uma contemplação fria, intelectual, distante; a arte Pós-Moderna é quente, o artista é que tem a “cabeça fria”.

            As VANGUARDAS modernistas têm seu grito de guerra nos Manifestos. Estes deixavam passar as emoções e as idéias modernistas que pareciam dizer: “ nós conduziremos vocês “ (leitores, espectadores, ouvintes); os pós-modernistas fazem da arte uma grande brincadeira, uma ironia, formam a roda e dizem; “quem quiser pode chegar“.

            A Literatura Modernista está carregada de mensagens propondo mudanças sociais, carregada de protestos, faz crítica ao mundo. O autor pós-moderno não quer ser mensageiro de nada, não quer protestar contra nada, não questiona passado ou presente; apenas convive, e a ausência de futuro incita o resgate do passado.

            O Moderno, por sua hermeticidade, foi “arte de elite“; o Pós-Moderno deixa-se cativar por elite e massa.

            O texto modernista, embora possa ser zombeteiro ou irônico (uso da paródia) – ainda assim é sério, porque traz com ele a crítica; Pós-moderno é descontraído, não consegue e nem quer a seriedade que anda por aí; por isso, prefere brincar, fazer pastiche.

            O Modernismo teve sua fase heróica – 1922 a 1930 -, sua fase construtiva, sua fase de reflexão – 1945 a 1950 – e, por fim, a partir de 1950, novas tendências na poesia são o destaque: Concretismo, Neo-Concretismo, Práxis e o Poema-Processo; o Pós-Modernismo não tem fase ou divisões, ele é PLURAL.

 (Autoria: SÔNIA MOURA)

MÁSCARAS NEGRAS – Fundamentações e Significações

 MÁSCARAS NEGRAS - Fundamentações e Significações

MÁSCARAS NEGRAS  Fundamentações e Significações

(Autoria: SÔNIA MOURA)

           As artes africanas apreenderam plenamente o significado mais profundo das máscaras ao fazerem destas um instrumento que desenha a trajetória do homem do nascimento à morte. Uma de suas artes, a máscara não traduz a emoção do indivíduo, porém, ao buscar através dela a constância das emoções e sua universalidade, o particular passa a ser  compreendido e superado, e, desaparece para dar lugar ao universal, pois, por sua natureza, a máscara apresenta ligações com necessidades psicológicas básicas, comuns a todos nós.

              O elemento motivador mágico-religioso das máscaras está ligado às necessidades da vida cotidiana, mas nas artes e nos usos africanos, a máscara  serve, especialmente, para permitir ao homem conviver com a multiplicidade da vida e para que ele possa criar novas realidades, desta forma  poderá ser  homem, espírito, bom, mau, animal, divindade. Dar  voz a metamorfoses simbólicas,  este é o poder transfigurador da máscara.

              Ligado às forças misteriosas, o uso ou o culto das máscaras para os povos africanos propicia a capacidade de modificar a realidade e a evolução humana, penetrando no mundo sagrado de seus antepassados (humanos ou animais) e conectando-se com eles, transformando o mundo complexo e hostil em um mundo menos hostil.

              A máscara permite a participação e a exploração, quando une a comunidade inteira como um único corpo em torno dela, quando da sua representação o grupo “fala” a mesma língua simbólica e complexa, que só pode ser interpretada por iniciados.

              Para o africano a máscara é toda a indumentária, portanto pode ser um pingente com o rosto de um antepassado ou para proteção, pode ser apenas um acessório para ser mostrado em reuniões de iniciados, pode ser vestida, colocada sobre o rosto, como capacete ou como “amuleto”. Unindo máscara, dança e ritmo, o africano representa na máscara a essência do universo, o ponto mágico de contato e de participação do homem com a natureza, ao dar a mesma além da forma, movimento e ritmo.

 

É assim que se faz  (ou melhor …se fazia)

          A arte étnica das máscaras africanas tem por princípio básico a estética, é, sobretudo forma de expressão, vem de dentro para fora do indivíduo, é “invenção”, “criação” e não mera imitação da natureza, uma vez que é arte mediadora entre os mundos natural e sobrenatural.

Regras preciosas, ritos e atos são observados na feitura das máscaras, já que estas guardam a essência mágica. Para confeccioná-las é preciso ter autorização do chefe religioso da  aldeia, que por seu reconhecido poder político (pode ser chamado “feiticeiro”) e, entre suas funções, está a de “chefe das máscaras”, ele  preside todas as reuniões de ordem ritual em que a máscara aparece e dirige todo o cerimonial.

              Madeira, pedra, marfim, metal, técnicas de fusão de materiais, cinzel e incisão são materiais e técnicas usadas  na criação das máscaras, mas o principal material é a madeira, pois é mais fácil de ser encontrada, porém, nem todo tipo de madeira pode ser usada na confecção da máscara, seja por limitações rituais, seja por qualidades negativas atribuídas a certas plantas ou pela qualidade da própria madeira.

              A madeira deve ser fresca, pois a madeira mais velha é mais difícil de ser trabalhada e também pode rachar ao secar, tornando-se inútil para o entalhe. Ao encontrar a madeira adequada à criação da máscara, o escultor deverá transportá-la para um lugar isolado e protegido dos olhares indiscretos ou curiosos, fazer alguns rituais e ficar em uma certa forma  de  “isolamento” até concluir sua obra. Os instrumentos que ele utiliza na fabricação da máscara são, por vezes, construídos por ele mesmo, uma vez que estes são considerados objetos de caráter sagrado, e em alguns casos a eles são ofertados sacrifícios.

              À noite, o escultor (que pode desempenhar outra atividade – por exemplo – a de agricultor) volta à aldeia, esconde, junto ao chefe das máscaras, sua obra inacabada ou o seu modelo e, ao alvorecer, volta ao seu refúgio.

              Após o entalhe, o escultor usará folhas rugosas, cipós, tiras de pele de animais, areia, pedras ou fragmentos de osso, para lixar a peça; a cor será dada pelo emprego de corantes vegetais obtidos com folhas maceradas, pela imersão na lama ou pelo escurecimento a fogo. O lado decorativo aparece pelo acréscimo de materiais heterogêneos como dentes, chifres, pêlos, conchas, fibras vegetais, espelhos, miçangas, sementes, pedaços de metal e faixas de tecidos. A decoração é muito importante pois intensifica de modo dramático a expressividade  e o profundo sentimento mágico e sagrado ,  intrínseco ao objeto.

              Ao finalizar a feitura da máscara, o proprietário ou o chefe das máscaras deverá conservá-la em lugar seguro e protegido (às vezes, quem desempenha o papel de guardião é o próprio artista), e a máscara só sairá deste local para os devidos usos.

              Quando o dono da máscara morre, ela passa para um herdeiro (fica em família) ou passa para um sucessor da mesma sociedade secreta e, quando uma máscara perde o seu poder, ela deve ser substituída, porque não pode mais ser utilizada. Cabe ao artista (escultor) submeter-se ao rito de purificação, conseguir o material adequado, enfim, cumprir todo o ritual de feitura da nova máscara.  Uma breve cerimônia deverá marcar a passagem do espírito da máscara velha para a nova e sua primeira aparição em público deverá ser festejada e os presentes lhe oferecerão donativos e reconhecerão seus valores, inclusive os estéticos.

                Se é um privilégio ser o portador de uma máscara, também designa a este obrigações e sanções, pois seu prestígio conferirá à máscara o mesmo prestígio, podendo aumentar ou diminuir – lhe o valor. A diminuição do valor poderá levar à destruição da máscara, pois esta perde o seu valor ritual e o mesmo acontece à máscara danificada. No entanto, o tempo e a idade são elementos que lhe dão maior força sagrada, pois esta foi herdada pelas diversas gerações, que lhe transmitiram o que tinham de melhor.

              O mesmo vale para o artista, quando não é autodidata deve fazer seu aprendizado com um artista reconhecido, isto “aumenta” o valor de sua obra. Sua liberdade de invenção é limitada, pois deve seguir os princípios básicos impostos pelas tradições.

 Esta forma de  criação   coloca o artista  em contato com forças sobrenaturais, este contato confere riscos a esta posição, mesmo assim o escultor se sente um eleito e tem  muito orgulho do seu trabalho artístico. Ele desfruta de uma posição privilegiada, mas provoca certo temor, por usa capacidade de criar formas que têm ligação com o sagrado e com qualidades sagradas, ou seja, cria instrumentos de poder.

              A arte africana sempre teve uma função eminentemente social, era entendida como um meio de ensinamento e motivação de existência cotidiana e metafísica do homem, explicando o sentido da vida e indicando a posição correta dentro do grupo, assim, em manifestações artísticas: iniciações, atos da sociedade secreta, ritos fúnebres e agrícolas, cerimônias públicas, as máscaras eram a síntese da arte e da narração dialógica entre o homem e o mundo visível e invisível. 

 

[Apresentação – UFF – 2005]

MÁSCARAS NEGRAS - Fundamentações e Significações

GAVETAS SECRETAS

 GAVETAS SECRETAS

GAVETAS SECRETAS  (Autoria: Sônia Moura)

 

De gavetas secretas, retiro cartas antigas, escritos perdidos, escritos escondidos de mim e do mundo, tudo tão amarelado como o tempo que também se escondeu de mim, então, aquelas palavras, sem nenhuma lapidação, sem nenhuma preocupação senhoril, saltam para o colo dos meus olhos e se atiram em minhas retinas, e, como crianças, brincam  de pique esconde, brincam de roda e de cabra cega. 

Parece-me ouvir-lhes as gargalhadas infantis, soltas, livres, correndo para mim, e mesmo que eu quisesse repudiá-las, não conseguiria, elas se aninhavam em meus poros e defloravam meus ouvidos, desvirginando o passado.

Como pássaros na primavera, cantam suas histórias e bolem com minhas memórias. 

Seriam as gavetas suas gaiolas? Ou seriam o papel e a tinta? Ou seria somente a escrita?

Quando se mostram sentimentais me provocam o choro, no entanto, se estão alegres, me provocam o riso, despertam  sensações adormecidas, mas, se querem a festa ou o luto, se enterram em meu coração, ora como flechas de Cupido, ora como flechas embebidas em curare, de uma forma ou de outra me entorpecem a alma, mas não morro, peço socorro a outras palavras e elas veem em meu auxílio, me resgatam e me acalentam, ao (re)encenarem encantos e silêncios, trazendo para a vida momentos de graça e deslumbramentos.

Equilibrando-se no fio da navalha, o fio do meu olhar lê o quase indizível, o quase invisível e segue desenhando elipses vocabulares e geométricas no emaranhado de palavras que versam sobre o que poderia ser entendido como impossível, e que somente a força da poesia é capaz de tornar imediatamente possível.

Procuro ficar vigilante, nego que qualquer escrito seja fingimento, ponho-me em alerta contra a insistência da dor, que insiste em atrapalhar a nossa festa, mas permito que a solidão e a ilusão cheguem de mansinho, para colocar ordem na casa, chamando a dor para o meio da roda, levando-a a rodopiar, até ela se cansar.

A presença de todas as tramas, de todos os dramas, de todos os eus, de todos os nós, de todos os estamos sós circunscrevia-se em nós difíceis de se desatar, era o verbo que se fazia homem ou era o homem que se fazia verbo, metaforizado em ritmos e rimas a devorar a existência de tempos, de alegrias ou de lamentos, num divino regresso. Era o etéreo encantamento da poesia que bailava no ar.

Aquele turbilhão de palavras poderia transformar-se em tormento, mas o crepúsculo dos deuses dava nova forma àquele momento, onde pedras, flores, águas, cânticos tinham a mesma leveza do amor, tornando tudo sagrado, pondo todos sob as bênçãos da transcendental criação dos substantivos, dos adjetivos, dos verbos, dos advérbios e de todos os artífices que emolduravam aqueles tesouros escondidos no fundo da gaveta secreta.

A vida e a morte confrontavam-se num duelo à luz do sol e este duelo poderia não terminar, mas, bastou a luz da lua se aproximar e as duas se acalmaram, para que o mais forte do ser – poeta pudesse se mostrar às estrelas, permitindo que as palavras saissem da fenda da memória, do rastro da história, da rede do tempo, fazendo vários movimentos para provocar o poeta, para animar a festa que acontecia, no palco celestial da escrita. 

Como frutos maduros que, ao serem mordidos, deixam escorrer o mais doce do seu mel, isolando o fel, as palavras permitem a quem as lê o direito de penetrar em suas cavernas, em suas florestas; escalar montanhas ou descer aos vales e ainda permite ao leitor que lhes arranque os mil véus e, neste instante, elas se deixam revelar, para que o leitor possa penetrar em paraísos perdidos e neles se (re)encontrar. 

 

(Autoria: Sônia Moura)

GAVETAS SECRETAS

                  

 

QUEM AVISA, AMIGO É!

 QUEM AVISA, AMIGO É!

QUEM AVISA, AMIGO É! [por SÔNIA MOURA]

                       

Os Oráculos falaram comigo e me avisaram:

 

1 – Não confie em pessoas que ajam deste modo:

 

a) Mesmo que  você lhes faça o maior dos favores, lhes devote amizade e esteja sempre pronto a ajudá-las – elas  nunca lhe dizem: Obrigada!

 

2 – Não confie em pessoas que:

 

a) Nunca dirigem uma palavra de carinho ou um elogio a outrem, e, ainda que você esteja resplandecente, estonteante e feliz, não adianta, este tipo de gente finge não enxergar o outro, só elas podem brilhar.

 

3 – Não confie em pessoas que não apresentem um sorriso franco.

 

Isto posto, disse o oráculo, a seleção natural se encarregará de mostrar a você os verdadeiros amigos.

 

 QUEM AVISA, AMIGO É!