O BARCO E A VIDA

 O BARCO E A VIDA

 

O BARCO E A VIDA [por SÔNIA MOURA]

 

A vida é mesmo assim, dias felizes, outros, nem tanto.

É mais ou menos como um pequeno barquinho perdido em alto mar, ora uma onda nos joga para lá, ora, outra, nos joga para cá.

Assim como o barco tem um marinheiro para o guiar, nós somos o marujo de nosso próprio barco, precisamos segurar firme o timão e dirigir nossa vida para longe dos corais e dos rochedos, mas, se a tempestade vier…

Às vezes, nem toda a perícia do timoneiro consegue livrar o barco de tombar ou de encalhar, mas é preciso lutar e tentar, sempre, pois, quem sabe, nosso barco irá aportar em uma ilha deserta, cheia de sol, flores melífluas, águas transparentes, com coqueiros e palmeiras, que cederão suas folhas para que façamos uma cama e nela nos deitemos ao luar, até a hora de sermos resgatados.

Ou, quem sabe, rezemos para o resgate não chegar logo, que ele demore um pouco, precisamos desfrutar, precisamos aprender a nos amar, pois, no deserto da ilha, muito poderemos a aprender sobre a vida e sobre o valor desta. Quem sabe?

Quem sabe ainda, o destino nos reserve uma ilha inóspita, onde teremos que lutar para sobreviver e para aprender o mundo enfrentar?

Ou, ainda, quem sabe, aportaremos em um lugar qualquer do planeta, em ótima companhia, onde, por um tempo se possa ficar, para  sonhar e amar?

 

Assim é a vida, um barquinho perdido em alto mar.

 O BARCO E A VIDA

 

IMAGENS

 IMAGENS

 

IMAGENS  (Autoria: Sônia Moura)

 

Até hoje

Ouço você dizer

Na concha

Troncha

Do meu ouvido:

 

– Quando tu te pões  entre meus seios

Oh!

Mil liberdades

Se instalam

Em nossos céus !

 

Então, ao ouvir os teus gemidos, eu,

Menino vadio,

Me aninho

Neste ninho

Quente

Ardente

Que me deixa

Demente,

Menino indecente,

A viajar

Por tuas montanhas

Por tuas entranhas

Embarco em navios

Em espaços vazios

Navegando por teus mares

Por todos os teus lugares

Onde se esconde Eros,

Menino libidinoso,

Que  finge recato

Pintando um retrato

De uma abelha

Penetrando a flor

Nos instigando

A subir aos céus

A inundar a terra

Com leite e mel

Em meio a pecados

Rasgados

Molhados

Com gosto

De brigadeiro

Que eu,

Menino arteiro,

Me lambuzo

Devoro

Repito

Nos gestos

De amor

E, com o mais manso furor,

Penetro o miolo

De tua saborosa flor

Embarcando em teus sonhos

De sussurantes gozos

Maviosos

Gostosos

A encher nossa alcova

Com palavras

Febris

Gentis

E eu,

Menino encantado,

Levito ao luar

Visito as estrelas

Me solto ao vento

Fujo do relento

Beijo mil fadas

Abraço mil duendes

Escuto um sino

Agora,

Sou um menino contente,

Namoro o silêncio

E só ouço tua voz

A me dedilhar a alma

Agora quieta

Aninhada

Nos braços dos deuses

A contemplar teu corpo

Exausto de amar

Sorrindo para a paz

Que se instalou em nós…

 

(Do livro: COISAS DE MULHER de Sônia Moura)

 

 IMAGENS

 

 

 

 

 

 

 

DIÁLOGO APRESSADO

 Diálogo apressado [por SÔNIA MOURA]

 

         Os homens também amam.

         Será?

         Claro que sim.

         Sei não… Creio que eles só amam nos Romances, nos Contos de Fadas ou nas novelas.

         Não é bem assim…

         Então, vamos lá, quantos homens já souberam te amar?

         Bem… Ih! Chegou meu ônibus, preciso ir, senão vou me atrasar.

         Ah!…

 DIÁLOGO APRESSADO

FOTO AO ACASO

 FOTO AO ACASO

 

FOTO AO ACASO [por Sônia Moura]

 

Um novo amigo visita meus escritos e deixa para mim, de presente,  palavras amáveis.

Falo de um amigo virtual, que tem como marca a sensibilidade de olhar para a vida e  registrá-la em fotos, marcando o tempo que iria se perder.

Seu trabalho pode ser chamado de crônica, conto ou poesia em forma de ícones, e suas imagens nos dizem tanto, tanto…

No entanto,  a palavra não é anulada, ela é transformada, quando o olhar sensível deste poeta capta as belezas, as realidades ou os sonhos que a vida nos entrega de bandeja todos os dias e que, por vezes, deixamos escapar.

A meu ver, embora não seja realmente necessário, tamanha a expressividade de suas fotos, como moldura para seus poemas imagéticos, ele arremata suas fotos com breves e belas palavras.

Falo de Fernando Santos (Chana), cujos poemas em fotos têm títulos sugestivos tais como: Emoções… / Água das Cheias…/ Entre o Vazio e a Sombra…, entre outros.

Assim sendo, sugiro que para o deleite de nossos olhos e para aguçar nossa sensibilidade, o site, com um título extremamente sugestivo: FOTO AO ACASOhttp://fotoaoacasoalpiarca.blogspot.com – deva ser visitado.

 

 

Para o poeta/fotógrafo Fernando:

 

VISÕES

 

Pela lente de  teus olhos

Vejo Portugal

Vejo do pôr-do sol

Uma imagem colossal

Vejo o Tejo

Vejo toda beleza da cor

A se multiplicar

Vejo, ainda, o sensual da vida

Pela  natureza se manifestar

 

Tudo isto para olhares sensíveis

Simplesmente encantar!

 

 

FOTO AO ACASO

 

 *FOTOS: FERNANDO SANTOS (CHANA)

 

FACETAS DINÂMICAS: globalização e cultura [Parte II]

 FACETAS DINÂMICAS: globalização e cultura [Parte II]

 

1   FACETAS DINÂMICAS:  globalização e cultura   [Parte II]

                           (Autoria: SÔNIA MOURA)

 

1.2. O TODO  – a cultura

 

Se pensarmos a cultura como “Um todo que guarda a base formadora de um grupo…” (TAYLOR), ou se pensarmos como “Um conjunto de sistemas simbólicos…” (LÉVI-STRAUSS),ou como “Sistemas entrelaçados de signos interpretáveis…” (GEERTZ), ou  como “Uma síntese de estabilidade e mudança, de passado e presente…” (SAHLINS), ou como “A bússola de uma sociedade, sem a qual seus membros não saberiam de onde vêm, nem como deveriam se comportar” (WARNIER) ou como “Uma coisa do mundo real, uma vivência possível, um sonho concreto, é o país se pensando dentro do mundo” (JABOR), vamos perceber que as palavras embasadoras destas definições (grupo, sistemas, síntese, bússola, sociedade, membros, país, mundo), guardam em si a idéia do todo, uma vez que, em qualquer definição,  a cultura pertence a todos.

Se, na origem, a palavra cultura nasce de “colere” significando cultivar, habitar, criar e preservar, e, se, na atualidade, os cientistas sociais atribuem significações à cultura e às suas ações, como por exemplo: cultura como modo de vida de um povo, podemos alargar estas significações dentro  do todo social, como componentes basais do que se entende como cultura: a  estrutura social  no campo das idéias, dos símbolos, das crenças, dos costumes, dos valores, das artes, das linguagens, da moral, do direito, das leis, porque a  cultura é a representação do modo de pensar e agir de um grupo, de um todo. A cultura é o todo; é o modo de vida que nasce do todo de todos, logo, deve ser para todos.

Colocando-se lado a lado  os conceitos de identidade cultural, o que  propõe como base a origem comum, a língua, a religião, a psicologia coletiva, o território… (concepção objetivista) e o  conceito ligado às questões de sentimento, pertencimento ou a representações simbólicas (concepção subjetivista),  vamos perceber quão complexos são os processos de construção das identidades, em um mundo que se debate entre o global e o local. É o atual embate de todos.

Como o todo que abarca todos os conceitos e deles pode desfrutar, sem parcimônia,  os muitos sentidos, a cultura encontra-se presa ao espaço mediático e quanto mais se multiplicam estes conceitos e quanto mais a cultura é multiplicada por estes caminhos globais, mais a cultura  se emaranha na “democrática” teia global, que se coloca e nos coloca sob a égide da homogeneidade cultural e como dinamizadora da igualdade, da diversidade, do multiculturalismo, do pluralismo cultural. Trava-se assim o conflito entre a objetividade e a subjetividade, entre  o âmbito político e o âmbito ideológico, entre o bem cultural e o produto cultural, criando uma falsa imagem de uma   multiplicidade cultural tão ímpar, que, de fato, provoca o apagamento da hegemonia, da uniformidade, o que poderia riscar do mapa a verdadeira heterogeneidade cultural.

A cultura como tradição advém histórica e geograficamente de uma sociedade, uma vez que não existe sociedade que não tenha a sua própria cultura e é neste revirar-se, revoltar-se, reviver-se, revolver-se e recomeçar(-se)  que a cultura se espraia no seu meio social, é por este caminho que ela se refaz no todo: em todas as épocas, em todas as camadas sociais, em todo território local, nacional, global.

A globalização econômica afasta a cultura, transforma sua imagem local, cria um universo ilusório, domina e impõe códigos lingüísticos, traça analogias inexistentes, assim o indivíduo, levado pela exaltação meramente artificial e superficial da visão, converte  em verossímil uma cultura que não é sua  (ou não era?) como se fosse a verdadeira; ele codifica, decodifica e recodifica símbolos, passando a reconhecer um outro mundo feito de simulacros culturais, a reconhecer, como seus, núcleos culturais pertencentes a outro grupo social.

As metáforas da visão, espalhadas pela mídia global, mostram a ausência de limites espaciais e temporais, fazem o olhar bailar  entre a objetividade e a subjetividade, expõem expressões visuais que sugerem encontros perfeitos entre o global e o local, ampliam a imagem de uma realidade dividida, multiplicada, subtraída, somada, juntam a ideologia, a estética e a ética (?) como alicerces para o mundo contemporâneo cultural e economicamente globalizado.

Paradigmas colocados lado a lado misturam o imaginário, o imaginado, o real e o simbólico e, através da fusão de suas forças,  apontam suas câmaras – o olhar dirigente e central – e correm para seduzir o olhar da periferia – o olhar dirigido e marginal –  assim as imagens habilmente planejadas e projetadas passam a ser vistas (mesmo que nasça a dúvida) como produto do espírito, da mente, da ilusão, da palavra, ou seja, como forma de expressão cultural legítima de cada grupo, mesmo que este grupo agora esteja transformado no tudo global, hegemônico.

Nos primeiros momentos, o resultado das imagens de culturas indecisas  e cheias de generalidades vagas afastam da visão o plano da inteligibilidade desta  nova cultura, deste novo  real, que transborda  em formas, formatos, cores, ritmos e movimentos espetaculares, no entanto, toques simbólicos atávicos podem teimar em mostrar as velhas verdades, assim, em vez de a cultura simplesmente se dissipar, se esgarçar, seus membros tendem a reagir e a recompô-la, mesmo que de formas esquematicamente alegóricas.

Nesta densa e apertada rede metafórica, são criadas sugestivas translações de significados culturais, que se cruzam em planos identificatórios de ação, representação, relação e orientação levando a interação de um ser e de seu grupo, mesmo sendo a sociedade e o homem atual frutos da globalização econômica e cultural que há muito se instalou no mundo.

As culturas e sua melhor representação – as línguas – sofrem transformações ao longo da história de cada povo, desta maneira, a organização cultural dos grupos sociais também se modifica. Língua e cultura mantêm estreitas ligações e estreitas relações, são parceiras na formação e definição das identidades, até porque é através da língua que as comunidades expressam sentimentos, definem pertencimentos, se reconhecem. Para complementar estas afirmativas, observemos a definição de Jean- Pierre Warnier:

“A identidade é definida como o conjunto dos repertórios de ação, de língua e de cultura que permitem a uma pessoa reconhecer sua vinculação a certo grupo social e identificar-se com ele”. (WARNIER, 2000: 16-17)

A cultura é complexa, feita de  normas, hábitos, costumes, tradição[1] e são exatamente estes elementos que fazem com que cada cultura seja singular, mesmo que  estejamos vivendo um momento plural. Além destes e de outros fatores, devemos destacar a indústria como  elemento partícipe da construção cultural,  quando serve como modificadora ou multiplicadora de comportamentos ou quando reproduz bens culturais (imagens, palavras, música) através das produções cinematográficas, fonográficas ou por produções eletrônicas, que dentro de alguns critérios estabelecidos permeiam o campo da indústrias culturais. Atento a este problema, Warnier diz:

 

“As culturas sempre estiveram em contato e em relação de troca umas com as outras. Mas uma situação histórica totalmente nova apareceu a partir do momento em que as revoluções industriais sucessivas dotaram os países chamados de “desenvolvidos” de máquinas para fabricar produtos culturais e de meios de difusão de grande potência. Estes países podem, agora, jogar no mundo inteiro, em massa, os elementos de sua própria  cultura cujo  regime é novo, sui generis. Como analisá-la?” (WARNIER, 2000: 26)

 

Assim sendo, os bens culturais, diferentemente dos produtos culturais, quase sempre estão excluídos do mercado, embora se possa atribuir-lhes valor de troca, pois é sabido que o mercado obedece cada vez mais à lógica econômica:

 

“A distinção primordial que deve ser feita entre produto cultural e bem cultural, é que a este está vinculada a noção de um patrimônio pessoal ou coletivo e designa, em princípio, por seu valor simbólico, algo infungível, isto é, algo que não poderia ser trocado por moeda. Já os produtos culturais são aqueles que expressam idéias, valores, atitudes e criatividade artística e que oferecem entretenimento, informação ou análise sobre o presente, o passado (historiografia) ou o futuro (prospectiva, cálculo de probalidade, intuição), quer tenham origem popular (artesanato), quer se tratem de produtos massivos (discos de música popular, jornais, histórias em quadrinhos), quer circulem por público mais limitado (livros de poesia, discos e CDs de música erudita, pinturas). Embora desta definição participem conceitos vagos, como “idéias” e “criatividade artística”, ela exprime um consenso sobre a natureza dos produtos culturais.” (TEIXEIRA COELHO, 1999: 318)

 

Será que a magia da globalização conseguirá apagar as velhas experiências culturais, fazendo com que as experiências particulares  se anulem? Estarão todos os produtos culturais / bens culturais e todas as experiências  fadados a serem convertidos em mercadoria? Uma vez que, atualmente, quase toda obra cultural que não esteja inserida nas leis do mercado,  que não venha a contribuir para o crescimento do mercado, será imediatamente descartada, eliminada, tornar-se-á um produto supérfluo; assim como o receptor de cultura é visto tão-somente como consumidor cultural.

A história e a literatura nos mostram que, quando necessário, somos capazes de criar,  adaptar formas que permitem a conservação de  velhos costumes. As festas  populares brasileiras[2], por exemplo, são a prova de que criamos novas condições para reformarmos velhos modelos, acrescentamos mitos, revestimos suas imagens, reformamos os ritos e  a sua construção simbólico – cultural não morre ou, pelo menos, luta para não morrer,  mesmo que o produto cultural se torne mercadoria, como explicitam Horkheimer /Adorno:

 

“A cultura é uma mercadoria paradoxal. Ela está tão completamente submetida à lei de troca que não é mais trocada. Ela se confunde tão cegamente com o uso que não se pode mais usá-la. É por isso que ela se funde com a publicidade. Quanto mais destituída de sentido esta parece ser no regime do monopólio, mais todo – poderosa ela se torna. Os motivos são marcadamente econômicos. Quanto maior é a certeza de que se poderia viver sem toda essa indústria cultural, maior a saturação e a apatia que ela não pode deixar de produzir entre os consumidores. Por si só ela não consegue fazer muito contra essa tendência. A publicidade é seu elixir da vida.” (HORKHEIMER/ ADORNO, 1985, p.15)

 

É relevante destacar que Adorno/Horkheimer mostram o duplo palimpsesto de elementos fundamentais no âmbito de uma ação cultural – a troca e o uso – que se apresentam destituídos de  suas funções primordiais, dando lugar  mágico à publicidade, a qual garantirá a “sobrevivência” da cultura.

A “lógica” do mercado, as novidades tecnológicas, os processos acelerados da comunicação e da informação e o papel privilegiado da mídia, mais do que nunca, interferem tanto na produção cultural quanto na circulação dos produtos culturais. Segundo as leis do mercado, são eles que garantem a sedução do público, a poderosa e devastadora circulação global, as diversas formas de retorno, afastam a concorrência e  garantem o  paroxismo do lucro.

Considerando que a cultura é o alicerce de nossa identidade, ter acesso a produtos culturais e a bens culturais deveria ser direito de todo cidadão,  porém, o conjunto dos elementos interferentes na produção e circulação dos produtos culturais segregam os que não podem “consumir” cultura. É outro paradoxo da cultura enquanto mercadoria.

Se entendemos a cultura como bem de todos e para todos, entendemos que ela não pode estar/ficar limitada pelo mundo fugaz da mídia e do mundo guloso do mercado, uma vez que,  por si só a cultura já dispensa o supérfluo. Cultura é um todo para todos, para que esta afirmativa salte do plano ideal para o plano real, fazem-se necessárias políticas culturais consistentes, eficazes, embora seja duro   o embate entre os interesses do povo e  os interesses do mundo de economia globalizada, como podemos observar neste fragmento de Pierre Bourdieu:

 

“Os campos de produção cultural, instituídos apenas muito progressivamente e ao preço de imensos sacrifícios, são profundamente vulneráveis diante das forças da tecnologia aliadas às forças da economia; com efeito, aqueles que, no seio de cada um deles, são capazes, como hoje em dia os intelectuais midiáticos e outros produtores de best-sellers, de se contentar em se dobrar às exigências da demanda e daí extrair os lucros econômicos e simbólicos, são sempre, como por definição, mais numerosos e mais influentes temporalmente do que aqueles que trabalham sem fazer a menor concessão a uma forma qualquer de demanda, isto é, para um mercado que não existe.” (BOURDIEU, 2001: 91)

 

Atualmente, o lucro precisa vir rápido, precisa ser máximo no mínimo de tempo possível, assim, a mídia corre contra o tempo e vence o tempo quando nos convence de que precisamos consumir cultura, quando provoca em nós um desejo incontrolável de consumir cultura, não cultuar a cultura, só consumir, consumir. Participar de um grande evento, como o Rock’n Rio ou ir visitar uma mega exposição como a dos pintores espanhóis (mesmo que eu não saiba muito bem o que estou fazendo) é garantia de estatuto, quando digo a todos:  EU FUI!, eu digo também: sou consumidor, faço parte do mundo.

A cultura se firma pela repetição, pela rotina, pelo rito,  pelo mito, pelo reconhecimento. São estas as mesmas “armas” que a mídia globalizada da tecnologia comunicacional emprega para nos seduzir e convencer. Os  slogans, a música,  as imagens, os boatos, as roupas, os atores, os  autores compõem este quadro para o qual o olhar, submetido a múltiplas associações, se volta.

O olhar e o desejo se projetam no espaço global e, ante o contínuo desvelamento das imagens ideais transvestidas de realidade (que somente o vestígio da memória atávica e as recorrências simbólicas conseguirão decifrar), o espectador desvela imagens prenhas de vibrações, de movimentos intensos, de significações abstratas e ouve a voz de uma linguagem capaz de remetê-lo a um mundo cheio de imagens artesanais, técnicas, digitalizadas, computadorizadas, fotografadas, filmadas que irão- se revelar,  e, mesmo que ele tente se  manter à margem deste excessivo aprisionamento, as imagens e os sons  o  afastarão  do real, tecendo o perigo de ele cair na armadilha que  mostra o invisível. Mesmo  quando o espectador/consumidor procura desviar o foco do seu olhar, em busca de sua cultura, a mídia estará lá para convencê-lo a olhar somente numa direção, num ponto fixo num infinito global.

Neste mundo dos espetáculos globalizados, apenas conceitualmente a cultura continua “livre”. Hoje, a cultura é  vista e produzida como  mercadoria, por isto  confundimos tudo e o mercado confunde a todos que se vêem dentro do mesmo fosso ou do mesmo poço, do mesmo todo. Então, o todo cultural local  dissolve-se e converte-se numa pasta homogênea, para que se molde o  todo cultural global, a partir daí tudo é representação. Podemos, pelas palavras de Debord, ratificar estas posições:

 

“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação”. (DEBORD 1997:13)

 

(Trabalho apresentado – UFF- 2002)

 



[1] Há muitas definições sobre a tradição como componente cultural, destaco a observação de Warnier por considerá-la cabal (…) De fato, a tradição, pela qual se transmite a cultura, impregna desde a infância o nosso corpo e a nossa alma, de maneira idelével. (WARNIER, 2000: 17)

[2] (…) O senhor bem sabe que as cavalhadas não são mais do que uma imagem, um simulacro das antigas justas e torneios. Mas esses divertimentos bárbaros, em que se derramava sangue, e que muitas vezes custavam a vida aos justadores, não podem compadecer-se com as luzes e os costumes da civilização atual, e admira que, mesmo nos sanguinários tempos da média idade, fossem tolerados entre povos cristãos. A cavalhada, porém, ficou como uma imitação daquelas lutas cavalheirescas que, não custando o sangue nem a vida a ninguém, oferece um brilhante e nobre espetáculo aos olhos do povo. ( Bernardo Guimarães – O Garimpeiro, s/d: 32 – Ediouro) .

FACETAS DINÂMICAS: globalização e cultura

 

 FACETAS DINÂMICAS: globalização e cultura

1   FACETAS DINÂMICAS:  globalização e cultura   [Parte I] –  (Autoria: SÔNIA MOURA)

                       

 1.1      O TUDO – a globalização

         O fenômeno denominado globalização espraia-se no mundo contemporâneo, ora como ondas leves que vêm-se banhar na areia de qualquer praia ou como ondas rebeldes de um maremoto ou mesmo nascidas de um furacão e  que podem chegar a vários lugares destruindo tudo ou quase tudo: cultura, hábitos, costumes.

O discurso contemporâneo consagra e legitima a nova ordem hegemônica por meio da onipresença, onisciência e a onipotência econômica, colocando a globalização no centro do mundo e como o centro deste, para onde tudo e todos deverão convergir. O núcleo deste “novo” sistema afasta para a periferia a autonomia, a independência e a diferença cultural, desnorteando as forças identitárias ou forçando-as a lutas constantes para que sobrevivam. Atentemos para a colocação de José Luís Jobim:

“No contexto discursivo em que  se pretende legitimar uma nova ordem, talvez seja o caso de colocar em questão qual é o centro  desta nova ordem – em relação ao qual  se constitui a “periferia”. Isto porque o discurso da globalização freqüentemente apresenta  pretensões ao absoluto, ao ilimitado, irrestrito e universal.” (JOBIM, 2002: 35).

O conceito de centro e periferia está preso à questão espacial, e a globalização é um fenômeno predominantemente espacial. Deste modo, partindo da invasão e superposição dos espaços, tudo e todos se voltam para a mesma direção.

A globalização é o sol em torno do qual tudo e todos devem gravitar, depender da sua luz e do seu calor, então, ao invés de todo mundo se  iluminar com os saberes e fazeres alheios, com outros modos de ter e de ser, tudo torna-se pastosamente igual e, pelas leves ondas tecnológicas da comunicação global, a cultura dominante se esparrama, invade praias alheias, invade o espaço alheio, e de acordo com os interesses, particularmente os econômicos, esta pode modificar ou mesmo eliminar outras culturas.

Como os indivíduos, as culturas também vivem em tempos e em espaços diversos e historicamente diferenciados, Novalis diz que “tempo é espaço interior, espaço é tempo exterior”, logo, percebe-se que tempo e espaço deveriam estar  sempre e indubitavelmente entrelaçados. Porém, a sedutora globalização  aparece como elemento desagregador desta dupla dinâmica, ao privilegiar o espaço e diluir  o tempo em muitos tempos a um só tempo. E é através do espaço dissolvido, uniformizado, artificializado e desterritorializado  que a globalização propaga seus aspectos positivos e “anula” os aspectos negativos.

Guy Debord faz a seguinte afirmação: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação.”. (DEBORD, 1997: 13). Ao assegurar que a vida real é vivida através da imagem e do ilusório – ampliado, multiplicado, reproduzido, cuidadosamente pela mídia – o pensador nos apresenta uma sociedade simplificada, apontando para o nosso papel único de espectadores constantemente expectados, controlados pelos olhos da mídia globalizada, que também controla nossos olhares, deste modo, manipulados por titereteiros hábeis, seguimos arrastando nossas correntes espetacularmente leves, adorando o deus maior da nossa “democracia social”, na qual o espetáculo globalizado é tudo.

É no espetáculo “mitologizado, mitificado, ritualizado”, no sensacional e no simulacro que a sociedade se contempla e se completa, e o global engole fácil a sua presa local. É para ele – o espetáculo – que o olhar do sujeito desamparado se volta à procura de qualquer marca que lhe ofereça algum sinal de pertencimento, de identificação. A mídia faz o espetáculo e a busca do indivíduo no coletivo consagra-se pela completude totalizante das imagens.

O espetáculo substitui a realidade; a imagem é verificada à sombra de uma  realidade da qual “todos participam”. Todo momento é coletivo, plural,  assim as relações humanas transformam- se em imagens espetaculares, onde tudo é perfeito, tudo é espetacularmente global.

No mundo espacialmente globalizado, todos os espaços são preenchidos e o que está em falta é o espaço vazio. Um excesso de preenchimentos do ambiente social, coloca-nos extremamente vulneráveis à sedução dos objetos (o consumo de tudo) e ao seu interminável processo de substituição das emoções.

Pelo mundo da mercadoria, através do espetáculo global, o homem contempla, idealiza, sonha, vivencia uma realidade que parece real; uma realidade forjada pelos “donos da comunicação” que fazem nascer os mitos modernos: deuses e deusas da beleza, do esporte, da arte, da alimentação, do vestuário, das academias (físiculturistas ou intelectuais), da literatura, da própria comunicação, todos canonizados, todos glorificados em nome do tudo chamado globalização.

O tudo multiplica o todo e passamos a ser robôs felizes e uniformizados, tudo é previsível, tudo é determinado, computadorizado, tudo nos leva à sujeição (in)visível do espetáculo da globalização.

Tudo passa a ser representação (a este fenômeno os Situacionistas chamam de espetáculo); cria-se o esvaziamento das expectativas sociais e individuais ao mesmo tempo em que se criam expectativas “reais”, urgentes, criam-se necessidades por meio do espetáculo abstrato/concreto que se instaura no espaço social global , destronando a própria vida social e o mundo real.

A economia mercantil- espetacular promove a junção da produção alienada e do consumo alienado, no momento em que se coloca simbolicamente  o maior produto à venda no mercado: a imagem (imagem é tudo!?), desta forma, acreditamos na simulação  de que não existe hegemonia social, a partir do momento  que, pela construção do imaginário assimilado, o indivíduo submete-se a exigências objetivas e alheias, afastando-se de suas necessidades subjetivas, tornando-se um ser alienado.

Segundo Eric Fromm, o homem leva uma vida alienada quando [1]“não se sente como centro do seu mundo, como o criador de seus próprios atos – já que esses atos e suas conseqüências se tornaram os senhores a quem ele obedece ou mesmo cultua.” A globalização, certamente, colocará esta definição no calabouço, pois para  ela as emoções e percepções individuais devem ser anuladas, desviadas, uma vez que a este indivíduo livre- prisioneiro do seu espetáculo, fica vedada qualquer possibilidade de não se perceber como o centro de (seu) mundo, embora o espaço reservado a este indivíduo seja a periferia. Deste jeito, ao anular-se a cultura local, anula-se o indivíduo que passa a ser o nada, reverenciando o tudo globalizante.

Assim, as culturas dominantes vão-se interpondo nos espaços culturais como as ondas que beijam as areias de todas as praias, e vão-se estabelecendo, vão ficando, vão derrubando os castelos culturais  seculares, pois, para a globalização, eles são apenas castelos de areia. O mercado, derrubadas as fronteiras econômicas e políticas, vende seus produtos universalizados, enquanto, atordoados, hipnotizados,  nos rendemos à nova onda  ou nos revoltamos contra os espetáculos promovidos pelas estruturas econômicas e pelos poderes políticos regidos por uma “minoria próspera[2] que empunha seus controles remotos, trocando e misturando todos os canais, deixando perdida e sem controle a “multidão inquieta”.

Onde e como  vivem a minoria próspera e a multidão inquieta? No mesmo espaço? No mesmo tempo? Stuart Hall nos diz que “Todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo simbólicos” (HALL, 1999: 71), mas, quando o espaço é invadido e o tempo diluído, como ficam as referências simbólicas? Como nos situamos neste mundo onde tudo é moldado por meio de artifícios destas representações?

São os modelos simbólicos ancorados no passado que promovem a inquietação e expõem à multidão inquieta o duelo entre as imagens culturalmente construídas (passado) e as imagens habilmente forjadas (presente), neste instante, aparece uma enorme fenda, o jogo da globalização falha. É quando a multidão inquieta consegue perceber  o modo como o tudo se articula, como são feitas as “trocas”(ou seriam as imposições?) e em que lugar a cultura é colocada nesta nova/velha plataforma, e, neste instante, a multidão inquieta tenta romper as barreiras, refazendo o entroncamento cultural.

Então, como se fosse um espelho face a outro espelho, experiências, sensibilidade, subjetividade  transpõem-se em textos e propõem  a liberdade, a resistência, a rebeldia, a capacidade de criação e de recriação, da inovação, da conclusão e da (con)fusão, tentando desconstruir o mundo dos simulacros da globalização.

(Trabalho apresentado – UFF- 2002)

FACETAS DINÂMICAS: globalização e cultura



 

[1] FROMM, Eric. The Sane Society, 1955, p.120

 [2] Noam Chomsky – A Minoria Próspera e a Multidão Inquieta – Entrevista a David Barsamian (Ed. UNB, Brasília, 1993). Ressaltamos que os comentários de Chomsky, neste momento, referem-se às estruturas econômicas e políticas do poder, porém, aproveitamos suas idéias, para reafirmarmos os reflexos da globalização econômica, no campo cultural, onde a minoria articulada comanda a multidão inquieta.

DOR DE AMAR

 

 DOR DE AMAR

DOR DE AMAR  (Autoria: Sônia Moura)

 

O choro veio em lágrimas cascateantes

E ela sentiu que precisava de um colo

Precisava de braços e de abraços

Precisava do aconchego e do amante

Pediu carinho

Ele não entendeu

Só ela sabia o quanto era difícil

Trilhar aquele caminho

Ter que dividir

Amor, braços, beijos e abraços

Que ela gostaria que fossem só  dela

(Sonhadora…)

Assim, invés de chorar

Ela iria sorrir

É tão difícil ter que dividir Amor

Mais fácil é somar

Mais fácil é sonhar

 

Ele pareceu não entender as lágrimas

Pois aquela não era uma dor qualquer

Era a dor de uma mulher

Que tinha que se esforçar

Para conviver com este novo amor

Será que ele entenderia

Um dia

Que aquela era uma dor

De amar?

 

(Do livro: Poemas em Trânsito de Sônia Moura)

 

 

LUZ NA ESCURIDÃO

 

 

 LUZ NA ESCURIDÃO

 

LUZ NA ESCURIDÃO  (Autoria: SÔNIA MOURA)

 

Eram sombras que caminhavam lentamente, arrastando-se na luz do dia como se estivessem em meio a mais forte escuridão.

Os passos seguiam como se os pés estivessem envolvidos por fortes correntes.

De repente… ouviu-se ao longe um estampido e um deles foi ao chão. Os outros pareciam não perceber o que acontecera e, assim, prosseguiram em sua caminhada, arrastando seus pés em meio a quase total escuridão de um dia ensolarado.

Deixando para trás seus rastros, suas marcas e um corpo estendido no chão, os homens prosseguiram em busca do nada, sem sequer olhar para o que estava a sua volta.

Num dado momento, um sino toca ao longo anunciando que alguém havia morrido no lugarejo que parecia também não enxergar aqueles homens e seus aspectos sinistros.

Tudo tornou-se silêncio.

O sol se escondeu por trás de uma nuvem pesada, que surgiu como se fosse do nada.

Tudo era muito estranho.

Neste momento, mais um corpo bate com força no solo e, mais uma vez,  nenhum dos acompanhantes se volta para olhar ou socorrer aquele que iria ficar para trás.

E assim foi até o último figurante desaparecer da fila, despencando no chão duro daquele tarde a qual ninguém parecia enxergar.

Mais tarde, um velho de uma outra aldeia me contou que este era um ensaio sobre a vida e a morte.

Ele me disse que nós não percebemos, mas é deste modo que acontece, seguimos todos caminhando entre a luz e a escuridão, até que um dia tombamos. Os outros precisam continuar.

 

 

(Do livro: Doze Homens Contam de Sônia Moura)

 

LUZ NA ESCURIDÃO

 

 

 

 

A AMPULHETA E O ESCRITOR

 

 A AMPULHETA E O ESCRITOR

 

A AMPULHETA E O ESCRITOR   (por SÔNIA MOURA)

 

O tempo da escrita é o tempo da magia. O escritor senta-se à mesa ou em qualquer canto, põe-se a trabalhar arduamente: lapida, encaixa, constrói, desconstrói, lima, lixa, funde, confunde, explica, provoca, apresenta, representa, pensa, sonha, realiza, duvida, acredita, fantasia.

Quem escreve embarca nas ondas do real e da fantasia, entra no mundo da castidade e da orgia, vivencia o mundo dos contrastes, da sanidade e da loucura, do amor e do ódio, das paixões e da solidão e, embora vivendo as alegrias e as dores do mundo de seus personagens, o escritor é um ser que precisa viver esta solidão acompanhada.

Escrever é criar um mundo próprio, mas que pertencerá a todos, aquele que escreve precisa  envolver-se com o ditames do saber e das ciências sem se deixar por elas se levar, porque quem cria precisa deixar o sentimento fluir, misturando-o com a emoção, por isto lhe é permitido sonhar, lhe é permitido viver entre o sonho e a fantasia.

A escrita é como a água de um manso riacho que, dependendo da tempestade criadora,  pode transformar-se em um mar revolto, transbordando em palavras e em belas cachoeiras metafóricas, simbólicas, sinestésicas, figurativas.

Para os Simbolistas, escritor é ourives, mas ele vai além da ourivesaria, uma vez que todo escritor é pintor, ator, entalhador, marceneiro, bordador, cenógrafo, especialista em sons e em efeitos especiais, pois, o escrito precisa trabalhar a palavra, precisa moldá-la para dar conta de todas as peripécias de sua escrita.

Seja para falar de amor ou de dor, de um presente, de um passado e de um futuro fictício ou supostamente real, aquele que se propõe a escrever sobre a realidade criada ou revivida precisa buscar referências e torná-las evidências, transformando sua narrativa em ancoradouro e em comprovação do real (re)criado.

Então, a ampulheta e o escritor mostram o passar do tempo, no entanto, somente o segundo é capaz de dar novas feições ao tempo, de tirar-lhe a primazia detentora de inatingível. O escritor consegue desbamcar o tempo.

 

 A AMPULHETA E O ESCRITOR

 

 

 

MULHER

 MULHER

 

MULHER  (Autoria: SÔNIA MOURA)

 

Mil cantos que falam de ti

Não conseguem dizer qual o teu tom

Mil cantos que fazem para ti

Não conseguem entoar todo o teu encanto

Mil cantos onde se escondem teus segredos

Não conseguem esconder a doçura do teu pranto

Mil cantos onde moram teus momentos imprecisos

Não conseguem emoldurar teu riso

 

Mil vales por onde se espalha tua garra

Não conseguem decifrar tua coragem

Mil vales por onde passa tua bravura

Não conseguem entender

Como esta convive com tanta ternura

Mil vales que nos paguem para ter a  tua força

Não darão conta de compensar o teu saber

Mil vales que ofereçam por tua sapiência

Não darão conta de entender tua ciência

 

Por que és MULHER

És colo, aconchego, luta e prazer

És guerreira, faceira, maternal e fêmea

És pão, vinho, céu e chão

És sorriso, pranto, acalanto e gemido

És beijos, abraços, carinhos e sofreguidão

 

Mulher!

Eis o mistério que poucos conseguem entender!

 

(Do livro: Coisas de Mulher de Sônia Moura

 

 

A todas as mulheres: PARABÉNS!

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