UNUS + VERSUS

Grand Universe, by Gary Tonge

O que já tem verso no nome

Que é um e ao mesmo tempo é todo

Certamente é filho, pai, irmão, irmã e mãe

do som e da poesia

Não nasceu do todo, nem do um

Pois nasce todo dia

Pelo som do vento

Nos versos da canção

No som dos risos ou dos prantos

No poema de amor

O barulho da chuva no chão

O ronronar dos gatos no telhado

O som do vulcão enraivecido

O som de flor ao ser despertada

O barulho das pisadas na areia

O estouro louco da boiada

É o som “big-ben”que ainda ecoa

Espalhando sons e poesias

Que formam o universo

O olhar de quem ama é pura poesia

O gemido do gozo é poesia mimética

O barulho das ondas é música poética

Pelo som de um violino, de um pandeiro,

De um piano ou de um tambor maneiro

O universo desperta em alegria

Mas, sempre o seu som vem primeiro

A vida é cheia de sons, de cores e poesia

Para que o universo renasça a cada dia

A cigarra canta, o sabiá responde,

Enquanto o coro da igreja anuncia

Alguém que já chega, alguém que se casa

Este é o som do universo renovado

O sino da igreja badalou anunciando

A morte , a dor de uma partida

É o universo chorando a despedida

De cor em cor, de som em som

No universo

Tudo é música e poesia

(Do livro POEMÁGICAS de SÔNIA MOURA)

A escadaria

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Havia muito pouco tempo que ela saíra do orfanato, no qual estivera por 13 anos. Lá viveu seus primeiros anos e naquela casa seus caminhos começaram a ser traçados. Aprendeu a amar as artes, as plantas, as pessoas e a vida. No pouco tempo fora do ninho, a maior vontade era para lá voltar. Como o mundo aqui fora era diferente, difícil. Sentia-se muito, mas muito só, mas continuava a crer na vida.

Fora morar com os tios no Leblon. Uma noite a levaram a uma festa no Humaitá. Até hoje ela se lembra do momento em que subiu a linda escadaria daquele prédio majestoso e, num dos degraus viu uma conta azul reluzente, apanhou-o e a tem até hoje. Nunca mais se lembrou da festa, das danças, lembra-se vagamente que tocaram uma música dos Beatles, mas da escadaria lembra-se de cada detalhe.

Um dia descobriu, aquela escadaria lembrava a primeira vez que subira a escadaria do orfanato, com muitas meninas cantando só para ela, foi a primeira vez na vida que se sentiu amada.

(Do livro Contos e Contas de Sônia Moura)

DUPLOS CLIQUES

Trabalho apresentado por Sônia Moura – Congresso “Sobre olhares” – UFF/ agosto/2006

OLHAR VISIONÁRIO

Para muitos, o olhar do visionário pode-se apresentar de forma obscura no que diz respeito à representação da realidade, pois este olhar circula por um universo misterioso e hermético, que o olhar de outros nem sempre consegue desvendar.

Os diferentes aspectos destas visões em chamas vão-se revelando ao visionário na medida em que este ser privilegiado não impõe coordenadas ou ordem àquilo que é olhado, fazendo com que o real estabelecido perca o equilíbrio e permita o encanto de revelações significativas, assim como o fazem as linguagens poéticas e proféticas, uma vez que entre o olhar e a palavra do visionário flui um íntimo e consagrado diálogo.

Um número ilimitado de experiências, nascidas das realizações de vivências criadas por estes poetas ou profetas – recriadores de sonhos, de fantasias, do tempo e do espaço – estas experiências surgem na forma de representações artísticas, por exemplo, a representação dos ritos e a consagração do mito plantados num mundo nem sempre reconhecido por nós, simples mortais, porque, verdadeiramente, este mundo reflete a imagem de muitas ausências.

Quando se tenta abarcar a realidade em toda a sua plenitude, pode-se ficar condenado a uma espécie de solidão. Aquele, a quem são permitidas as iluminações, alcança uma transcendência que o desviará de um destino terrestre e concreto, o que pode ser entendido como uma difícil solidão.

A primeira marca desta transcendência está acoplada à questão da temporalidade, que por sobrelevar muitos caminhos, transforma também a questão espacial e pela fusão modificadora destes elementos, a difícil solidão converte-se na mais pura liberdade.

As revelações mostradas ao visionário, e por ele a outros desvendadas, colocam-no em nosso mundo com a roupagem de divindade, uma vez que, suas visões provocam um olhar afastado das visões convencionais, então, a progressiva perda da realidade captada por este deus “adorado e excluído” enseja-nos pensar no não pensado.

A duplicidade pepassa toda a configuração do olhar visionário: o dito e o não dito, o visível e o invisível, o começo e o fim, o real e o imaginário, o possível e o impossível, o simples e o complexo, o deus e o diabo, o som e o silêncio, o coerente e o incoerente, o consciente e o inconsciente, o consistente e o inconsistente, o sagrado e o profano.

A partir daí, a presença do duplo, revelada pela palavra e pelo olhar dos visionários, projeta-se, por vezes, pela “metamorfose” em um outro que falará pela boca do visionário, alargando os caminhos dos mistérios, porque um deles, naquele momento estará fragmentado pela influência oculta da presença de um outro.

Deusas secretas, as palavras dos iluminados se apresentam na dicotômica fronteira do mostrar-se a todos e revelar-se a poucos, lançam-se no espaço e dão voz ao olhar. Por serem dotadas de uma magia infinda., esculpem, com tinta ou grafite, o que os olhos vêem, ou melhor, como os sentidos destes escolhidos percebem. Mostrando a tranqüilidade de um beija-flor e a agilidade de um felino. Estas palavras, inteiramente nuas, negam sentidos habituais, destronam significados, criam e recriam metáforas, substituem a noção de verdade pela noção de verossímil, trabalham o significante do signo, enfim, promovem a revolução.

Os “iluminados” incitam o imaginário por suas posturas ambivalentes, sob o efeito do momento sagrado, são eles verdadeiros artistas criam e recriam idéias, palavras, imagens; os profetas conduzem seus rebanhos pela proposta de reformulação da ordem ou da desordem; os xamãs, os pajés, os pais-de-santo e guias espirituais, invocam os poderes sobrenaturais para servirem de intermediários entre estes e os seus.

Germe do mundo, cíclica e adorada, a semente (matriz)ao metamorfosear-se em vegetal recebe todas as homenagens pela ocasião da colheita. No paraíso foi através do fruto, produto do vegetal, que o pecado e o pecador se encontraram e conheceram a ira do Senhor. Alguns ritos profanos, num desdobramento fantástico de novas “leituras”, transformam-se em ritos religiosos por ser impossível apagar a imaginação, assim também a expressão autêntica da visão vive das transferências que se estabelecem entre este e o outro plano.

Tendo como mediadora as diversas demonstrações culturais, o sagrado e o profano unem (mesmo quando fingem se afastar) para ratificar os poderes concedidos aos visionários. Os mistérios da fé, os cânticos (religiosos ou profanos), os ritos, os mitos, os símbolos e a sua perpetuação, mesmo quando sujeitos a toda gama de modificações, colocam o homem em contato com o cosmogânico, com o ovo –gênese do mundo, com a realidade primordial, com a multiplicidade dos seres, com a imagem do mundo e com a sua própria imagem ainda não desvendada.

O duplo barroco emoldura a definição atribuída ao visionário, enquanto a estética simbolista desenha-lhe o olhar e a arte surrealista confere-lhe a primazia de todas as manifestações do subconsciente, das imagens e a faculdade de se expressarem livremente, deixando correr livre o pensamento na sua forma espontânea e irracional.

Guardião da palavra e do olhar , assim como o tempo e o seu divino regresso, mensageiros da memória do mundo, em suas iluminações, o visionário tenta tirar o homem do seu isolamento e do silêncio de um bosque submerso, para que este possa ter o encontro inesperado e presenciar o diálogo entre a sanidade e a loucura.

Apoiados no olhar do visionário, somos levados à presença dos deuses para que possamos participar da representação do imaginário e de sua realidade fundamental: o encontro com os nossos segredos; como os que estão contidos nos arquétipos ancestrais.

Pela estrada afora…

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Eu encontrei alguém numa esquina do mundo
Não sei seu nome ou o nome daquele lugar,
Apenas me lembro de que ali havia a nascente de um rio
E por seu leito descemos, até encontrar a mais linda flor de lótus
Tão linda e tão suave que brilhava ao luar

Olhei em seus olhos e vi a paz a me olhar
Suas mãos seguraram a minha. Fazia frio
Mas ele estava ali para com seu carinho me aquecer
E assim dormimos abraçados, e nos permitimos sonhar

O sol chegou, e eu sem resistir
Continuei com ele a caminhar
Embrenhamo-nos por uma floresta tardia
Subimos montanhas, brincamos com macacos
Olhamos o céu, escutamos o mar

E prosseguimos viagem sem para trás olhar
Tudo era tão calmo em sua companhia e
Ainda que a chuva molhasse nossos dias
Um sol nascido do amor nos aquecia
E muitas alegrias minavam nossa estrada
E seguíamos sem medo de nada

E nos descobrimos nesta  longa estrada…

(Do livro POEMÁGICAS de Sônia Moura)

A Pomba no Telhado

Ano Novo

Era manhã de um novo dia
E lá estava a pomba no telhado
A olhar o mundo adormecido

O barulho dos fogos ainda soava em seus ouvidos
Enquanto o céu se enchia de cores
E toda aquela gente vestida de branco
Aqueles gritos, aqueles risos
Tudo estava em festa, novamente

Ontem, ela sozinha olhando a multidão
Pensou no par que não mais existia
Apertou-se-lhe o pequeno coração
E ela encolheu-se a um canto
E deixou que se esparramasse o pranto

Gritos ecoavam no ar
Saudando um novo ano
Deixando a esperança governar
E, lá de cima, ela, recolhida ao seu pranto
Deixou que um fiapo de alegria dela se apossasse
E saiu voando no meio de fogos e estampidos

Era um voar louco da solidão
Em meio há uma nuvem densa de fumaça negra
Contrastando com o brilho e o colorido
Dos fogos que anunciavam o novo ano, a nova ilusão

E nesse vôo da esperança
Ela, sozinha, feito uma criança
Arriscou-se, fez travessuras,
Soltou a alma, entregou-se a diabruras
Enquanto os anjos acalmavam seu pesar

Voe, menina, voe, pois, embora
A solidão seja velha
Acredite que este será um novo tempo
E neste tempo alguém irá com você
Grandes vôos alçar

Era manhã de um novo dia
E ela ali sozinha no telhado …

(Do livro POEMÁGICAS de Sônia Moura)

À meia noite em ponto

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Há muito já se sabia na vizinhança que Floriano arrastava as asinhas para Clotilde. Em Copacabana, tinha também uma tal de Rosana que deixava Floriano maluquinho, maluqinho…
Ainda tinha a Florisvalda, companheira de viagem, indo ou voltando do trabalho. Era no trem que braços e pernas se tocavam, aquela sensação gostosa percorria o corpo de ambos. Nas primeiras semanas nem um, nem outro se atreveu a falar o que de fato queriam, pois Florisvalda era casada com Macedo, amigo de Floriano, mas um dia, aconteceu, mataram seus desejos, e quase matam uma grande amizade, por pouco o marido de Flor não descobriu. Terminaram tudo. Tudo?
Num dia de sol escaldante, areia fervendo, sangue fervendo, desejos idem, Floriano estava de serviço e, na saída, resolveu tomar uma cervejinha no quiosque mais perto. Ele e Edson aproveitariam o dia, ambos tinham o álibi perfeito, diriam em casa que foram obrigados a dobrar, não tiveram como dizer não, sabe como é…
Foram para praia, no quiosque , um grupo de pagode esquentava mais ainda o dia, mulheres lindas borboleteavam por ali. Floriano cresceu os olhos pra cima de uma lourinha e já não sabia dizer que loura era a mais gostosa, se a cerveja ou a menina com cara de anjo. Dava goles na cerveja e com os olhos comia o corpo seminu da lourinha angelical.
O amigo aconselhou: – Rapaz, vai com calma, já tem mulher demais no seu caminho, calma!
Não adiantou, Floriano não resistiu.
A lourinha fez caras e bocas, ele quis marcar um encontro logo para o dia seguinte, ela abriu um sorrisão sem tamanho, tascou-lhe um beijo, desses de tirar o fôlego de mergulhador com máscara e tudo, e exigiu: – Só serei sua no dia 31 de dezembro, à meia noite em ponto, você pode, não pode? Você me quer, não quer? Ele disse que sim para as duas perguntas. O dia 31 estava tão perto. Resolveu esperar.
Floriano chegou em casa fazendo cara de triste, cabisbaixo. Elizabeth recebeu-o com carinho, e perguntou o porquê de sua tristeza.
– Vou ter que trabalhar dia 31, lá em Copa, chato, não? Todo mundo festejando e eu lá feito um dois de paus. Isto não é justo, não é! Falou.
Meigamente, Elizabeth foi para mais perto do companheiro, beijou-lhe o rosto, afagou –lhe os cabelos, pedindo para que não ficasse triste, eram ossos do ofício, ela compreendia. Elizabeth era muito compreensiva. Disse também que à meia noite em ponto faria um brinde para ele. Floriano riu meio sem graça com uma pontinha de culpa, coçou a cabeça, e… quase desistiu.
Dia 31, à meia noite em ponto, enquanto Floriano, ansioso, aguardava a sua loura angelical, uma Elizabeth endiabrada gemia nos braços de Tadeu. E, à meia noite em ponto, ergueu um brinde ao marido, sem culpa, sem remorso, sem dó.
Gargalhou e beijou sofregamente o outro.

(Do livro Minimamente Crônicas de Sônia Moura)

O NATAL JAMAIS SERÁ O MESMO

Pensava em minha inesquecível amiga. Quanta saudade! Com ela aprendi tanto, e, infelizmente foi com sua partida que aprendi que a ausência plantada pela morte é cruel. Ah! Amiga, que falta você ainda me faz…
Acho que pensei alto.
– Ela deve ter sido alguém muito importante, falou minha neta. Ela era professora, vovó?
Afaguei-lhe os cabelos anelados e sorri para a sua juventude
– Fala sobre ela, fala, insistiu.
Sempre contei histórias para meus netos. A arte de contar histórias faz parte do enredo da humanidade; é marca de continuidade, de aproximação, mas, neste dia…
Peguei na gaveta um velho papel amarelado e entreguei à Gabriela. Leia, aí está parte da história de uma grande amizade. Conte esta história para mim.
Gabriela acomodou-se, cruzou as pernas e começou a ler. Eu já sabia este texto de cor, mesmo assim, cada palavra solta no ar me emocionava, fazia minhas lágrimas saírem de seus esconderijos e virem olhar o dia.
“Minha amiga se foi. Antônia ,que chegava sempre “processa”, se foi.
Eu nunca consegui entender quando as pessoas diziam : – Depois da morte de minha mãe, o natal nunca mais foi o mesmo. Bobagem, pensava eu, a vida continua. É, de fato a vida continua, mas só agora pude entender o vazio deixado por alguém tão querido e como, em certos momentos e em certas datas, essa dor se agrava.
Por quantos natais ela esteve comigo, este dia (a véspera de natal) era sagrado para nós, tínhamos um pacto de sangue e ela largava a casa e só após me ajudar a preparar a ceia de minha família, depois de um dia de trabalho, voltava a casa para preparar a sua própria ceia. Ah! Antônia você nem sabe a falta que faz, você com o seu gênio difícil compensado por uma bondade infinita e uma inteligência que poucos, por certo, terão percebido, foi amiga fiel e confidente por longos e longos anos.
Quantas lições de vida você me deu, quantas vezes chorei no seu ombro, que aliás, na minha enorme carência afetiva, se afigurava como o ombro da mãe que eu nunca tive. Meu Deus que amiga fabulosa!
Falávamos sobre nossos problemas, às vezes chorávamos, mas com certeza, no final ríamos muito de tudo e de todos. Quantos segredos meus foram levados por você e quantos dos seus ficarão comigo? É parceira, isto só nós duas sabemos.
No natal de 1998, você já não pôde vir-me ajudar, pois a doença maldita não permitiu, eu senti falta e sabia também que você não viria nunca mais, esta doença é cruel e implacável, mas no fundo, embora a razão saiba disto, a emoção se recusa a aceitar a verdade e nos tornamos crianças, e voltamos a acreditar em Papai Noel, então fiz a ceia como se isto não estivesse acontecendo, mas agora, amiga, é definitivo, você está em outro plano e certamente está muito bem colocada e sei que está rindo muito lá de cima, Antônia, você sempre foi feliz, mesmo que a felicidade se recusasse a se aproximar, era puxada na marra para perto e não tinha como fugir – tornava-se uma dócil prisioneira.
Quantos momentos bons ou ruins dividimos? Mas uma coisa me consola, sei que você, a seu modo, viveu intensamente, viveu o que pôde e até mesmo o que não podia, mas como era valente, encarava o que a vida mandava e seguia em frente. Por vezes pode ter sido condenada, porém, não se amole, amiga, se foi o próprio Jesus quem disse: “Aquele que tiver sem pecado, atire a primeira pedra”. – Quem somos nós, reles pecadores, para julgarmos o próximo, na verdade o que você sempre tentou foi ser feliz; e não estamos aqui para isto?
Vai amiga, vai com Deus, vai alegrar o céu, não se esqueça de mim, saiba apenas que sem você o natal jamais será o mesmo.”
Esta foi a mensagem que escrevi após a morte de Antônia, no meio de uma dor imensa…
Gabriela continuava a “ler”. Como? Eu conheço este texto palavra por palavra, sei onde se aloja cada vírgula, e o texto estava terminado: fim! Gabriela continuava…
Antônia, reconstruo sua imagem com palavras. Quero uma música terna para sustentar a dor em meus ombros. Os acordes desta canção estão em descompasso com a tristeza do meu coração, melhor ouvir outra coisa, mais lenta, mais solene, o momento é solene, minha dor é solene, o que escrevo é solene.
Sabe, amiga, lembranças que viviam em endereços escondidos foram descobertas, saíram às ruas e bailam à minha frente, provocam-me. Rio disto, lembram-me de você e de suas histórias, fazem cócegas em meus pensamentos, saem aos borbotões. Provocam-me lágrimas e risos. Lembranças envoltas em transparências azuis bailam na calçada,carregam guizos e fitas. E bailam, bailam… Não querem conversar, só querem bailar… bailar… estão soltas no ar…
O movimento das cortinas, lembra-se? – aquelas de que você tanto gostava – me trazem de volta… Solto a mão da lembrança. Um novo natal se aproxima, um novo natal que jamais será o mesmo dos tempos de Antônia. Jamais!
Gabriela falou com a doçura dos jovens: – Lindo! Vovó, lindo! E me devolveu o papel que agora não me parecia tão amarelado. Azul? Azul? Engraçado, volto a olhar aquele pedaço de papel há tanto tempo guardado. Procuro ver o texto, continuava como antes.
Chamei por Gabriela. Veio enxugando os longos cabelos anelados.
– Você esticou o meu texto, não foi? Está-me saindo uma bela escritora.
– O quê, vovó? Eu? Não, só li o que está escrito aí. Vozinha, acho que você deu uma cochiladinha. – Deu-me um beijo e saiu.

(Do livro  DOZE MULHERES CONTAM de Sônia Moura)

Aconteceu no norte

Aurora Boreal e Venito Boreas se encontraram num dia de grande movimento na região setentrional. Dizem que foi amor à primeira vista e, apesar da confusão que tomou conta do lugar, dizem, também, que provocada por Boreas, não teve jeito, quando os olhares se cruzaram, Boreas diminuiu sua marcha, enquanto Aurora brilhou ainda mais.
Boreas bem que tentou seguir sua trilha, precisava ir, era seu trabalho, mas, qual, ali ficou praticamente como se fora um “vento parado”, encantado com a linda menina, que tinha um brilho único, mesmo àquela hora da manhã.
Os efeitos dessa paixão avassaladora foram sentidos a longa distância, a natureza sofreu com o abalo dessa paixão.
Os seres viventes sentiram que algo tinha saído do lugar, a natureza parecia mais alegre e, ao mesmo tempo, parecia que tudo estava em desordem. Imediatamente os cientistas, filósofos, teólogos, cartomantes, astrólogos e todos os “istas” foram a público tentar explicar o que estava acontecendo. Todos achavam que podiam explicar a paixão. Tudo em vão.

Foi assim que, em pouco tempo, usando um colar de contas na cor lilás, um lindo vestido branco, com um véu esvoaçante e levemente rosado que Aurora subiu ao altar para encontrar Boreas que lá estava com um ar meio despenteado, um sorriso abobalhado, ante a beleza da amada.

Acalmem-se todos, pensou Zeus, um dos padrinhos, logo tudo voltará ao normal.
(Do livro Contos e Contas de Sônia Moura)

Mensagem da mãe Natureza

ilha da lua e estrelaEmbora essa possa ser uma fotomontagem, eu prefiro crer que seja uma montagem da própria natureza.

Confiando na segunda hipótese, pergunto:

O que a mãe Natureza deseja nos mostrar através dessa imagem?

Não posso precisar se estava dormindo ou acordada, se foi sonho ou se é realidade, mas creio ter ouvido da mãe Natureza seguinte mensagem:

– Meninos, fala-nos a mãe Natureza, há um céu aqui na terra. E, embora possa parecer parodoxal um céu encravado em pleno mar, essa é apenas uma confirmação da união que deve existir entre os meus filhos. Homens! Mulheres! Crianças!, acordem, vocês fazem parte da minha prole, se integrem e não destruam seus irmãos: o mar, o ar, as florestas, enfim não destruam a nossa família.Deixo para vocês a minha bênção e deleitem-se com esta bela imagem

Dá até Show!

Dá até show! por SÔNIA MOURA

“ O mundo presente e ausente que o espetáculo
faz ver é o mundo da mercadoria dominando
tudo o que é vivido”
(Guy Debord)

Em tempos de globalização econômica e cultural, somos colocados frente a telas que nos dão visões culturais multiplicadas e, ao mesmo tempo, unificadas, histórica, econômica e ideologicamente. Igual, tudo igual. Será mesmo verdade? Ou haverá marcas de um passado em que o que marcava de fato eram as diferenças? Continue lendo