O PAPEL DO PAPEL

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Leiam:

“Empresa lança papel higiênico literário na Espanha” [por Anelise Infante]

“O velho hábito de ler no banheiro ganhou um componente moderno: o papel higiênico literário.”

“A empresa espanhola Empreendedores está lançando rolos de papel especial onde aparecem impressos clássicos da literatura mundial para que o usuário vá lendo enquanto permanecer no banheiro. O produto, vendido só através da internet, inclui trechos de literatura clássica, teatro, poesia e até textos sagrados da Bíblia e do Budismo.”

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/ – VIA – www.niu.com.br

Essa novidade, pode ser interessante, mas, certamente, irá gerar conflitos.
Ler os textos gravados no papel higiêncio?
A resposta pode ser –Sim!
E depois?
Dar a este papel higiênico, que contém tantos ensinamentos, sentimentos, alegrias ou angústias, um papel “menos nobre”?
Por outro lado, o papel do papel higiênico será sempre o mesmo, e, reconheçamos, é de grande importância. Mas… Será que combina com a literatura?
Então… o que fazer? Ler e usá-lo ou ler e guardá-lo sem uso?
Algumas novidades, aparentemente interessantes, podem nos confundir.

E como na vida, cada um tem o seu papel, deixem ao papel higiênico o direito de cumprir o seu papel.

BEM-QUERENÇA

COMEMORAÇÃO

Presentes escondidos em lugares secretos
Embrulhados pela emoção da gente
Algo de sal para alimentar o corpo,
E uns docinhos em calda com um queijo branco
Balinhas, balões e um bom vinho
Para aninhar a alma e o coração
Lá estão onde todos se encontram, riem
Enquanto olhos, olhares e luzes brilham em muitos céus
Para a estrela da bem-querença (re)nascer
Amparada por sensíveis orações
Em forma de velhas canções.

Família reunida, amigos reunidos
Flores úmidas para o ambiente perfumar
Corações a se alegrar com a música que rola sem parar
Aplaudida por risonhas vozes que se espalham pelo ar

É tempo de amor, é tempo de amar
É tempo de viver, é tempo de se ver

– Que tempo é esse?

– É passado, é futuro e é presente
Pois, para se fazer uma festa
Basta querer, bem,
E bem-querer, também!

[Do livro POEMÁGICA de Sônia Moura]

CAFÉ DA MANHÃ

café da manhã

Uma grande felicidade é tomar o café da manhã junto com quem se ama, sempre que possível. É muito bom!

Que coisa gostosa, dentro da xícara, que descansa sobre a mesa, o café fresquinho, a exalar seu cheiro pelo ar, faz par com o leite com jeito de fazenda.
O suco de uma fruta vai colorindo a mesa; pães e bolos se entregam a bocas famintas que se completaram na noite ou na madrugada anteriores e que neste café da manhã se locupletam, se reencontram, e ainda se procuram, só que agora, bem mansamente.

E, enquanto cores e sabores se misturam ao amor, deixando mais claro o dia que nasce, para que, mais uma vez, o amor faça a sua festa.

[É por isso que toda propaganda de margarina faz tanto sucesso.]  

A FLOR DA MORTE

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Morava à beira mar, numa cidade pequenina, aconchegante, onde a vida passava devagar. Tudo era muito calmo, somente o sino da igreja quebrava o quase silêncio daquele lugar.

Um dia, no pequeno lugarejo, surge um construtor ávido por lucros e resolve promover a cidade: novas construções, novos projetos, tudo, tudo novo. Foi neste momento que o  destino resolveu trabalhar e tudo mudar. Para melhor? Para pior? Difícil dizer.

Para alguns, o lucro rápido e a ascensão econômica, política e social era a certeza de que a mudança foi benéfica, ao menos para suas contas bancárias. Outros, menos afortunados, queixavam-se que a paz se afastou da cidade, quando muitos estranhos lá aportaram.

Mas, para Clara, pouco importava o que estava acontecendo, pois a moça tinha o seu jardim secreto, onde somente ela poderia chegar. Clara julgava-se protegida contra todas as mudanças.

Mas, haverá esconderijo para Eros ou para Tânatos?

Ao conhecer Francisco, homem vivido e sedutor, Clara deixou-se levar por sua lábia e deixou-o penetrar no seu jardim secreto. Ele colheu a rosa que queria, presenteou-a com uma conta cinza, cor da desesperança e do desespero e, depois, partiu sem dizer adeus.

Assim é que Eros deu lugar a Tânatos no jardim secreto de Clara, tomando conta de sua vida para sempre e, a partir daquele abandono sem nenhuma explicação, um coração estraçalhado foi plantado no jardim, agora já não mais secreto, e naquele lugar, uma flor, em forma de coração e  com as pétalas partidas, nasce todo os anos, sempre no dia 21 de agosto.

[Do livro CONTOS e CONTAS, de SÔNIA MOURA]

“EU TENHO UM SONHO”!

acorrentados

Ao ler, pela internet, um informativo sobre a história da luta dos negros nos Estados Unidos, em que os nomes de seus líderes se mostra, pensei:  – Certamente haverá algo na internet sobre a liderança ou sobre os líderes negros no Brasil.

No entanto, o que encontrei foi desanimador e triste, ou seja, encontrei quase nada.

Num dosites encontrei uma pesquisa, cuja pergunta era: “Quais os líderes negros que mais se destacaram?” , assim mesmo, sem dizer época ou país.

A maioria absoluta dos internautas respondeu à pergunta citando nomes como: Kunta Kintê, Malcolm X, , Idi Amin Dada, Touissant Louverture, Nelson Mandela, Patrice Lumumba, Martin Luther King, Agostinho Neto, Kwame Nkrumah.

E os líderes negros brasileiros?
Ah! Que decepção, apareceram somente em cinco respostas, eis algumas delas (Como esclarecimento, um pouco sobre os brasileiros citados):

R – … um cabo da marinha conhecido como almirante negro na época da Revolta da Chibata

João Cândido e A Revolta da Chibata: Os marinheiros nacionais, quase todos negros ou mulatos comandados por uma oficialidade branca, em contato cotidiano com as marinhas de países mais desenvolvidos à época, não podiam deixar de notar que as mesmas não mais adotavam esse tipo de punição em suas belonaves, considerada como degradante. O uso de castigos físicos era semelhante aos maus-tratos da escravidão, abolida no país desde 1888.

R – No Brasil: – Zumbi, líder do Quilomobo dos Palmares (1695) e o – Mestre-de-Campo HENRIQUE DIAS, comandante de um Terço, que combateu os holandeses, em Pernambuco

Zumbi dos Palmares: Zumbi nasceu livre em Palmares, Pernambuco, no ano de 1655, mas foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado “Francisco”, Zumbi recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa. Apesar das tentativas de torná-lo “civilizado”, Zumbi escapou em 1670 e, com quinze anos, retornou ao seu local de origem. Zumbi se tornou conhecido pela sua destreza e astúcia na luta e já era um estrategista militar respeitável quando chegou aos vinte e poucos anos.

Henrique Dias: Devido aos serviços prestados, recebeu títulos de fidalgo, a mercê do Hábito da Ordem de Cristo e a patente de Mestre-de-Campo. Conhecido como Governador dos crioulos, pretos e mulatos do Brasil, envolveu-se ainda na repressão a quilombos, tendo sido cogitado pelo Vice-Rei Marquês de Montalvão, em novembro de 1640, para combater um quilombo no sertão da Bahia, o que foi recusado pelos vereadores de Salvador. Como Mestre-de-Campo, comandou o Terço de afro-brasileiros do Exército Patriota nas duas batalhas dos Guararapes (1648 e 1649), vindo a falecer em 1662, oito anos após a vitória sobre os holandeses

R – … como desportista o Pelé.

Pelé: Recebeu o título de Atleta do Século de todos os esportes em 15 de maio de 1981, eleito pelo jornal francês L’Equipe. No final de 1999, o COI, através de uma votação internacional entre todos os Comitês Olímpicos Nacionais associados, também elegeu Pelé o “Atleta do Século”.

EU TENHO UM SONHO…
Desejo que também surja em meu país um KING, e, com a mesma paz, o mesmo amor e a mesma serenidade do pequeno – grande Gandhi, deixe entreabrir muitas, mas muitas Rosas nos parques, e que nossas crianças venham a sentir orgulho de sua cor, seja ela, branca, amarela, vermelha ou negra.
A cor da pele realmente não importa, porque todos precisamos nos conhecer, criar laços, construir identidades.
Todos precisamos nos reconhecer, porém, o apagamento da imagem, o silêncio da verdade ou a reclusão histórica, embota a luz que deve brotar naturalmente em todos nós quando pensarmos em nossa história de vida e em nossos antepassados. Assim, que os nomes de negros, brancos e índios do nosso Brasil, possam ser mostrados, para que todos venhamos entender que vivemos sob a luz da mesma bandeira.

EU TENHO UM SONHO…

Um dia iremos entender que, neste planeta, só existe uma raça: A RAÇA HUMANA, e todos somos iguais, ao menos, nesta classificação: somos humanos, demasiadamente humanos! Assim, ao menos biológica e sociologicamente estaremos todos acorrentados uns aos outros, sempre, sempre.

Tempo!!!!!

 Carrasco

Ato sexual ideal dura de 3 a 13 minutos, diz estudo

“Uma relação sexual satisfatória dura entre três e 13 minutos, de acordo com um novo estudo realizado por pesquisadores da Universidade Penn State, no Estado americano da Pensilvânia.” Compilado do site: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story – via – www.niu.com.br]

É sério, eu gosto mesmo desse tipo de pesquisa, elas são fabulosas, mas, com todo respeito, na maioria das vezes, os resultados finais são engraçados.

Quando li esta notícia, imaginei uma cena interessante:

Um casal, na cama, fazendo sexo, e, numa mesinha próxima, um enorme relógio de onde, a partir do terceiro  minuto até o décimo terceiro minuto , sairia um ser encapuzado, um verdadeiro  carrasco,  a gritar: -Tempo! Tempo! Tempo!

E o casal a implorar: – Por favor, só mais uns minutinhos, por favor!

No entanto, o implacável “carrasco” continuaria a gritar: -Tempo! Tempo! Tempo!

Arrasados e com o clima do amor em total descontrole, só restaria ao casal conformar-se e ir dormir, ou, mais ousadamente, enfrentando a ciência, jogar aquele “homem do tempo” pela janela ou quebrá-lo em pedacinhos e tentar retomar o tempo perdido, agora sem tempo certo nem para começar e muito menos sem tempo  para terminar, bradariam: 

– Dona Ciência, dá um tempo!

DICAS PARA O LAR

 DICAS PARA O LAR

Já faz um tempinho que, cheia de amor no coração, escrevi essas “dicas” para ajudar uma menina recém-casada, não sei se ela aproveitou alguma dessas “dicas” e, hoje, me pergunto: Será que isto ainda faz sentido?

COZINHA

1 – Economize Tempo:

a) Deixe potinhos na geladeira com temperos cortados: cebola, alho, salsa e cebolinha picados e, prontos para o uso;

b) Ou use os temperos desidratados;

c) Refogue com óleo, temperos e um pouco de sal uma quantidade razoável de arroz, coloque em potinhos e congele. Na hora de consumir, ferva água numa vasilha à parte, ponha o arroz descongelado na panela adequada, dê uma leve refogada (lembre-se de que o arroz já está com temperos e sal) , coloque a água fervente, se necessário acrescente mais sal e deixe cozinhar.
d) Lave bem as verduras e coloque de molho por meia hora em água com vinagre *1 litro de água + 03 colheres de sopa de vinagre ou uma colher de sobremesa de água sanitária* , deixe escorrer bem a água ou seque num pano de prato (já existe uma “máquina” apropriada para secagens de legumes) e guarde na parte de baixo da geladeira em sacos plásticos bem vedados (à venda nos mercados), não se esqueça de tirar o ar do saco.
A verdura limpa e seca conserva-se por um bom tempo na geladeira e, quando fizer uma salada, por exemplo, faça o tempero para que seja acrescentado na hora da refeição, individualmente, este procedimento manterá as folhas de alface e outras mais viçosas.

e) Carne assada, moída ou picadinha – podem e devem ser congeladas em pequenas porções, pois servem para fazer molho para macarrão ou como complemento.

2 – Frutas, legumes e verduras devem ficar na parte inferior da geladeira.

3- Não deixe vasilhas com sobras de comida, leite, etc. sem tampa na geladeira, cubra-as com a própria tampa ou com filme.

ROUPA (LAVAR)

1 – O sabão em pó deve ser bem dissolvido.

2 – Não misture roupas claras com roupas escuras ou de cores fortes como vermelho, amarelo, etc. ou mesmo com roupas escuras (preto, marrom,etc.)
3 – Somente as roupas de cores claras podem ficar por um tempo maior de molho, roupas “coloridas” , quando for realmente necessário deixar de molho por o menor tempo possível.

4 – Não torcer roupas de tecidos finos , o melhor é apenas espremê – las e, também, não pendurá -las, deixe-as secar sobre uma toalha de cor clara e sem estampas.
5 – Não esquecer de colocar o amaciante de roupas na máquina na hora de enxaguar e ao estender a roupa, procure sacudi-la bem, estes procedimentos ajudam muito na hora de passar.

ROUPA (PASSAR)

1 – Recolher e dobrar cada peça de roupa, pois assim a roupa não ficará tão amarrotada.

2 – Evite ligar o ferro para passar uma ou duas peças. Deixe juntar uma boa quantidade de roupa para passar, desta forma, economiza-se energia elétrica.

3 – Observe o tipo de tecido e programe o calor adequado ao tecido.

4 – Mantenha a tábua de passar roupas, forrada com o material que armazene calor.

5 – Antes de começar a passar a roupa, ainda com o FERRO DESLIGADO, verifique se a base deste está limpa, se ela não estiver limpa, passe uma vela ou esponja de aço – com o FERRO DESLIGADO. Atualmente os ferros elétricos , em sua maioria, são autolimpantes.

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LIMPEZA

1 – procure manter a casa sempre varrida, a cama arrumada, os objetos nos devidos lugares, isto facilita o serviço.

2 – Não acumule trabalho. Escolha um dia para fazer uma limpeza maior no(s) banheiro(s), outro, para sala e quartos, outro, para cozinha.

ATENÇÃONão use produtos de limpeza sem antes ler as recomendações do fabricante, isto é muito importante.
Leia sempre o manual de instrução dos aparelhos eletrodomésticos.

ETERNAMENTE

Quinta-feira, 27/03/2008

É proibido morrer em uma cidade da França

“O decreto do prefeito de Sarpourenx é um protesto contra a decisão da cidade vizinha de proibir a ampliação do cemitério para seus limites. Ele espera que os idosos tenham vida longa.”[Compilado do site http://video.globo.com – via – www.niu.com.br]

(UM POUCO DE GRAÇA PARA ANIMAR OS CORAÇÕES)

O decreto do prefeito, perfeito está,
e, mesmo sem saber se vai “funcionar,
aconselho a cada um a morar em Sarpourenx
e para sempre durar.
Eu sou a primeira
A para lá me mudar

O ENIGMA DO ENIGMA

Kaspar Hauser (Sobre o filme O ENIGMA DE KASPAR HAUSER)

Disse a esfinge: “- Decifra-me ou te devoro!” A lenda se reprisa e leva o medo a comandar o homem e seu destino, então, este segue tentando decifrar os enigmas alheios, quando, na verdade, não consegue decifrar os seus próprios enigmas.

Somos cegos ao óbvio, preferimos escutar o silêncio a ouvir qualquer grito, escondemo-nos atrás de nós mesmos, atrás de dogmas, de convenções, atrás de leis. Nós somos o verdadeiro enigma.

O que fazemos ao semelhante se ele é apenas “diferente”?

Somos únicos e não percebemos isto, porque não queremos ver as diferenças. Difícil é desmontar a estrutura montada, difícil é olhar o mundo sem usar as muletas dos olhares alheios, difícil é se afastar do refúgio primeiro – a caverna matriarcal e não se tornar prisioneiro voluntário de um cenário, tingido com tintas sombrias, denominado mundo.

O Enigma de Kaspar Hauser* traz à baila a realidade contingente do mundo e apresenta um homem confuso, agarrado a sua barra de solidão, forçado a tentar alcançar um caminho estranho , lançado numa floresta social que vai impor-lhe uma idealidade de valores existenciais tipificados.

Através de imagens, diálogos, fatos, jogos de luzes e movimentos, as possibilidades de representação de um contexto social movem-se entre o real e o imaginado.

O desenrolar da narrativa , pela linguagem cinematográfica, estabelece condições para que a própria personagem defina por palavras e atos como realmente vê o mundo, mesmo quando o curso circunstancial da história impõe-lhe mudanças de comportamento ou quando o contexto social insiste em anular-lhe a individualidade e o modo de ele sentir o mundo.

Os olhares, que primeiro pensam ver Kaspar Hauser, não pretendem vê-lo, na verdade sequer olham para o mesmo, são os olhares dos poderes e dos poderosos, são os olhares socialmente padronizados,cheios de curiosidade e total indiferença ao semelhante, que vão traçar o perfil histórico, psicológico e comportamental, desenhando-lhe uma silhueta sem alma.

O elemento diferenciador, dentro do mundo- caverna de Kaspar Hauser, era o cavalinho de madeira. Quem teria deixado ali o  cavaleiro e o cavalo?

Segundo Chevalier e Gheerbrant (Dicionário dos Símbolos).“…os psicanalistas fizeram do cavalo o símbolo do psiquismo inconsciente ou da psique não humana, arquétipo próximo ao da Mãe, memória do mundo, ou então ao do tempo, porquanto está ligado aos grandes relógios naturais, ou ainda, ao da impetuosidade do desejo.”

Enveredando pelo caminho da evocação simbólica, Herzog ergue a ponte entre o consciente e o inconsciente e faz ressurgir memórias, colocando, ante o espectador atento, a possibilidade do questionamento da postura e da atitude frente à vida, sobre o modo de ver o mundo particular e o mundo geral , instigando-o a ver além das aparências do que se move na tela e do que se move no mundo.

As imagens transmutadas para a tela, se vistas pela lente da reflexão e não pelo simples ato de enxergar, permitirão, certamente, uma leitura crítica resultante, não da questão meramente estética ou de umas das funções do cinema – entretenimento, e sim do lineamento perceptivo dos questionamentos apresentados.

Aproximando o espectador cuidadoso de uma postura crítica, por meio de associações simbólicas, por exemplo, o pássaro preso (primeira tomada) e o pássaro livre sendo alimentado por K.Hauser (tomadas posteriores); as frestas pelas quais é permitido ao personagem central ver o mundo, sem ser visto por ele, são recursos que fazem os pensamentos se convergirem para uma análise cuidadosa da trama central do filme: os equívocos nascidos de visões e percepções insuficientemente delineadas por uma sociedade impiedosa e pouco interessada em ver o outro (salvo uma única exceção- as dos que vêm o mundo com os olhos da igualdade e/ou desprovidos de preconceitos).

A ilusão de que Kaspar Hauser está sendo visto é pintada com pinceladas da curiosidade desperatada pelo que chega, mas são as intenções deformadoras destes olhares que apagam a ilusão, retirando as máscaras diluídas pela intenção ficcional.

Marionete nas mãos de muitos, a começar por sua caracterização física, o protagonista torna-se motivo de todas as formas de especulações que vão da sua origem até depois de sua morte, sempre na tentativa de decifrar-se o que para olhos vendados por convenções e juízos de valores transforma-se em enigma.

As versões sobre o seu passado e a sua origem transitam entre o ideal do cavaleiro das Novelas de Cavalaria; retomado pelo mundo Romântico, bem como, a origem nobiliárquica, roça o ideal do “bom selvagem” do pensador iluminista Jean-Jacques Rousseau e culmina com a negação do ser, colocando sua origem atrelada a dos reles mortais, inexpressivo e desinteressante para o jogo social.

Após sua morte, os cientistas tentam justificar ou explicar o inexplicável, no entanto, para o espectador cuidadoso, logo privilegiado, a esta altura do filme, a imagem essencial da personagem, permanece vitalizada e a autópsia a ser feita não é em Kaspar Hauser e sim no corpus da visão comportamental de uma sociedade que não consegue perceber, não consegue sentir, restando-lhe então “alegrias” da lavra de um grande processo e a imagem da empáfia com seus enormes óculos escuros a tentar justificar-se por meio de necrópsias.

Kaspar Hauser e sua perpcepção do mundo derrubam conceitos científicos, ironizam o estabelecido e apontam o jugo do saber científico que, quase sempre, não admite novas formas de pensar, este é um grande trunfo de poder, por isto é domínio de poucos.

Quem realmente vê é o cego, ou melhor, apenas um deles, o cego do mundo do sonho, pois o cego do “mundo real” não enxerga, não fala, não ouve e não reage, este cego não é guia, ele é guiado, assim se apresentam as outras personagens deste filme, teleguiados, cegos por olharem apenas para o que julgam ser real, afastam-se do sonho e da fantasia Quando percebermos que o sonho e a realidade se confundem e (é bom que assim seja) se completam, por certo teremos alcançado uma visão de mundo mais clara e eficiente.

A lógica plausível de Kaspar Hauser reflete sua concepção de universo e coloca-nos frente a duas esferas espaciais, alertando o cético e o científico de que outros caminhos existem: as percepções sensoriais, a experimentação, a objetividade e a subjetividade.

A câmera instiga o olhar ao passear por imagens da imagem – a que se reflete e a que se permite refletir na água da tina. A primeira torna-se pouco visível, distorcida , confunde e pode-se fazer confundir, tudo vai depender de como a mão manipula o espelho da/de água.

Verdade/mentira; sonho/realidade; vida/morte são grandes enigmas que a humanidade insiste em decifrar. Mas o Enigma de Kaspar Hauser,  símbolo do próprio enigma de cada um de nós, é muito difícl de ser resolvido e o monstro do medo pode-nos devorar, só há uma saída: matar a esfinge.

“A verdadeira história eu não sei”, assim falamos pela boca de Kaspar Hauser.

Filme – título original: Jeder Für Sich und Gott Gegen Alle (Alemanha, 1974) Diretor: Werner Herzog

SINOPSE: Em 1828, em Nuremberg, o misterioso jovem Kaspar Hauser é deixado em uma praça após passar toda a vida trancado em uma torre. Aos poucos, ele tenta se integrar à sociedade e entender sua complexidade.

[Por SÔNIA MOURA – UFF 2003]