FACETAS DINÂMICAS: globalização e cultura

 

 FACETAS DINÂMICAS: globalização e cultura

1   FACETAS DINÂMICAS:  globalização e cultura   [Parte I] –  (Autoria: SÔNIA MOURA)

                       

 1.1      O TUDO – a globalização

         O fenômeno denominado globalização espraia-se no mundo contemporâneo, ora como ondas leves que vêm-se banhar na areia de qualquer praia ou como ondas rebeldes de um maremoto ou mesmo nascidas de um furacão e  que podem chegar a vários lugares destruindo tudo ou quase tudo: cultura, hábitos, costumes.

O discurso contemporâneo consagra e legitima a nova ordem hegemônica por meio da onipresença, onisciência e a onipotência econômica, colocando a globalização no centro do mundo e como o centro deste, para onde tudo e todos deverão convergir. O núcleo deste “novo” sistema afasta para a periferia a autonomia, a independência e a diferença cultural, desnorteando as forças identitárias ou forçando-as a lutas constantes para que sobrevivam. Atentemos para a colocação de José Luís Jobim:

“No contexto discursivo em que  se pretende legitimar uma nova ordem, talvez seja o caso de colocar em questão qual é o centro  desta nova ordem – em relação ao qual  se constitui a “periferia”. Isto porque o discurso da globalização freqüentemente apresenta  pretensões ao absoluto, ao ilimitado, irrestrito e universal.” (JOBIM, 2002: 35).

O conceito de centro e periferia está preso à questão espacial, e a globalização é um fenômeno predominantemente espacial. Deste modo, partindo da invasão e superposição dos espaços, tudo e todos se voltam para a mesma direção.

A globalização é o sol em torno do qual tudo e todos devem gravitar, depender da sua luz e do seu calor, então, ao invés de todo mundo se  iluminar com os saberes e fazeres alheios, com outros modos de ter e de ser, tudo torna-se pastosamente igual e, pelas leves ondas tecnológicas da comunicação global, a cultura dominante se esparrama, invade praias alheias, invade o espaço alheio, e de acordo com os interesses, particularmente os econômicos, esta pode modificar ou mesmo eliminar outras culturas.

Como os indivíduos, as culturas também vivem em tempos e em espaços diversos e historicamente diferenciados, Novalis diz que “tempo é espaço interior, espaço é tempo exterior”, logo, percebe-se que tempo e espaço deveriam estar  sempre e indubitavelmente entrelaçados. Porém, a sedutora globalização  aparece como elemento desagregador desta dupla dinâmica, ao privilegiar o espaço e diluir  o tempo em muitos tempos a um só tempo. E é através do espaço dissolvido, uniformizado, artificializado e desterritorializado  que a globalização propaga seus aspectos positivos e “anula” os aspectos negativos.

Guy Debord faz a seguinte afirmação: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação.”. (DEBORD, 1997: 13). Ao assegurar que a vida real é vivida através da imagem e do ilusório – ampliado, multiplicado, reproduzido, cuidadosamente pela mídia – o pensador nos apresenta uma sociedade simplificada, apontando para o nosso papel único de espectadores constantemente expectados, controlados pelos olhos da mídia globalizada, que também controla nossos olhares, deste modo, manipulados por titereteiros hábeis, seguimos arrastando nossas correntes espetacularmente leves, adorando o deus maior da nossa “democracia social”, na qual o espetáculo globalizado é tudo.

É no espetáculo “mitologizado, mitificado, ritualizado”, no sensacional e no simulacro que a sociedade se contempla e se completa, e o global engole fácil a sua presa local. É para ele – o espetáculo – que o olhar do sujeito desamparado se volta à procura de qualquer marca que lhe ofereça algum sinal de pertencimento, de identificação. A mídia faz o espetáculo e a busca do indivíduo no coletivo consagra-se pela completude totalizante das imagens.

O espetáculo substitui a realidade; a imagem é verificada à sombra de uma  realidade da qual “todos participam”. Todo momento é coletivo, plural,  assim as relações humanas transformam- se em imagens espetaculares, onde tudo é perfeito, tudo é espetacularmente global.

No mundo espacialmente globalizado, todos os espaços são preenchidos e o que está em falta é o espaço vazio. Um excesso de preenchimentos do ambiente social, coloca-nos extremamente vulneráveis à sedução dos objetos (o consumo de tudo) e ao seu interminável processo de substituição das emoções.

Pelo mundo da mercadoria, através do espetáculo global, o homem contempla, idealiza, sonha, vivencia uma realidade que parece real; uma realidade forjada pelos “donos da comunicação” que fazem nascer os mitos modernos: deuses e deusas da beleza, do esporte, da arte, da alimentação, do vestuário, das academias (físiculturistas ou intelectuais), da literatura, da própria comunicação, todos canonizados, todos glorificados em nome do tudo chamado globalização.

O tudo multiplica o todo e passamos a ser robôs felizes e uniformizados, tudo é previsível, tudo é determinado, computadorizado, tudo nos leva à sujeição (in)visível do espetáculo da globalização.

Tudo passa a ser representação (a este fenômeno os Situacionistas chamam de espetáculo); cria-se o esvaziamento das expectativas sociais e individuais ao mesmo tempo em que se criam expectativas “reais”, urgentes, criam-se necessidades por meio do espetáculo abstrato/concreto que se instaura no espaço social global , destronando a própria vida social e o mundo real.

A economia mercantil- espetacular promove a junção da produção alienada e do consumo alienado, no momento em que se coloca simbolicamente  o maior produto à venda no mercado: a imagem (imagem é tudo!?), desta forma, acreditamos na simulação  de que não existe hegemonia social, a partir do momento  que, pela construção do imaginário assimilado, o indivíduo submete-se a exigências objetivas e alheias, afastando-se de suas necessidades subjetivas, tornando-se um ser alienado.

Segundo Eric Fromm, o homem leva uma vida alienada quando [1]“não se sente como centro do seu mundo, como o criador de seus próprios atos – já que esses atos e suas conseqüências se tornaram os senhores a quem ele obedece ou mesmo cultua.” A globalização, certamente, colocará esta definição no calabouço, pois para  ela as emoções e percepções individuais devem ser anuladas, desviadas, uma vez que a este indivíduo livre- prisioneiro do seu espetáculo, fica vedada qualquer possibilidade de não se perceber como o centro de (seu) mundo, embora o espaço reservado a este indivíduo seja a periferia. Deste jeito, ao anular-se a cultura local, anula-se o indivíduo que passa a ser o nada, reverenciando o tudo globalizante.

Assim, as culturas dominantes vão-se interpondo nos espaços culturais como as ondas que beijam as areias de todas as praias, e vão-se estabelecendo, vão ficando, vão derrubando os castelos culturais  seculares, pois, para a globalização, eles são apenas castelos de areia. O mercado, derrubadas as fronteiras econômicas e políticas, vende seus produtos universalizados, enquanto, atordoados, hipnotizados,  nos rendemos à nova onda  ou nos revoltamos contra os espetáculos promovidos pelas estruturas econômicas e pelos poderes políticos regidos por uma “minoria próspera[2] que empunha seus controles remotos, trocando e misturando todos os canais, deixando perdida e sem controle a “multidão inquieta”.

Onde e como  vivem a minoria próspera e a multidão inquieta? No mesmo espaço? No mesmo tempo? Stuart Hall nos diz que “Todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo simbólicos” (HALL, 1999: 71), mas, quando o espaço é invadido e o tempo diluído, como ficam as referências simbólicas? Como nos situamos neste mundo onde tudo é moldado por meio de artifícios destas representações?

São os modelos simbólicos ancorados no passado que promovem a inquietação e expõem à multidão inquieta o duelo entre as imagens culturalmente construídas (passado) e as imagens habilmente forjadas (presente), neste instante, aparece uma enorme fenda, o jogo da globalização falha. É quando a multidão inquieta consegue perceber  o modo como o tudo se articula, como são feitas as “trocas”(ou seriam as imposições?) e em que lugar a cultura é colocada nesta nova/velha plataforma, e, neste instante, a multidão inquieta tenta romper as barreiras, refazendo o entroncamento cultural.

Então, como se fosse um espelho face a outro espelho, experiências, sensibilidade, subjetividade  transpõem-se em textos e propõem  a liberdade, a resistência, a rebeldia, a capacidade de criação e de recriação, da inovação, da conclusão e da (con)fusão, tentando desconstruir o mundo dos simulacros da globalização.

(Trabalho apresentado – UFF- 2002)

FACETAS DINÂMICAS: globalização e cultura



 

[1] FROMM, Eric. The Sane Society, 1955, p.120

 [2] Noam Chomsky – A Minoria Próspera e a Multidão Inquieta – Entrevista a David Barsamian (Ed. UNB, Brasília, 1993). Ressaltamos que os comentários de Chomsky, neste momento, referem-se às estruturas econômicas e políticas do poder, porém, aproveitamos suas idéias, para reafirmarmos os reflexos da globalização econômica, no campo cultural, onde a minoria articulada comanda a multidão inquieta.

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