A ONÇA E A ROSA

 A ONÇA E A ROSA

A ONÇA E A ROSA  (Autoria: SÔNIA MOURA)

 

Era uma onça muito brava, era o que todos diziam. Além de muito brava mesmo, a tal onça era também arisca e muito gulosa, devorava tudo o que encontrava pela frente.

A onça desta história fazia tremer o mais valente dos homens ou a mais valente das mulheres daquele vilarejo e, quem sabe, de qualquer outra parte do mundo.

Furente, que assim fora batizada pelo povo local, andava pelos matos, pisando mansinho, sempre com as narinas acesas a farejar qualquer perigo e/ou qualquer presa, fosse animal ou gente.

Toda vila temia o animal, todos viviam amedrontados, apavorados mesmo porque a onça, a cada dia, se aproximava mais da pequena vila, chamada Fulgurante. Parecia que aquele animal estava mesmo era querendo se urbanizar.

Rezadeiras, pais de santo, padres, pastores e outros mais foram chamados para benzer, limpar, salvar o local com suas orações, com o intuito de proteger aquele lugar contra um possível ataque da hedionda fera.

Seguindo o velho ditado que diz: “É sempre bom darmos uma batida no ferro e outra na ferradura”, o povo rezava ladainhas, fazia suas preces, e pedia a proteção de deus, dos santos e de todas as entidades que conhecessem e, por outro lado, o povo  também se armava com facões, espingardas, foices, e, cada um a seu modo, procurava se defender e defender seu território.

Na calada da noite se ouvia o rugido da fera, cada vez mais alto, sinal de ela se aproximava da vila. Crianças se encolhiam debaixo das cobertas, os parceiros se encolhiam um nos braços do outro, enquanto os solitários encolhiam seus corações abandonados e suspiravam, suspiravam…

Em Fulgurante, tudo era muito simples, no entanto, um pormenor fazia toda a diferença entre aquele lugar e os outros, lá eles tinham o mais belo jardim que já se viu, dizem que nem mesmo os Jardins Suspensos da Babilônia ou o Jardim das Delícias eram tão majestosos. As flores tinham cores e odores inigualáveis e, por sua vez, atraíam borboletas e colibris com coloridos e desenhos exóticos em suas asas. O jardim era um deslumbramento só.

No entanto, o que o jardim tinha de super especial era uma linda roseira que florescia uma vez por ano e dela só nascia uma rosa amarela que vivia por anos e anos e, quando era a hora de ela partir, havia uma grande mudança na vila, logo uma densa névoa tomava conta do local, para que, em seguida, junto com o raiar do sol, outra rosa desabrochasse altaneira, encantadora e encantada, fascinando todo tipo de olhar.

Dizem que a rosa era mesmo encantada e capaz de feitos inigualáveis.

Numa quase manhã sombria, com a densa névoa a espalhar-se pela vila, a onça destemida, com suas patas de veludo, as quais a faziam praticamente deslizar, tal qual a índia Iracema de José de Alencar,  foi-se aproximando da vila, enquanto toda a cidade ainda dormia e ela podia circular livremente.

O sol despertava devagar e a onça, também vagarosamente ia -se aproximando.

Nesta hora acontece o que se pode chamar de milagre. A nova rosa se abre para o mundo no exato momento em que Furente chega bem pertinho do jardim, ou melhor, bem em frente à roseira encantada.

A onça se queda ante a beleza da rosa, parecia estar enamorada, hipnotizada, deslumbrada. Ao mesmo tempo, a vila despertava e se extasiava com o que via, a onça não se movia, não tirava os olhos da rosa, agora a fera mais parecia um gatinho doméstico, destes bem mansinhos.

E ali ela foi ficando, ficando, até também virar encanto e, dizem que, até hoje, nas manhãs cinzentas e enevoadas é possível ver-se uma onça com cara de apaixonada postar-se ante a roseira e suspirar, suspirar, suspirar…

 

(DO LIVRO BRINCADEIRA DE CRIANÇA DE SÔNIA MOURA)

A ONÇA E A ROSA

 

 

Rastos, Restos e Rostos

 Rastos, Restos e Rostos

Rastos, Restos e Rostos 

(Autoria:SÔNIA MOURA)

Vivera em tantos lugares, visitara tantos países, vivera tantos amores, nem ela sabia contabilizar seu passado. Oitenta anos, oitenta anos, como o tempo passa! 

Catarina sabia que o tempo é apenas um representativo da realidade e que, o livro que conta esta história, é feito por meio de uma concentração de imagens de múltiplos significados. O tempo é sempre enigmático, a história do tempo é enigmática.

Há passagens do tempo que se fazem, a vida toda, demasiadamente presentes, enquanto outras lembranças servem para abreviar a passagem do tempo e outras, ainda, ficam esquecidas no fundo do baú do tempo, num enorme isolamento, servindo  como ponto de equilíbrio entre o ontem e o hoje.

Catarina abriu a janela do tempo e contemplou-se, refez o percurso da vida e descobriu que, por onde passou, deixou rastos nas fontes masculinas, nas fendas das colinas, nos sonhos de menina, nas saudades das ausências e nas memórias das presenças.

Embriagou-se, salvou-se, armou-se, desarmou-se, doutorou-se, lutou, amou, foi amada, sofreu, felizou – viveu! De tudo ficaram restos.

Tudo em sua vida foi ardor e foi amor, agora, nesta reconstrução do tempo aos oitenta, no meio de lágrimas e palavras não- ditas, ela tenta e tenta, encontrar rostos. Fecha os olhos e os vê suaves, em forma de almas suspensas, doces, obscenas, amenas, magoadas, sensuais e amadas.

Num espaço imutável, em forma de um colar de contas multicores a falar de amores, de sabores, de odores, de sons e de horrores, o tempo se apresenta soberano, proclamando o indizível.

O tempo não envelheceu, apenas quem envelheceu fui eu, concluiu Catarina, mas não importa nada disso, porque o que fica são rastos, restos e rostos.

 

 

(Do livro: CONTOS E CONTAS de SÔNIA MOURA)

 Rastos, Restos e Rostos

 

NOMES REAIS

 NOMES REAIS

 

NOMES REAIS  (por SÔNIA MOURA) 

 

Um dia, o Rei Nado III chamou o Conde Nado Alvarenga e o Conde Nando Charvaniel Bragança e pediu-lhes para que comunicassem ao conde Coración Molière de que, a partir daquela data, o Guarda Napo Emerando faria a segurança de sua família, juntamente com o Guarda Sol Tarumã Ditoso.

Feitas as mudanças necessárias, o Rei Nado III chamou o seu fiel escudeiro Marco Zero Gonçalves Nesbil e ordenou-lhe que avisasse ao comandante Leo Pardo Braga Leco que trouxesse à sua presença a condessa Marie Olla Dulce Angustura.

À noite, chegaram ao palácio real a condessa e sua comitiva, o rei aguardava a senhora e queria falar-lhe em particular.

A condessa estava um pouco tímida (ou seria assustada?), uma vez que a guarda real fora apanhá-la em casa e esta fora escoltada pelo Guarda Napo e pelo Guarda Sol, os principais homens da guarda real.

O que desejaria o rei?

Antes de encontrar o rei, a condessa foi recepcionada pela princesa Inês Perada Albuquerque, a filha do Rei Nado, que levou a senhora Marie Olla a um dos aposentos e adiantou-lhe o teor da conversa que o rei teria com a convidada real.

O rei estava sozinho há muito tempo, e ela, a princesa, desconfiava que a condessa despertara o interesse do rei, pois, após a morte da rainha, o soberano se isolara, embora a filha sempre o incentivasse a voltar à vida.

Com o rosto em fogo, a condessa não soube o que dizer à princesa e simplesmente sorriu encabuladamente para ela.

No instante em que a condessa estava sendo levada à presença real, chega ao palácio a duquesa Mira Sol Forte, uma das damas da corte que acintosamente se mostrava interessada em substituir a falecida rainha Jacy Foy Embora no coração do monarca.

Ao saber que o rei e a condessa conversavam a sós, a duquesa, antecipando o que viria, deu um grito e desmaiou.

Os presentes riram discretamente, que pena, a duquesa chegara tarde.

A ama da princesa Inês Perada, a senhora Luana Janela Azul discretamente disse à princesa que o rei fizera uma bela escolha, porque a Condessa Marie Olla trazia doce não só no nome, mas também no coração.

E, alguns meses depois…

Sob as bênçãos do céu, da terra e de todos os mares, a juíza Amore Paixão Ardente celebrou a casamento do Rei Nado e da condessa Marie Olla.

A noiva estava linda e feliz, o rei, nem se fala e, após a estupenda festa, os pombinhos apaixonados voaram para uma bela ilha e saborearam a mais linda lua de mel que já existiu.

 (Do livro Brincadeiras de Crianças de SÔNIA MOURA)

NOMES REAIS

 

 

 

 

ROSA ALGEMADA

ROSA ALGEMADA

ROSA ALGEMADA  (Autoria: Sônia Moura)

 Não era mais uma linda Rosa juvenil, mas ainda tinha seu charme, sua graça e muita sensualidade, apenas não as via mais. 

Um dia, saiu a passear e encontrou um desvio.

Pelas mãos inusitadas do destino, aquela flor desconsolada foi tomada por uma alegria febril, ao deslumbrar a bela tarde que se abria em leque numa espécie de magia lírica, feita pelas mãos da natureza, as quais trançaram uma rede sobre o tempo, abolindo os toques de artificialidade, que quisessem neste tempo se instalar.

Também qualquer incerteza que tentasse invadir aquele momento, certamente seria expulsa, porque a poesia já pousara sua mão direita sobre a algema que prendia Rosa, decretando que esta iria se romper brevemente.

Naquele instante Rosa percebeu que a poesia pode nascer de nós mesmos, pela luz de nosso olhar, pela alegria de uma alma bailarina ou pela beleza de um momento de ternura.

Rosa viu ainda que o tempo da linda Rosa juvenil passara e fora intensamente belo, mas há sempre novas alegrias a serem descobertas, há sempre o que se reinventar e se dar luz plena  a cada tempo que colore a flor, ainda que os espinhos do tempo venham em nós pousar.

 A Rosa menina em botão e a linda Rosa juvenil foram os retratos da vida que  vieram à mente de Rosa. Então a Rosa de agora, plena, linda, iluminada mostrou a sua nudez a Eros.

Com ferro em brasa, Rosa marcou o tempo, deu brilho ao espelho, onde pôde ver seu verdadeiro rosto e prendeu o fio da vida à sua alma aquecida pelo orgulho de ser ela mesma, em qualquer tempo e não mais procurou no espelho outro rosto, aquele que ficará docemente guardado em sua memória.

Enquanto a  bela Rosa rechaçava o terrror ao passar do tempo, a imagem da nova-velha mulher invadiu o jardim de todas as delícias para o novo alvorecer. 

Não ser mais a linda Rosa juvenil, não mais será sinônimo de tristeza ou ansiedade, ela agora sabe que o tempo tem que desempenhar o seu papel, assim, o tempo segue e, enquanto estivermos de mãos dadas com ele, seremos deuses e deusas a brincar de eternidade.

Neste tempo de agora, a linda Rosa ergue a taça e bebe calmamente o vinho que guarda todos os seus encantos de todos os tempos.

Enquanto o que estava fragmentado ia se recompondo, Rosa voltava a ser ela mesma, agora  não precisava mais de arreios, de grades ou de algemas.

 

(Do livro: COISAS DE MULHER de Sônia Moura)

 ROSA ALGEMADA

O POETA INACABADO

 O POETA INACABADO

O POETA INACABADO (Autoria: SÔNIA MOURA)

 

Entre o corpo e a alma, o que é igual? O que é diferente? Esta era a segunda questão da prova de religião, a primeira era mesmo para que ninguém tirasse zero, estava tão fácil. Resolveu a primeira rapidamente, pois quem tivesse lido, mesmo que de  modo superficial, o capítulo nove, saberia a resposta. Para a segunda questão,  pensou em responder:  – sei lá!, mas desistiu. Tudo estava tão legal, melhor não abusar da sorte. Desligou-se do mundo, pensou em Alfredo, como pôde morrer tão cedo?

É chamada de volta pela voz forte da Irmã Santanna: – Há muitas maneiras de responder a questão número dois, vocês podem escrever uma dissertação, uma narração, uma descrição, uma carta ou um poema. Só não deixem de responder, deixem a imaginação fluir.

Começou a escrever uma dissertação “No mundo existem duas naturezas: a espiritual e a humana… percebemos as diferenças e ….”. Desisto, não dá, não vou conseguir, estou sem inspiração, apesar de que a Irmã sempre disse que para criar  era preciso mais transpiração que inspiração.

Tentou uma carta, mas a quem endereçar? Ao Papa, ao Capelão da escola, ao Bispo, à Irmã Santanna [não, vai parecer que estou puxando o saco dela],  à minha tia Matilda, tão beata, já sei para mim mesma. Desistiu da carta.

O tempo corria e… nada. Tinha que fazer alguma coisa. Começou a escrever, e não conseguia mais parar, estava gestando um poema, e como fluía bem, a caneta bailava sobre o papel. Chegou a sentir a presença do primo, a quem o avô chamava  “o  poeta inacabado”. Por que esta lembrança a rondar seus pensamentos, se, quando ele morreu, ela era uma menina? De onde surgiu esta imagem do poeta da família?

Terminou o poema assim: “Enquanto o poema guardar lembranças de corpo e alma  / mesmo que seja de um poeta inacabado/ o  ritmo da vida nunca será descompassado”.

Tirou a nota máxima. 

 

(Do livro:MINIMAMENTE CRÔNICAS  de Sônia Moura)

A Hora da Partida

 

A hora da partida

A Hora da Partida (Autoria: Sônia Moura)

       

        Arrumou as malas, arrumou os cabelos, arrumou a casa, arrumou a conta vermelha que enfeitava o brinco. Saiu batendo a porta. Ninguém estava ali para despedir-se dela.

Arrumou as lágrimas, arrumou um sorriso, arrumou o vestido. O avião levantou voo. Arrumou-se na poltrona, adormeceu. Na verdade, esta era a hora da partida. Só assim ela arrumou a vida.

 

(Do livro: Contos e Contas de Sônia Moura)

 

A hora da partida

AZUL, TUDO AZUL

 AZUL, TUDO AZUL

AZUL, TUDO AZUL (Autoria: Sônia Moura)

Um azul cruelmente belo surgiu na escuridão e transformou aquele momento em um instante sereno, mesmo que se pensasse ser inconciliável aquela tristeza e o azul profundo, era o que estava acontecendo ali.

O que estava em jogo era uma velha e repetitiva história, tão comum e tão rara, mas Andressa, a maga, sabia que a roda do destino iria dar solução àquela velha e, paradoxalmente, inusitada história.

 Mexendo uma infusão de flores, raizes e folhas, Andressa procurava afastar a sombra do passado, tentando apagar antigas imagens que teimavam em reaparecer, refletidas no azul que o espelho reprisava.

Os laços de amor entre Rui Calvera e Flora Molina foram desfeitos dias antes do casamento por causa de uma coruja, que aparecera na porta da mansão dos Calvera. Bem, era o que todos diziam.

Supersticiosos ao extremo, os Molina acreditavam que esta aparição era um sinal de mau agouro, este casamento estaria fadado ao fracasso. E, pensando assim, resolveram que era melhor prevenir que remediar.

Excessivamente dominado por seus pais, Rui seguiu as determinações destes, embora sofresse horrores, uma vez que adorava sua Flora e a noiva parecia que ia morrer, tamanha a tristeza que se apossou do seu amargurado coração.

A superstição popular diz que as corujas adivinham a morte com o seu piar e esvoaçar, mas, por outro lado, a coruja também é considerada o símbolo da inteligência, da vigilância, da meditação e da capacidade de enxergar nas trevas. Eis o enigma da simbologia.

Assim, tal qual uma coruja, a maga Andressa, que enxergava no meio a trevas da ignorância e podia avaliar muito bem o sofrimento causado pela perda de um amor, resolveu dar uma mãozinha aos amantes.

Foi à casa do rapaz e ofereceu-lhe uma xícara de um saboroso chá e um poema, com uns versos que diziam assim: “Meu coração não quer libertar-se do seu amor/ Meus olhos jamais dirão adeus ao seus/Pois nossos destinos foram traçados pelos céus/E jamais conseguiremos nos dizer adeus!”

Para a moça, a maga levou um ramo de flores muito aromáticas e uma imagem de Cupido, com a seguinte inscrição: “A vida será mais bela, se meu prêmio for o seu coração.”

Depois desta visita…

Foi-se embora o sofrer, os amantes resolveram abrir seus corações e suas mentes, deram vez ao amor, despacharam a dor, isolaram as superstições e as dúvidas, romperam com o mundo da escuridão ao consumarem o seu amor.

Foi assim que um azul intenso apagou de suas vidas o fatídico dia, em que a aparição de uma coruja quase tomou o lugar da magia da felicidade.

Até hoje todos dizem que tudo foi obra da magia de Andressa, porém ela nega tudo. Sorri e diz faceira: obra de minha magia? Qual nada, isto foi obra da poesia e do Amor.

 

(Do livro: Coisas de Mulher, de Sônia Moura)

 

 AZUL, TUDO AZUL

 

 

 

 

 

 

Fogo Cruzado

 Fogo Cruzado

Fogo Cruzado

(Autoria: Sônia Moura)

 

 

 Pintou os cabelos, começou a fazer ginástica, comprou roupas novas. Pendurou uma conta dourada no pescoço.

A mulher pensou: Será que ele tem outra?

Mal sabia ela que toda esta mudança era porque ele achava que ela tinha outro.

 

 

(Do livro: Contos e Contas de Sônia Moura)

 

Fogo Cruzado

 

O IMPONDERÁVEL

O IMPONDERÁVEL

O IMPONDERÁVEL  (Autoria: Sônia Moura)

 

Era mais ou menos como estar isolado em uma ilha, Alice estava só em seu mundo, em sua ilha, presa ao imponderável.

Imersa em seus pensamentos, imaginava Ramiro nos braços da outra, não haveria testemunhas, havia somente a solidão a brincar, libertina, com os sentimentos alheios, enquanto o olhar de Alice vagava pela fantasiosa ilha dos amores, de todos os amores pintada em sua memória, em seus mais belos sonhos.

Embora quisesse seguir o seu caminho, Alice sempre se afastava dele, pois em sua linha da vida só a figura de Ramiro parecia desenhar o seu destino, ainda assim, algumas vezes e sem muita convicção, a mulher tentara livrar-se da tatuagem incrustada em suas lembranças, mas estas foram tentativas vãs, ainda que tentasse, a moça não conseguia apagar as profundas marcas do passado, não conseguia libertar-se da prisão sem grades onde se metera e de onde não conseguira mais sair.

O mundo rodava tão devagar, pensava Alice, enquanto sua cabeça rodava muito depressa, mas para ela nada saira do lugar,desde que o seu amor partiu, sem dizer adeus. Em seus pés, uma imensa bola de ferro, também invisível, a imobilizava mais ainda, evidenciando aquele surreal prisão concedida e negada.

Era preciso fugir daquela clausura em que se metera, mas como se ela ainda sentia que aquela dor era essencial para que pudesse continuar sentindo-se viva? Mas como se aquela estranha sensação confundia-se com a evidente verdade: ela precisava voltar à vida, de fato, mas não queria livrar-se da presença de Ramiro?

Em seus pensamentos, setas apontavam para várias direções, bastava que ela escolhesse uma delas para fugir dali, Ariadne tinha deixado seu fio, portanto Alice deveria seguir por ele e encontrar a saída do labirinto.

Mas a amargura e dor plantadas em seu coração dificultavam a escolha de um caminho e, assim, na obscuridade total, Alice inundava seu silêncio com palavras rudes, com as quais desejava manchar a imagem daquela que a deixara, mas, sem permitir que ele sumisse de sua vida, sem deixá-lo partir para sempre.

A cada tentativa, uma nova recaída, e lá ia Alice refugiar-se no seu fantasmagórico país das maravilhas, escondido no oco de sua mente. Isolara-se do mundo real e criara um mundo de angústia e fantasia, no qual um lindo castelo lhe servia de abrigo e reforçava a sua solidão.

Encerrada em si mesmo, Alice só conversava com os seres imaginários do seu país das maravilhas e só transportando-se para este mundo ela podia sonhar, lá ela podia fazer uma condensação expressiva dos melhores dias de sua vida de outrora e revivê-los a hora que ela bem entendesse .

O tempo foi passando e Alice não viu que a erva daninha crescia ao redor de seus sonhos e os sufocava lentamente, e, junto com a morte de seus sonhos, o castelo construído por sua solidão ia desmoronando aos poucos e, no final desta história, o seu mundo tornou-se totalmente escuro, ninguém mais habitava o seu país da fantasia e Alice acabou seus dias sozinha.

 

Do livro: COISAS DE MULHER de Sônia Moura)

 

 O IMPONDERÁVEL 

LUZ NA ESCURIDÃO

 

 

 LUZ NA ESCURIDÃO

 

LUZ NA ESCURIDÃO  (Autoria: SÔNIA MOURA)

 

Eram sombras que caminhavam lentamente, arrastando-se na luz do dia como se estivessem em meio a mais forte escuridão.

Os passos seguiam como se os pés estivessem envolvidos por fortes correntes.

De repente… ouviu-se ao longe um estampido e um deles foi ao chão. Os outros pareciam não perceber o que acontecera e, assim, prosseguiram em sua caminhada, arrastando seus pés em meio a quase total escuridão de um dia ensolarado.

Deixando para trás seus rastros, suas marcas e um corpo estendido no chão, os homens prosseguiram em busca do nada, sem sequer olhar para o que estava a sua volta.

Num dado momento, um sino toca ao longo anunciando que alguém havia morrido no lugarejo que parecia também não enxergar aqueles homens e seus aspectos sinistros.

Tudo tornou-se silêncio.

O sol se escondeu por trás de uma nuvem pesada, que surgiu como se fosse do nada.

Tudo era muito estranho.

Neste momento, mais um corpo bate com força no solo e, mais uma vez,  nenhum dos acompanhantes se volta para olhar ou socorrer aquele que iria ficar para trás.

E assim foi até o último figurante desaparecer da fila, despencando no chão duro daquele tarde a qual ninguém parecia enxergar.

Mais tarde, um velho de uma outra aldeia me contou que este era um ensaio sobre a vida e a morte.

Ele me disse que nós não percebemos, mas é deste modo que acontece, seguimos todos caminhando entre a luz e a escuridão, até que um dia tombamos. Os outros precisam continuar.

 

 

(Do livro: Doze Homens Contam de Sônia Moura)

 

LUZ NA ESCURIDÃO