O POETA INACABADO (Autoria: SÔNIA MOURA)
Entre o corpo e a alma, o que é igual? O que é diferente? Esta era a segunda questão da prova de religião, a primeira era mesmo para que ninguém tirasse zero, estava tão fácil. Resolveu a primeira rapidamente, pois quem tivesse lido, mesmo que de modo superficial, o capítulo nove, saberia a resposta. Para a segunda questão, pensou em responder: – sei lá!, mas desistiu. Tudo estava tão legal, melhor não abusar da sorte. Desligou-se do mundo, pensou em Alfredo, como pôde morrer tão cedo?
É chamada de volta pela voz forte da Irmã Santanna: – Há muitas maneiras de responder a questão número dois, vocês podem escrever uma dissertação, uma narração, uma descrição, uma carta ou um poema. Só não deixem de responder, deixem a imaginação fluir.
Começou a escrever uma dissertação “No mundo existem duas naturezas: a espiritual e a humana… percebemos as diferenças e ….”. Desisto, não dá, não vou conseguir, estou sem inspiração, apesar de que a Irmã sempre disse que para criar era preciso mais transpiração que inspiração.
Tentou uma carta, mas a quem endereçar? Ao Papa, ao Capelão da escola, ao Bispo, à Irmã Santanna [não, vai parecer que estou puxando o saco dela], à minha tia Matilda, tão beata, já sei para mim mesma. Desistiu da carta.
O tempo corria e… nada. Tinha que fazer alguma coisa. Começou a escrever, e não conseguia mais parar, estava gestando um poema, e como fluía bem, a caneta bailava sobre o papel. Chegou a sentir a presença do primo, a quem o avô chamava “o poeta inacabado”. Por que esta lembrança a rondar seus pensamentos, se, quando ele morreu, ela era uma menina? De onde surgiu esta imagem do poeta da família?
Terminou o poema assim: “Enquanto o poema guardar lembranças de corpo e alma / mesmo que seja de um poeta inacabado/ o ritmo da vida nunca será descompassado”.
Tirou a nota máxima.
(Do livro:MINIMAMENTE CRÔNICAS de Sônia Moura)
Que lindo! Super inspirado.