LUGAR VAZIO

 LUGAR VAZIO

LUGAR VAZIO  (Autoria: Sônia Moura)

Não sabia dizer se vivia um inferno dentro do paraíso ou se vivia um paraíso dentro do inferno. Precisava escolher um caminho, mas, lá estava a zombeteira encruzilhada a desafiá-la.

Naquela manhã, vinha pela rua remoendo o seu dilema, quando viu uma pulseira de contas vermelhas e rosas, esquecida num canto da calçada.

Naquele instante, colocou a indecisão na clausura, abaixou-se, apanhou a bijuteria, admirou-lhe a beleza e descobriu que faltava uma conta para completar a sequência.

Ficou a brincar com as contas da pulseira, detendo-se sempre no vazio criado por uma ausência, o que permitia a ela mudar o campo vazio de lugar, isto, é preenchendo-o com a próxima conta.

Então, percebeu que um lugar só fica vazio se você não souber mover as pedras do caminho.

(Da obra: CONTOS & CONTAS de Sônia Moura)

LUGAR VAZIO

NOITE POÉTICA

 noite poética

Noite Poética  (por Sônia Moura)

 

Rindo sempre de suas próprias histórias, Januária contou-me esta, bem interessante.

Certa feita, enfeitou-se com um colar de contas verde-esmeralda, acompanhado por um singelo par de brincos da mesma cor, colocou um pretinho básico e saiu para curtir a noite, que aliás estava totalmente poética, segundo ela.

Brincou, riu, farreou, dançou.

E, quando o dia clareou, descobriu-se numa cama qualquer, num hotel da Central do Brasil, agora, enlaçada por outro pretinho básico, muito carinhoso.

Sei entender muito bem onde estava, olhou para o céu, sorriu para o dia, pegou seu colar de contas verde-esmeralda, beijou o moço e saiu para a vida.

Nunca mais viu aquele homem que conheceu numa boite, ele DJ, ela dançarina, porém a lembrança daquela noite, nunca mais partiu.

Quando pensa nas gostosas loucuras da vida, Januária apenas sorri…

(Do livro CONTOS & CONTAS DE Sônia Moura)

Noite Poética

DISCO DE VINIL

 disco de vinil

DISCO DE VINIL (Autoria: Sônia Moura)

Conhecia Fátima e Ivo há muito tempo, morávamos no mesmo bairro desde os doze anos, isto já faz tanto tempo…
O tempo voou e, quando demos por nós, já estávamos de casamento marcado, eu com Marinete e Ivo com Juliana. Veio o casamento de Ivo (o Magrela), meses depois o de Ricardo (o Magrão), o de Cristóvão (o Navegador), de Soraia (como suspiramos pelos cantos por Soraia!), de Cecília, de Andréia e, finalmente, o meu. A vida caminhava…
Eu e Ivo fomos os únicos a não sair do bairro, do nosso velho bairro. Acabamos compadres. Eu amava Marinete, o tempo fortalecia nossa amizade e, por tabela, nosso amor, Marinete tem um sexto sentido muito apurado, aliás dizem que as mulheres são assim mesmo, mas ela era demais, não costumava errar.
Seria sexto sentido, inteligência ou observação?, meu pai sempre disse que era tudo junto; adorava a nora que o tratava como um pai, um irmão e ultimamente como um filho.
Gostávamos de conversar na cama, no nosso ninho, como dizia Marinete, às vezes, esquecíamos da hora, outras vezes, o desejo falava mais alto e a conversa dava lugar ao sexo gostoso.
Numa destas noites o sexo veio primeiro e depois vieram outras palavras. Abracei Marinete e o papo correu tão gostoso como o sexo.
Falamos sobre nós mesmos, Marinete perguntou-me se eu me lembrava do disco de vinil que eu lhe dera num dia dos namorados. Claro que sim, eu disse. E continuei, mas este disco já era, ainda bem que eu continuo aqui. Marinete levantou-se, foi até o armário, voltou com uma caixa preta, amarrada com uma grossa fita amarela e me entregou.
Abri com mãos ávidas e olhos curiosos, e lá estavam bilhetes, cartas, recados, cartões, entrada de cinema, papéis amarelados pelo tempo.
Um perfume suave se espalhou pelo quarto, Marinete colocava sachês dentro de caixas e gavetas.
Um frescor de saudade e de lembranças se apoderou de mim, e comecei a remexer papéis, fitinhas, envelopes, lembranças, e, lá no fundo, estava um pedaço do disco de vinil.
Era o disco de que ela tanto gostava, mas que, num momento de arroubo juvenil, espatifara-o por ciúmes da minha namorada de infância. Minha mulher jurava que eu ainda pensava em Andréia.
Ali estavam marcas do nosso amor, tudo era importante, mas o pedaço do disco de vinil era uma prova de que o sexto sentido feminino é forte mesmo.
Marinete tinha razão.

(Do livro: Súbitas Presenças de Sônia Moura)

disco de vinil

GOTA DE ORVALHO

 GOTA DE ORVALHO

GOTA DE ORVALHO (Autoria: Sônia Moura)

 Amava as rosas de seu jardim, guardiãs de sua bela história de amor.

Percorria-o todos os dias, em busca de um passado escondido, que sempre renascia no silêncio de suas rosas.

O primeiro encontro e a primeira rosa ofertada renasciam a cada manhã primaveril, e, só  assim ela também se sentia uma menina a brincar no meio do jardim, com a primavera de ontem e de hoje.

Para deixar-lhe na boca o gosto do mel, Darlam a conduzia pela mão, até a torre do castelo feito de flores, e, atrás da roseira com suas flores vermelhas, o amor de ambos explodia no ar, junto com as gotas que bailavam nas pétalas da rosa vermelha.

Naquela manhã, tornou-se de fato a linda jovem de outrora, sentiu-se leve, correu até a roseira de flores vermelhas e deixou-se elevar ao infinito, dentro de uma gota de orvalho, que mais parecia uma linda conta transparente, igual àquela que a princesa de um livro muito antigo usara no dia em que dançara com o príncipe encantado.

A partir daquele dia, Cilene tornou-se encantada, também.

 Da obra CONTOS e CONTAS de Sônia Moura)

GOTA DE ORVALHO

INDEFINIÇÃO

 indefinição

 

 

Indefinição  (por Sônia Moura)

 

Cérebro ou Coração?

Será que caberia um cérebro no coração ou um coração no cérebro?

Perguntou Sofia à amiga Juliana. Ambas chegaram à conclusão de que esta era uma grande fantasia, pois o coração e o cérebro no auge da paixão brigam, não se topam, e, ainda que tentem não conseguem andar juntos.

Atravessar por entre as árvores da floresta que é o miolo destes dois mundos é muito difícil, disse Sofia. Juliana, que brincava com seu colar de contas turquesas, achou que era melhor abandonar a ideia de tentarem decifrar as muitas dimensões do amor.

Resolveram que seria melhor pulverizar as vãs e ambíguas filosofias e ficar com a leveza da espuma do mar em frente à casa de praia, enquanto a segunda não se definia se continuava ou terminava o namoro com Rogério. Foram para o mar.

O sal e o sol do mar farão a sua parte, colocarão Sofia em comunhão com a liberdade precisa, o resto se vê depois, disse Juliana, às gargalhadas.

 (Da obra: CONTOS e CONTAS  de Sônia Moura)

 indefinição

TRAVESSIA

 TRAVESSIA

Travessia      (Autoria: Sônia Moura)

Maria Betânia sabia o quanto era longo e difícil o caminho a ser percorrido, todas as vezes que fazia o regresso para os braços dele.

Entre a dúvida e a certeza há sempre um abismo tão difícil de ser transposto, há que se construir pontes invisíveis para não sermos lançados nas profundezas da dor.

O tempo do bordado a ajudaria a desfiar o seu rosário de dúvidas e, a cada conta amarela, colocada no peitilho do vestido, era como se uma parte da ponte necessária fosse se erguendo e ela também.

Vestiu-se, penteou-se, fez-se bela. Chegou ao clube resplandecente.

Atravessou para o outro lado do salão e se espantou com o brilho que vinha dela mesma e das contas reluzentes em seu peito.

Deixando o abismo para trás, foi ao encontro de si mesma.

Vitoriosa, Betânia acabara de fazer a mais difícil das travessias.

(Da obra CONTOS e CONTAS de Sônia Moura)

TRAVESSIA

A ARCA

A arca

 

A Arca   (Autoria: Sônia Moura)

 

Não tinha coragem de abrir a velha arca chinesa e muito menos abrir o seu coração povoado por velhas lembranças, desde que sua irmã gêmea morreu afogada e ela passou a sentir-se eternamente culpada.

Mas, naquela sexta-feira fria, sozinha em casa, não sabia bem o porquê, sentia-se tentada a abrir aquele cadeado e mergulhar nas águas do passado.

Por um tempo olhou aquela chave antiga, titubeou, brincou com a conta negra que pendia do cordão e seguiu em frente. Abriu as portas do passado.

Mergulhando no meio de tantas lembranças amareladas, Mariana encontrou o passado escondido, tão pálido como o papel que envolvia o álbum de retratos, lá estava seu mundo tão distante. Naquele momento, Mariana viu seu inocente mundo ser reconstituído.

Fotos de uma infância distante vieram à tona, para saudar aquele momento.

A menina da foto sorriu para ela, a mãe lançou-lhe um olhar de saudade.

Disse adeus ao passado, fechou novamente a arca e pensou: – Quem sabe um dia meus filhos coloquem tudo isto no computador?

Finalmente, Mariana libertara-se de sua própria arca.

 

(Da obra CONTOS e CONTAS de Sônia Moura)

 

 A Arca

“NADA COMO UM DIA APÓS O OUTRO”

 NADA COMO UM DIA APÓS O OUTRO

“NADA COMO UM DIA APÓS O OUTRO” (Autoria: Sônia Moura)

 Todos sabiam que ela era uma “SANTINHA DO PAU OCO” e, por ser “SEM EIRA NEM BEIRA”, colocou na cabeça que só iria se entregar a um homem endieirado, todos desacreditavam que ela conseguisse, afinal, ela não era lá “ESSA COCADA TODA”.

A santinha retrucava dizendo: “CADA COISA A SEU TEMPO”, ela era daquelas que seguia fielmente o que diz o ditado: “ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA TANTO BATE ATÉ QUE FURA”.

Assim, a moçoila prosseguia em sua busca do príncipe endieirado e, claro, encantado também. O tempo passava e todos riam dela e ela jurava se vingar de todos, o povo do local gritava: “CÃO QUE LADRA NÃO MORDE!”. Ela só dizia: – me aguardem!me aguardem! E continuava a sua busca, pois sabia que “ÁGUAS PARADAS NÃO MOVEM MOINHO”.

 Um belo dia, (em todo Conto de Fadas sempre tem: Um belo dia..), bom, mas como eu ia dizendo: um belo dia,  um grande navio aportou na cidade e como “QUEM VAI AO MAR AVIA-SE EM TERRA”, um belo jovem aviou-se e foi conhecer a cidade e, claro, procurar uma namoradinha afinal, tanto tempo no mar…

Foi aí que a fada madrinha deu lá a sua mãozinha e colocou o lindão e a não tão linda Amélia frente a frente e como “A OCASIÃO FAZ O LADRÃO”, a santinha vendo aquele bonitão dando sopa, aproximou- se dele e descobriu que o rapaz não era um “sem posses”, tinha lastro (ele e o navio), então, ela tratou de atracar-se a ele.

Não é que a estratégia deu certo?

E como os antigos diziam que “SE PESCA PEIXE DE OLHO NO GATO”, Amelinha cuidou de se precaver e não largou o seu peixão nem por um minuto.

O rapaz que se julgava muito esperto, pensou que iria desfrutar do que ela pudesse lhe oferecer e depois era só “METER SEBOS NAS CANELAS”.

Como em toda história de amor também tem sempre um apaixonado não correspondido, Jonas vivia suspirando por Amelinha que não queria saber, porque ele era pobre. Coitado, como não teria a menor chance com a moça, Jonas mudou-se para outra cidade, melhor dizendo, para capital e, por muito tempo, pouco se soube sobre ele..

O tempo continuava passando…

Dizem que “DEUS ESCREVE CERTO POR LINHAS TORTAS”, acho que isto é mesmo verdade, pois, o gostosão do Benito apaixonou-se e subiu ao altar com a “interesseira” Amelinha, não teve como escapar.

Tempos depois…  lá estava Amelinha lavando, passando e cozinhando para o falso rico… Coitada! A moça, literalmente, “CAIU DO CAVALO”, mas o lindo bebê que ela segurava nos braços ajudou-a a conformar-se pensando: “VÃO-SE OS ANÉIS E FICAM OS DEDOS”.

 E o tempo assistia a tudo e ria, ria…

Um belo dia (eu não disse?), Jonas chega à cidade natal, todo lindo, num carrão de fazer inveja a artista famoso, casadíssimo como uma linda mulher. (Geralmente, homem rico se casa com uma linda mulher, e Jonas não fugiu à regra).

Segurando o seu rio de lágrimas, da janela lateral do quarto de dormir, Amélia viu Jonas passar altaneiro em seu carrão, tentou recompor-se, mas, cá pra nós, ela preferia não ter visto aquela cena, pois, todos sabem que “OS OLHOS NÃO VEEM O CORAÇÃO NÃO SENTE”.

Enquanto isto, Jonas, fingindo que não via a mulher que sempre o desdenhou, pensava com os seus botões e um grande sorriso matreiro: “QUEM RI POR ÚLTIMO RI MELHOR”.

 (Do livro: Brincadeira de Criança de Sônia Moura)

NADA COMO UM DIA APÓS O OUTRO

 

AMOR NA MADRUGADA

 AMOR NA MADRUGADA

AMOR NA MADRUGADA  (Autoria: Sônia Moura)

 

A madrugada vai alta e clara.

Em frente ao hotel, o mar toca sua música para a lua se deleitar; no quarto, o casal dorme o sono dos amantes, aquele em que ambos sonham o mesmo sonho.

Enlaçados, enredados e adoçados pelo amor, os dois sorriam durante o sonho e carícias aconteciam, porque ambos se reconheciam no abraço, no afago e no beijo.

Havia tanto amor naquele quarto e naquela cama que se sentia o transbordamento da paixão pelas ruas daquela pequena cidade, o mar não livrava o lugar de sofrer uma enchente, assim o doce do sumo do amor misturava-se ao salgado das águas do mar, enquanto o cheiro do desejo penetrava pelas frestas das janelas e despertava amores adormecidos ou aquecia aqueles que ainda estavam acordados.

A presença do eu e do tu, transformados em nós, dava aos amantes a aura de deuses invencíveis, intocáveis e irreprimíveis. Eles tudo podem, nada lhes é negado, nada lhes é tirado, nada lhes é proibido.

A madrugada era realmente mágica, impossível não acreditar em milagres, o que acontecia naquele quarto era a prova cabal de que algo muito mais forte existia, era o enigma da vida que ali se manifestava, eram os desvios das palavras não ditas que ali se apresentavam.

Quase ao fim da madrugada, o colar de contas azuis que a moça trazia ao pescoço, foi ao chão, reprisando vozes de poetas a derramar arte, quando o amado enlaça mais e mais a sua amada e sussurra vagarosamente: – SOU LOUCO POR TI, PEQUENINA.

Esta declaração de puro amor leva a lua da madrugada a gemer baixinho e crava no peito e nos ouvidos da moça um punhal de rosas que lhe marca a alma e as lembranças, para sempre!

 

(Do livro: CONTOS e CONTAS de SÔNIA MOURA)

 AMOR NA MADRUGADA

É PERMITDO SONHAR

 È PERMITDO SONHAR

É PERMITDO SONHAR   (Autoria: Sônia Moura)

      Depois de um dia cheio de participações em eventos, depois de ter vivido emoções diversificadas:  saudades,  alegrias,  frustrações, encontro com o ex- eterno amor e, ainda,  depois de muitos goles de cerveja, Eliane voltou para casa e nem precisou encarar seus medos e frustrações, pois o efeito do álcool lhe tirara este direito ou lhe poupara a dor da solidão e o desencanto dos amores perdidos.

Tantas emoções num mesmo dia, tantos sorrisos e tantas lágrimas, as quais ela fez grandes esforços para que estas não se tornassem públicas, foram lágrimas espremidas por  aquela rejeição.

Diziam que ela dramatizava, dramatizava? As pessoas são mesmo engraçadas.

A vida dela, sim, era um drama, mas, como ninguém vive os dramas alheios, o que pertence ao outro: alegria ou dor, é transformado conforme os interesses, em alegria de todos ou em drama que deveria ficar somente com o outro.

Bastava que Eliane ensaiasse fazer uma queixinha, uma só, que logo, palavras cruéis eram disparadas:- Nossa, como é reclamona! – É muito chata! ou, – Não sei porque Eliane reclama tanto! (Mesmo que outras pessoas do grupo tenham reclamado, muito, mas muito mais que ela).

Na verdade, ninguém lhe dava a chance de fazer um pouquinho de manha, a verdade é que eles não entendiam que o que ela queria mesmo era um pouco de atenção e carinho.

Mas quem disse que as pessoas entendem as carências? Pura ilusão, pura balela, você precisa aprender a conviver com suas carências, e, acredite, ninguém quer saber sobre elas. Talvez um terapeuta muito bem pago a escute, mas será que entenderá, de fato, o que se passa com um coração apinhado de mágoas e de carências? Estas eram questões que Eliane sempre colocava no plano de suas discussões internas.

E, entre pensamentos lúcidos, misturados aos efeitos etílicos, foi dormir.

A noite lhe reservava uma grande surpresa, trazendo até ela alegria, amor, carinho e alívio para o corpo, para a alma e o coração. Sonhara o sonho mais lindo dos últimos anos. Algo transcendental, algo que a deixou leve e a fez acordar sorrindo para a vida e Eliane se permitiu ser feliz e desejar que aquele sonho se transformasse em realidade.

Dizem que os sonhos podem se tornar realidade, então, Eliane passou a desejar com toda força que o seu sonho se materializasse e só restava a ela esperar. Há muito tempo Eliane aprendera que, por mais que a vida seja dura ou difícil, sempre será permitido sonhar…

 

(Do livro: Súbitas Presenças de Sônia Moura)

É PERMITDO SONHAR