DITIRAMBO

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DITIRAMBO (por Sônia Moura)

 

Esse canto é pra você, amigo Baco,

Pois você é dos meus,

Menino do balacobaco!

 

Alguns querem lhe condenar

Mas não sabem do seu passado

Sua família era de amargar,

Era tanta confusão

Que nas coxas do papai Zeus,

Você foi parar

E lá, acabou de se criar

 

Mesmo assim seguiu em frente

Rindo do falatório das gentes

Muito vinho, muito riso

Mas nada de muito siso

 

Na Grécia foi Dionísio

E teve outros nomes mais

Sua vida era um folguedo

Coisa séria era brinquedo,

Transas a todo vapor

Com alma de menino viril

Ás vezes, uma menina gentil

Ainda assim

Dizem que você, amigo Baco,

Não tinha nada de fraco

Era espada, era demais!

 

Festas, danças, bebedeiras

Eram muitas bacanais

Nas Dionísias urbanas

Fossem gregas ou romanas

Eram flautas a soar,

Dançarinas de se admirar

Com máscaras a coreografar

A alegria era certa

A orgia era um fato

Dizem, amigo Baco,

Que daí nasceu o teatro

 

Agora, falando sério,

Sério?

Baco está a gargalhar…

 

Levar a vida na boa

Deixar de sofrer à toa

Viver a vida de fato

Com alegria e sem recato

Baco, querido Baco,

Não é mesmo o seu retrato?

 

(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sonia Moura)

Marcha à ré (ou Tempo do Rei Velho)

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CAPÍTULO VI

Marcha à ré   (ou Tempo do Rei Velho)

 

Ao avô, do passado narrador,

Disse o jovem e atento ouvinte:

– Meu avô, para ser bem franco,

Ao ouvir suas histórias sobre o ontem,

Quando a vida era revelada em preto e branco

Nos livros, nas revistas, nas telas

Do cinema ou, mais tarde, da tv,

Senti que tudo era muito diferente

Daquilo  que hoje se vê

 

Porque…

A fruta madura e colorida saía do pé

Para a boca faminta,

Sumo escorrendo pelo rosto

E se comia com gosto

Sem tantos  “isso não pode”

Sem tantos “isso faz mal”,

Mal fazia beber leite e chupar manga

Mal fazia lavar os cabelos depois do almoço

Hoje é até engraçado,

Mas antes isso era um alvoroço

 

Era tudo tão simples…

O ovo vinha do quintal ou da granja,

As verduras da horta ou da quitanda

Na calçada, brincava-se de ciranda

À tardinha, das cadeiras admirava-se

Todas as cores do entardecer

 

Rendo-me solenemente ao passado

E com júbilo confesso:

– Tenho certeza de que, naquele tempo,

O mundo era muito mais pitoresco

E, com certeza, bem mais colorido

Ainda que fosse ilustrado e apresentado

Somente em preto e branco

 

[Da obra Tempo Absoluto e Tempo Relativo de Sônia Moura]

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À  MINHA TERRA, AO MEU LAR

Tu  ouviste, ó Rio de Janeiro,

O meu primeiro chorar

Despontando para o teu sol

Para o teu sal

Para o teu mar

Temperada com o dendê de um pai baiano

E como sobremesa,

um bom doce de uma mãe mineira

No mês do carnaval

Cheguei ao teu colo, meu Rio de Janeiro,

Não podia ser em outro lugar

Se ontem ouviste o meu chorar

Hoje o meu riso é todo teu

E também o meu cantar

 

 

 

OLHO DA CORUJA

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OLHO DA CORUJA (por SÔNIA MOURA)

 

No fundo do olho da coruja

Vi metáforas raras que

Falavam sobre um tempo

Em que não havia isolamento

Diferente da realidade de agora

Em que no bosque desfigurado

Vigora o silêncio

E o lamento.

Só lamento!

 

(Da obra: COISAS DE ADÃO E EVA, de Sônia Moura)

 

VAZIOS

VAZIOS (por Sônia Moura)

 

 

Para o banco vaziobancolilases

Ela lançou um olhar sombrio

Sentiu muita inveja

Das flores ao lado

O que desejava?

O que mais queria?

Que ele voltasse

E com ela ficasse

No banco vazio

E em meio a carícias

Enchesse de novo

O seu coração

Agora vazio

 

 

(Da obra: Coisas de Adão e Eva)

SAUDADE

DESTINO

Saudade

 

Saudade

É retrato desbotando na parede

É o tempo balançando na lembrança

É bruxa e fada nos trazendo a infância

É o terror vestido de esperança

 

Enfim

Saudade arde mais que pimenta

Fere mais que lança de batalhas

E nos faz viver devorando migalhas

De uma resposta esperada que não vem

Enquanto a angústia cruel nos atormenta

 

(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia Moura)

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A gargalhada do vilão

A GARGALHADA DO VILÃO (Autoria: SÔNIA MOURA)

Algo que até hoje me deixa encafifada: Por que a gargalhada dos vilões é sempre tão gostosa?

Se não me falha a memória, foi Thomas Hobbes quem disse: a gargalhada nasce da satisfação de quem a emite, uma vez que este julga ocupar posição superior ao outro, de quem ele ri, ou melhor, gargalha. Bem, não garanto que foi exatamente assim que Hobbes defendeu a sua idéia, mas creio que não fugi tanto à sua definição, que, para mim, ainda assim não explica a gargalhada gostosa dos vilões.

Quem sabe se buscarmos na etimologia da palavra consigamos explicar esta gostosa “gargalhada”?

A raiz garg- da palavra gargalhada – é uma onomatopéia do ruído de água durante o gargarejo ou da garganta quando o alimento é engolido sofregamente. É, mas para mim, esta explicação também não responde à minha pergunta: Por que a gargalhada dos vilões é sempre tão gostosa?

É claro que podemos  rir do outro por nos sentirmos superiores ou por nos sentirmos ou nos julgamos inferiores ao outro, ou ainda, num esforço maior, podemos rir de nós mesmos, ou abafar o riso, fingir que nada aconteceu. Mas, dar uma gargalhada é muito mais que isto, é soltar uma risada forte, ruidosa e prolongada.

Por que será que a gargalhada dos vilões é sempre tão gostosa e atraente? Quem conseguirá se esquecer da gargalhada do Coringa ou de qualquer outro vilão? -Ninguém, sabem por quê? Porque as gargalhadas dos vilões são marcantes.

Bem, vou lançar aqui a minha teoria sobre a gargalhada do vilão:

O vilão ri tão gostoso, porque sabe que não precisará desistir de azucrinar a vida do “mocinho” (mesmo que o herói não seja assim, tão mocinho), pois este, mesmo que possa, não irá exterminá-lo, pois, como se sabe, a sobrevivência do herói depende da insistência do vilão, que se esbalda rindo, ou melhor, gargalhando da situação, sempre.

 

Coringa

 

BOCAS

 

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Bocas  (Sônia Moura)

Qualquer beijo é bom (menos o beijo falso), mas beijo bom mesmo é o beijo na boca, esse é uma delícia. Se você tem uma boca para beijar, preste atenção:

Para evitar ser pego com a boca na botija e espantar o olho gordo que queira atrapalhar as delícias desse beijo, o melhor é fazer boca de siri ou, então, só comentar à boca pequena, senão o assunto se espalha de boca em boca.   

Prepare-se, sempre vai ter alguém falando à meia boca: -Gostaria de poder beijar assim, então, cala-te boca, nada de botar a boca no mundo, porque, tenha a certeza, se a notícia se espalhar, vai ter um mundo gente de boca aberta e um outro tanto com água na boca.

Portanto, nada de botar a boca no trombone, nada de alardear aos quatro ventos, não banque o boca grande, melhor se resguardar para não cair na boca do povo.

Dirão alguns: – Com certeza, ela caiu na boca do lobo, não ligue, vista a sua calça boca de sino (voltou à moda, sabia?) e não pare na boca do túnel, pois o fantástico é atravessá-lo, nada de ficar indecisa arriscando-se a entrar em um tremendo bate boca, você sabe, há muito boca suja por aí, então para que discutir?

 Pense só nos beijos, pense na língua roçando os lábios, acariciando o céu da boca, torne-se criança e brinque de “bento que bento é o frade, frade, na boca do forno, forno, tirai um bolo, bolo, tudo o que seu mestre mandar, faremos tudo.” Então,  o senhor mestre ordena: – vá conhecer o país das quimeras, não sabe onde é? Pergunte, pois quem tem boca vai a Roma, e se chegar lá na boca da noite, entregue-se às maravilhas de amar e, de novo, aproveite, porque beijo bom mesmo é o beijo na boca.

[Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia Moura]

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GARGANTA

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Garganta {por Sônia Moura}

 

A saudade se enfronhou em meu destino

E desandou a cobrar uma solução

Que desse paz ao meu coração

 

Estufei o peito e disse a ela:

– Esse caso eu resolvo, com ele não mais me envolvo,

Ele é passado, está do mapa riscado

 

Plantei um pé de comigo – ninguém – pode

Coloquei um galho de arruada na orelha

Para espantar qualquer mandinga

Agora só faço o que me der na telha,

Com ele não fico mais

Saiba, dona saudade, disso eu sou capaz

 

Ele deve ter outra, ela disse,

Eu retruquei confiante:- Nem quero saber de mais nada,

Só quero seguir adiante

 

O telefone tocou, a voz do outro lado sussurrou:

– Hoje podemos nos ver? Quero namorar você

Pronto, deu-se a desdita!

Assim não há quem resista, como posso dizer não

A razão vai perder feio, no jogo com a solidão

 

Lá se foram as certezas,

Lá se foram as brabezas

Lá se foram as promessas…

 

Como na vida ou na novela

A história se repete…

Lá fui eu toda coquete

Igual a uma perdida ovelha

Rindo de orelha a orelha

Cair na velha esparrela

E caindo mais uma vez

No velho conto do vigário

Que serve para pegar um otário

Como o meu bobo coração

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{Da obra: Coisas de Adão e Eva, de SôniaMoura}