CAPÍTULO VI
Marcha à ré (ou Tempo do Rei Velho)
Ao avô, do passado narrador,
Disse o jovem e atento ouvinte:
– Meu avô, para ser bem franco,
Ao ouvir suas histórias sobre o ontem,
Quando a vida era revelada em preto e branco
Nos livros, nas revistas, nas telas
Do cinema ou, mais tarde, da tv,
Senti que tudo era muito diferente
Daquilo que hoje se vê
Porque…
A fruta madura e colorida saía do pé
Para a boca faminta,
Sumo escorrendo pelo rosto
E se comia com gosto
Sem tantos “isso não pode”
Sem tantos “isso faz mal”,
Mal fazia beber leite e chupar manga
Mal fazia lavar os cabelos depois do almoço
Hoje é até engraçado,
Mas antes isso era um alvoroço
Era tudo tão simples…
O ovo vinha do quintal ou da granja,
As verduras da horta ou da quitanda
Na calçada, brincava-se de ciranda
À tardinha, das cadeiras admirava-se
Todas as cores do entardecer
Rendo-me solenemente ao passado
E com júbilo confesso:
– Tenho certeza de que, naquele tempo,
O mundo era muito mais pitoresco
E, com certeza, bem mais colorido
Ainda que fosse ilustrado e apresentado
Somente em preto e branco
[Da obra Tempo Absoluto e Tempo Relativo de Sônia Moura]