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À  MINHA TERRA, AO MEU LAR

Tu  ouviste, ó Rio de Janeiro,

O meu primeiro chorar

Despontando para o teu sol

Para o teu sal

Para o teu mar

Temperada com o dendê de um pai baiano

E como sobremesa,

um bom doce de uma mãe mineira

No mês do carnaval

Cheguei ao teu colo, meu Rio de Janeiro,

Não podia ser em outro lugar

Se ontem ouviste o meu chorar

Hoje o meu riso é todo teu

E também o meu cantar

 

 

 

BOCAS

 

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Bocas  (Sônia Moura)

Qualquer beijo é bom (menos o beijo falso), mas beijo bom mesmo é o beijo na boca, esse é uma delícia. Se você tem uma boca para beijar, preste atenção:

Para evitar ser pego com a boca na botija e espantar o olho gordo que queira atrapalhar as delícias desse beijo, o melhor é fazer boca de siri ou, então, só comentar à boca pequena, senão o assunto se espalha de boca em boca.   

Prepare-se, sempre vai ter alguém falando à meia boca: -Gostaria de poder beijar assim, então, cala-te boca, nada de botar a boca no mundo, porque, tenha a certeza, se a notícia se espalhar, vai ter um mundo gente de boca aberta e um outro tanto com água na boca.

Portanto, nada de botar a boca no trombone, nada de alardear aos quatro ventos, não banque o boca grande, melhor se resguardar para não cair na boca do povo.

Dirão alguns: – Com certeza, ela caiu na boca do lobo, não ligue, vista a sua calça boca de sino (voltou à moda, sabia?) e não pare na boca do túnel, pois o fantástico é atravessá-lo, nada de ficar indecisa arriscando-se a entrar em um tremendo bate boca, você sabe, há muito boca suja por aí, então para que discutir?

 Pense só nos beijos, pense na língua roçando os lábios, acariciando o céu da boca, torne-se criança e brinque de “bento que bento é o frade, frade, na boca do forno, forno, tirai um bolo, bolo, tudo o que seu mestre mandar, faremos tudo.” Então,  o senhor mestre ordena: – vá conhecer o país das quimeras, não sabe onde é? Pergunte, pois quem tem boca vai a Roma, e se chegar lá na boca da noite, entregue-se às maravilhas de amar e, de novo, aproveite, porque beijo bom mesmo é o beijo na boca.

[Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia Moura]

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ORAÇÃO ÀS AVESSAS

 ORAÇÃO ÀS AVESSAS

ORAÇÃO ÀS AVESSAS (por SÔNIA MOURA)

Palavras pesam
E podem ferir um coração
Não quero te deixar
E nem quero ficar
Eis o mistério de amar

De dentro do baú empoeirado
Saem palavras sangradas
Rolam correntes macabras
Correm rios desesperados
Descem lágrimas em aluvião
E eu, perdida, atordoada,
Procuro meu rosto na escuridão

Quero deixar-te ou não?
Interromper nossa aventura
Esquecer as nossas juras
Impossível
Sei que eu juro deixar-te
E te desconjuro por esse gostar
Enquanto tu, cinicamente, juras me amar

Maldigo o dia que te conheci
Bendigo a hora de te encontrar
Regozijo-me dos beijos que te dei
Mas, de uma coisa eu acho que sei:
Tu não és digno
De estar em minha morada
E nem de ter-me como sua amada

Dessa masmorra fria
Na qual doidamente me encerrei
Olho-te através das grades
Dessa prisão horrenda
Não porque me prendas

Prendo-me, arrependo-me e exagero
Simplesmente, porque te quero!

(Da obra: Súbitas Presenças, de Sônia Moura)

ORAÇÃO ÀS AVESSAS

(IR)REAL

(IR)REAL

(IR)REAL (Autoria: Sônia Moura)

Numa estrada deserta, encontrei um mascarado. Assustei-me, não por medo, assustei-me pelo deserto da estrada e pela incompatibilidade da data e da máscara. Era julho e não era carnaval.
Olhando-me por trás de sua máscara dourada como o sol do meio-dia, a voz saiu-lhe calma e doce como o sumo de uma romã madura a escorrer pela boca, a adoçar os lábios, a enternecer a língua.
– Aonde vais? Fica comigo.
Como estávamos só nós dois e o deserto da estrada, claro que o mascarado dirigia-se a mim e prontamente respondi:
– Vou em busca de todos os meus sonhos!
Imediatamente ele retrucou:
– Irás se arriscar em um porto qualquer? Os portos dos sonhos são tão nebulosos ou seriam diáfanos?
– Não sei, disse eu, mas quero ir para o paraíso, é lá que vivem meus sonhos.
– Ah! por que ir para tão longe e me deixar aqui, sozinho a contigo sonhar…
– Quem é você?
– Sou o teu sonho, sou tua estrela, teu amor…
– Tira a máscara, por favor, por favor!
Ele começou a cantar uma canção que falava de beijos trocados num quarto de motel, de luzes e espelhos a multiplicar o par de amantes, das juras de amor a nos segurar, do sexo e dos abraços que burlavam qualquer forma de desencanto.
Terminada a canção, ele me falou:
– É por isto que eu canto.
– Quem é você, de onde vem este seu encanto?
– Dos teus sonhos, ele disse.
– Dos meus sonhos? Mas estou indo ao encontro deles.
– Para quê, se podes embarcar no navio dos sonhos, agora? Disse o mascarado, deixando o sorriso ultrapassar a máscara.
– Que navio? Não estamos no mar.
Mais uma vez, o sorriso pulou daquele rosto oculto, fazendo que pensasse ter visto um rosto sem máscara.
– Sabes que eu te amo muito, muito, muito. Por que não acreditas em mim?
Aturdida e perdida no meio da estrada deserta, no meio do sonho deserto, pela primeira vez, vejo flores ladeando a estrada, flores amarelas, como a máscara e como o sol. Só o sorriso que saltava da máscara era cor da prata, brilhava mais que a luz daquele olhar suplicante.
– Meu Deus, quem é este homem? Por que de mim se esconde? Pensei.
– Tenho tanta saudade de ti, Pequenina.
– Oh! Deus, será que é você, aquele a quem procuro a tanto tempo…
– Podes vir, meu anjo, eu sempre serei teu, só teu, de mais ninguém. Naveguei por tantos mares, conheci portos e muitas mulheres, mas nunca te esqueci. Finalmente te encontro no meio deste nada, logo você que para mim é tudo…
Uma chuva fina começou a molhar nossos rostos, nossos corpos e nossos sonhos. Agora eram a flores que sorriam.
A chuva aumentou, a máscara foi-se diluindo, diluindo e aquele rosto antigo foi-se mostrando lentamente a mim, como uma flor a desabrochar no meio do deserto.
Vi aquele rosto tão saudoso, entreguei-me a seus abraços, esqueci-me da vida e só aí percebi que eu estava a sonhar…
Mas consolei-me porque mesmo sendo apenas um sonho, algo irreal, a súbita presença daquele mascarado, agora tão real para mim, deu-me a certeza de que, em toda a minha vida, nunca mais iria sentir um amor tão real.

(Do livro: Súbitas Presenças de SÔNIA MOURA)

(IR)REAL

INCÓGNITA

 INCÓGNITA

INCÓGNITA (Sônia Moura)

A noite passou correndo por mim
Enquanto eu, aconchegada,
Em braços e carinho
Em meio às dobras quentes
De um lençol em desalinho
Vivi, mais uma vez,
A ambígua ilusão do amor
Menino levado que
Sempre quebra a ordem lógica
De qualquer viver

Foi então que a incógnita do amor,
Absoluta, impávida,
Galhardamente postada a um canto
A entoar seus cantos,
A destilar encantos,
Mais uma vez, zombeteiramente,
Se pôs a se rir de mim

(Da obra: COISAS DE ADÃO E EVA, de Sônia Moura)

DESTINO

 DESTINO

DESTINO (por Sônia Moura)
Eu era perseguida ou perseguia?
Para onde me levava o destino?
Doce menino a dizer
– Não adianta fugir ou perseguir,
Tudo será como tiver de ser!

(Da obra: POESIA DIA A DIA)

DESTINO

Romance O Delfim de José Cardoso Pires – breve análise

O Delfim de José Cardoso Pires - breve análise

ATENDENDO A UM PEDIDO, SEGUE:

Romance O Delfim de José Cardoso Pires – breve análise

· Síntese alegórica
· Alegoria – é uma série contínua de metáforas para revelar um sentido oculto. Refere-se mais ao mundo abstrato e espiritual que ao concreto. É a expressão contínua de uma série de imagens ou metáforas de modo que as idéias e imagens se correspondem uma a uma
· Síntese alegórica de sua significação global: a onipresença da LAGOA (dinamismo vital ) – que atrai obsessivamente a atenção do narrador.

· Recuperação: o Fato e o Tempo (tentativa)
· Abstração e atemporalidade
· Presente “intemporal”
· Passado e Futuro nivelados , anulando diferenças dentro da circularidade temporal.
· Narrativa estruturada através das recordações do narrador personagem.
· Romance do próprio romance.
· Realidade circundante da qual o escritor é espectador.
· Consciência crítica {passa a funcionar como um antinarrador – aquele que vê de fora, critica e julga o que o “outro” está narrando.}
· Verdade é posta em dúvida
· Duplicidade à ambiguidade * narrador declarado dos fatos – o que deveria assegurar- nos a objetividade e o esclarecimento total do narrado, transforma-se em elemento provocador da ambiguidade essencial.
· Narrativa (toda ela) apoiada no “suspense” de intriga policial.
· Ultrapassa as fronteiras do realismo crítico – passando por rigoroso contorno político-social.
· Realismo dialético transformando-se em realismo mágico.
· DIÁLOGO *papel preponderante
· Registro de gestos e atitudes
· José Cardoso Pires sempre situou suas histórias num tempo e num espaço bem definidos – Portugal – pós-45
· O Documental regionalista, a historicidade projetam-se num plano mítico.
· Cristalização temporal x tempo cíclico; tempo estático x tempo dinâmico.
· Fusão da preocupação realista-ideológica (=a consciência social criada pelo neo-realismo) com a preocupação estético-criadora (= consciência da linguagem, como invenção, como elemento básico na criação da ficção).
· Postura realista (Persiste) – “nasce”um novo tratamento, o autor submete a palavra estética, dilui a objetividade narrativa em tal imprecisão de contornos, que o conhecimento direto e objetivo dos fatos narrados torna-se inteiramente impossível ao leitor.
· Romance de ação privilegiada- nível da fábula
· Romance de espaço (social ou psicológico) – confere à fábula importância reduzida.
· Reuperação pela memória dos momentos ( um ano antes)
· Fatos concretos emergem ao plano da narrativa através da experiência interior do narrador-personagem =interioridade evocada constantemente em lugar de se constituir em um marco de objetividade na recuperação do vivido (como é normal na postura memorialista tradicional) o que faz é anular todas as reais possibilidades de concretização dos fatos.
· Concreto x abstrato
· Jogo temporal: presente x passado x futuro – subverte a ordem cronológica dos acontecimentos – tempo fragmentado, então, através da memória, constrói o presente da narrativa.
· “Pistas”para a compreensão (romance policial * nouveau roman)
· Fábula (“história exemplar”) – substituída por dimensão alegórica – alegoria não pretende transmitir verdades, mas apenas “sugerir”realidades ocultas.
· Certeza x incerteza.
· Narrativa afirmativa x narrativa indagativa
· A escrita e a oralidade.
· Enigma indecifrado – lenda * símbolo, metáfora= neblina*
· Alter ego x autor implícito x autor explícito
· Assassínio ? suicídio?
· Truques.
· Realista (sem ser neo-realista).
· Luta de classes.
· Verossimilhança da ambigüidade.
· Linguagem reduzida a seus elementos essenciais.
· Linhas cruzadas.

· Efabulação FÁBULA x intriga, ( trama) – dicotomia conceptual (W.Propp e Roland Barthes) FÁBULA – corresponde ao material pré-literário que vai ser elaborado e transformado em intriga; estrutura compositiva já especificamnete literária. FÁBULA – resulta do ordenamento lógico e cronológico dos motivos nucleares que, pelo seu caráter dinâmico, assegura a progressão regular e coesão dos acontecimentos narrados. FÁBULA – mythos de Aristóteles
· História (story) x Plot (E.M.Forster):
· História(diegese) = O rei morreu e em seguida morreu a rainha.(Seqüência de eventos temporalmente ordenados que suscitam no leitor/ouvinte o desejo de saber o que vai acontecer .)
· Plot = O rei morreu e depois a rainha morreu de desgosto.( o plot envolve mistério e surpresa, desencadeia a participação inteligente da instância receptora, mobiliza a sua memória.
· A DIFERENÇA ESSENCIAL RESIDE NO PESO DIVERSO DOS PARÂMETROS TEMPO e CAUSALIDADE.
· Intriga(trama) pertence a um plano de oraganização macroestrutural do texto narrativo e caracteriza-se pela apresentação dos eventos segundo determinadas estratégias discursivas já especificamente literárias. Provoca o estranhamento, chamando a atnção para a percepção de uma forma.

(UFF – 2000)

O Delfim de José Cardoso Pires - breve análise

TEMPO!TEMPO!

TEMPO! TEMPO!

Tempo! Tempo! (Autoria: Sônia Moura)

Se khronos pode ser medido, eu não sei
O que eu sei é que os homens acham
Que ele pode ser contido
Por relógios, calendários ou em diários
Ilusão, doce ilusão

Já kairos, cá entre nós, está nas mãos de Deus
Não tem dimensão, não tem contenção, isto não
Este é o tempo de Deus
E é ele quem diz: – Seja bem-vindo ou adeus
Pensar que podemos controlar kairos
Ilusão, doce ilusão

(Do livro: POEMAS EM TRÂNSITO – Sônia Moura

TEMPO! TEMPO!