As MARCAS, aS ILUSÕES e as CAVERNAS

As MARCAS, aS ILUSÕES e as CAVERNAS (Autoria: Sônia Moura)

 

Atualmente, com raras exceções, vemos pessoas “iguais” na forma de vestir – se, todos (ou quase todos) seguindo o mesmo padrão, isto nos mostra que uma das marcas de identidade dos povos – a vestimenta – está cada vez mais sendo descaracterizada.

 

Esse apagamento cultural, por meio de um único jeito de vestir-se, por exemplo: jeans e t-shirt – é o reflexo de uma das formas de aculturação, quando somos exibidos como um exército de “seres iguais”, dentro de classes socioeconômicas tão desiguais; desigualdades essas que só se tornarão visíveis, pela ostentação de uma marca famosa, original (ou não).

 

Sem dúvida, essa necessidade de adquirir marcas renomadas nasce pelas mãos do desejo de pertencimento, de identificar-se com o seu grupo ou pela induzida vontade de ter, o grande perigo é que o ter geralmente passa a se sobrepor ao ser.

 

Possuir algum objeto de grife leva, ilusoriamente, aquele que a obtém a julgar-se especial, por poder usar uma marca celebrada, quando, na verdade, a imagem desse indivíduo estará diluída no emaranhado da floresta dos outros consumidores, que exibem os mesmos produtos e/ou marcas.

 

Então, cada um será apenas mais um no meio da soldadesca que caminha automaticamente dentro de um shopping, sendo parte de uma imagem congelada, saída de máquinas também automáticas, que vomitam fotos multicoloridas, como nossas ilusões, mas, na verdade essas são apenas sombras do que verdadeiramente somos.

 

O que vemos nas vitrines é o que nos seduz, é também o que julgamos que nos fará sedutores, e por esse jogo nos transformamos em eternos adolescentes deslumbrados com uma imagem que julgamos ser única, mas que, no fundo, há apenas um desejo: que seja igual a imagem de todos.

 

Dentro da caverna-shopping ou da caverna-tela (televisão, computador) começa a confecção da ilusão de pertencimento, afastando o ser do ter, por meio de mensagens sedutoras nos fazem acreditar no mundo das sombras, o que serve para sombrear as imagens das nossas vidas reais, e nós, iludidos por manipuladores mágicos, lemos as mensagens sobre o que vestir, o que calçar, o que falar, o que comprar, como se lêssemos um livro, sem refletirmos sobre o que está sendo narrado.

 

No entanto, para a maioria, consumir aquilo que manda o figurino, resulta em contas bancárias vazias e dívidas rolando “escada acima”, assim sendo, a marca famosa daquela bolsa pode esvaziar a bolsa (e o bolso) de quem a adquire, e, enquanto a marca da bolsa é sinônimo de poder, as marcas de preocupação aparecem, quando muitos se perguntam: – E agora, como pagar a conta?

 

Assim é que o apagamento de identidades é vendido como “estilo de vida”, as grifes do momento mais badaladas “valem quanto pesam em cada bolso”, e como pesam!

 

NÉCTAR DA ABUSADA POESIA

NECTAR DO TEU AMOR

NÉCTAR DA ABUSADA POESIA {SÔNIA MOURA}

 

Meu poema nem sempre é lúcido,

Mas, quase sempre, é louco

 

Ele é feito

De palavras descabeladas

De rimas trocadas

De frases surradas

De barro amassado

De mármore lapidado

De diamante em chama

De horas suadas

De encanto jogado no canto

De desencanto ferindo entranhas

 

Coisa estranha!

 

Desafiando qualquer teoria

Circulando por tortuosas linhas

E destilando confessa ironia

Está o moinho de minhas palavras

Dando preciosidade a meus versos

Deixando meu poema entre

A  loucura e a lucidez

Não dando à lógica a vez

Está o néctar da abusada poesia

 

{Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO, de Sônia Moura}

 

NUANCE ANAGRAMÁTICA

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NUANCE ANAGRAMÁTICA (por SÔNIA MOURA)

A palavra ONSIA é um anagrama para o nome SÔNIA.

Teria essa anagramia o objetivo humorístico, irônico ou será que essas associações incorporam vestígios dos mistérios do “amar pela última vez”, que tão inocentemente, pensando existir, afirmamos ser possível, então, nos escondemos em nossas conchas, fazendo do dia, noite, arrastando silêncios, quando seria mais fácil sorrir, deixar o humor fluir, deixar o amor surgir? 

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Anagrama (do grego ana = “voltar” ou “repetir” + graphein = “escrever”) é uma espécie de jogo de palavras, resultando do rearranjo das letras de uma palavra ou frase para produzir outras palavras, utilizando todas as letras originais exatamente uma vez. Em uma forma de anagramia mais avançada, sofisticada, o objetivo é ‘descobrir’ um resultado que tenha um significado linguístico que defina ou comente sobre o objetivo original de forma humorística ou irônica.

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“Que o amor é complicado, ninguém questiona. Mas o povo boro, da Índia, tem vocabulário aparentemente bem mais atento às nuances desse sentimento do que muitas línguas. Para eles onsay significa “fingir amar”; ongubsy, significa “amar de verdade” e onsia, amar pela última vez”.

MURANO, Edgar. O mundo maravilhoso da palavra intraduzível.Revista Língua Portuguesa– Ano II – no. 31- Maio de 2008.
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NUANCES

amor - razões

NUANCES (por SÔNIA MOURA)

Sob o título “O mundo maravilhoso da palavra intraduzível”, a revista Língua Portuguesa – Ano II – no. 31- Maio de 2008, traz um belíssimo artigo sobre algumas particularidades da língua, no que concerne às abordagens diversificadas de uma mesma realidade, quando, por exemplo, para um vocábulo  da língua portuguesa, outros idiomas, por vezes, apresentam três ou mais palavras para identificar o que nós, falantes da língua portuguesa, fazemos com o uso de uma só palavra.

O autor do texto, Edgar Murano, assim inicia sua exposição:

“Que o amor é complicado, ninguém questiona. Mas o povo boro, da Índia, tem vocabulário aparentemente bem mais atento às nuances desse sentimento do que muitas línguas. Para eles onsay significa “fingir amar”;ongubsy, significa “amar de verdade” e onsia, amar pela última vez” “.

E o jornalista prossegue fornecendo outros exemplos, também, muito interessantes.

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Que perigosa delícia dá-se nomes diversos às diversas faces do amor.

Quem se atreveria a confessar a outrem que, no momento supremo da conquista ou nos momentos do amor acabado, que apenas fingia amar? Quem diria alto e bom som: onsay!onsay! ?

 

Por outro lado, seria facílimo para todos, mesmo para quem fingisse amar, usar o vocábulo ongubsy, para falar sobre o seu sentimento, ainda que este fosse, na verdade, fingido ou mentiroso.

 

Mas, da boca daquele/daquela que estivesse amando de verdade, tenho certeza de que a entonação dessa palavra seria diferente, bastaria que, a quem a declaração se destinasse,  estivesse mesmo atenta/o.

Diga-me quem puder:

Como saber que estamos amando pela última vez? Pois, quantas vezes a palavra onsia, a nosso modo, é pronunciada, para, na primeira curva da esquina, percebermos que pronunciamos esse nome em vão, porque o amor nos arrebata outra vez, embora lutemos tanto para negar.

Então, voltamos, rabinho entre as pernas, esquecidos da palavra “onsia” e a gritarmos: Ongubsy! Ongubsy!

 

Ah! O amor! O amor é mesmo complicado ou somos nós que não sabemos ver suas nuances com clareza? Difícil dizer.

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MOVIMENTOS BARROCOS

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MOVIMENTOS BARROCOS

 

Por que nos perdemos

Em sonhos

Em manhas

Em manhãs

Em noites

Em ilusões vãs?

 

Por que o agora

Não é mais outrora

Não é mais futuro

Não é mais seguro?

 

Por que a dúvida

Brigando com a certeza

De que esse amor

Está fora da cama

Está fora da mesa

Está fora da lida

Está fora da vida

 

Por que não se acorda

Quando o alarme brada

Quando o coração nos mostra

Que nada mais existe?

 

Assim

Mesmo que seja triste

É hora de partir

É hora de sentir

Que tudo acabou

Que o adeus existe

E é preciso dizer

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MENSAGEM ANGELICAL

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MENSAGEM ANGELICAL (de Sônia Moura)

 

Tenho certeza de que era um anjo

Disfarçado sob as penas de um pássaro

Vindo em socorro de alguém desesperado

Preso numa cruz,

Bem no meio de uma louca encruzilhada

 

– Fala, anjo, em agonia, o prisioneiro bradou

 

O anjo- pássaro suavemente cantou

E quem soube ouvir, ouviu e se encantou

Entre outras palavras, isso ele falou:

– Tenha calma, o tempo ainda não chegou!

Deixou sua mensagem e depois voou!

 

 

(Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura)

ENAMORADOS

 ENAMORADOS (Autoria: Sônia Moura)

Promessa dos deuses, só agora cumprida,
Trouxe à nossa lembrança
A saudade de um tempo tão bom
Uma alegria imensa que não se pode traduzir,
Só se pode sentir…

Ressurgiu minha fada madrinha e nos reaproximou
Felizes, fizemos amor, nos (re) apaixonamos,
Recriamos nosso Conto de Fadas

Penetrastes em minha floresta,
Redescobriste a minha caverna
Empapucei-me com todos os seus doces
Rimos dos monstros, dos lobos, das madrastas
Deixamos para lá os sapos,
Esquecemos a fatídica meia-noite

Ao final, afinal, meu príncipe calçou-me o sapatinho
Revelei-me: sou tua princesa amada
Disseste então: eu sempre soube, estava à tua procura
Sempre escutei a tua gargalhada,
Sempre sonhei com o teu carinho,
Enfim, chegastes…
Sorrimos

Na luz da manhã, um sonho antigo se firmou
E despejou sobre nós a cor da esperança
( Só entende isto quem um dia já amou).
Por ordem dos deuses, das fadas e dos duendes,
Almas, destinos, corações e corpos
A partir de então estavam (re)atados

Este é o destino dos enamorados

(Dia quente de fevereiro, reais fantasias.)

(Da obra: Entre Beijos e Vinhos – Sônia Moura)

ODE AO RIO DE JANEIRO

 

Ode ao Rio de Janeiro   [por Sônia Moura]

Rio de Janeiro

Eu te vejo na corcova do camelo

Corcoveando, Corcovado

E o ano inteiro

Me lambuzo

No açúcar de teu pão

Que alimenta minha emoção

E mela meu coração

Com alegria, fantasia e calor

Para depois eu me desmanchar

Nas águas do teu mar

Que um dia chamaram rio

E para ti

Eu sorrio

No meio de tuas flores morenas

No meio de teus amores

Rio, sei de tuas mazelas

E me preocupo com elas

Mas nada lhe tira o brilho

Rio de Janeiro

És o meu amor primeiro

Nas curvas de tuas montanhas

Em tuas serras encerras

Sambas e malemolências

Tens tuas montanhas russas

Tão loucamente brasileiras

Resplandeces em sóis

De brilhantes diamantes

Das areias de Copacabana

Dos bacanas, dos humildes,

Dos loucos, santos e dos bandidos

Que vagam por teus caminhos

Nas areias de Ipanema

Pelas ruas do Leblon

E desembarcam na Urca

Ou quem sabe,

Sobem pelos trilhos dos subúrbios

Nas curvas que fazem os trens

Levando um povo

Que, apesar dos pesares,

 leva a vida com alegria

E deixa a tristeza “a neném”

Mas, em teu seio, meu Rio,

Acontecem tantos encontros

Caminhos tortos, concêntricos

Levando todos ao teu Centro

Com tuas belas igrejas

Com teus terreiros ancestrais

Com teus celeiros de bambas

Com tuas favelas coloridas

Com gente alegre, feliz

Que embora muito sofrida

Dá o tom do carnaval

Da folia e da alegria

Rio, mesmo que haja descompasso

Nas tuas loucuras mil

És mesmo, meu Rio, o coração do Brasil

Rio de Janeiro

Amor de uma vida inteira

Te amo de qualquer maneira

Amo

Tuas lapas mais profundas

Teus batuques acadêmicos

Tua moçada bonita

Teu descompasso maneiro

Tua aula de ciências

Nos corpos e formas tantas

De prostitutas e  de santas

No modo de todos nós

Sambar, cantar e sorrir

É no calor dos teus atabaques

que suportamos os baques

Que a vida às vezes nos dá

Rio de Janeiro

Foste tu que viste

Meu primeiro despertar

Num subúrbio carioca

Que está bem longe do mar

Viste, ó Rio de Janeiro,

O meu primeiro chorar

Despontando para o teu sol

Para o teu sal

Para o teu mar

Temperado no dendê baiano

E com um bom doce mineiro

Cheguei ao teu colo, meu Rio,

Não podia ser em outro lugar

Se ontem vistes o meu chorar

Hoje o meu riso é todo teu

E também o meu cantar

Só no meu Rio de Janeiro

O pôr do sol ganha aplausos

Que arpoam tua luz

Mostrando para todo mundo

Que esse astro nos seduz

Rio de Janeiro

Internacional e brasileiro

És e sempre serás

O meu amor único e o primeiro!

[Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura]

Ambiguidades

ambiguidades

Ambiguidades (por Sônia Moura)

As palavras raras
Que bailam em tua boca
Trazem em seu bojo
A certeza da ambiguidade
Entre a palavra e a verdade
É espectro, é sombra
De uma trama bem urdida
Serve apenas
Para tentar estancar o sangue
Buscando esconder a ferida
Que se quer seja escondida

Mas não tem jeito não
Ferida do coração
Não há sutura que estanque
Não há palavra que amanse
Não adianta discurso
Não adianta análise
Não adianta firula
Não adianta nem pílula
Nada resolve as pendengas
Nascidas do coração

Por isso, acorde, seu moço,
Guarde seu falar bonito
Essa ferida danada, seu moço,
Não se cura nem com grito

(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia Moura)