POR AMOR À ARTE ( Autoria: SÔNIA MOURA)
Movendo-se pelo palco, o ator precisa conquistar a sua platéia, sua missão é fazer o seu público compreender, sentir e participar da arte, uma vez que só a compreendemos, de fato, quando dela participamos, quando a sentimos, quando nos emocionamos, quando acreditamos, por exemplo, estar no palco “alguém” (o personagem) real, vivendo um tempo real, num espaço real, quando deixamos o cotidiano em suspenso para vivermos a experiência estética, para, através de seus elementos e recursos, substituir a seqüência temporal – espacial e, pelos fluxos da consciência, reinventarmos o que já foi inventado, fazendo acontecer por formas e conteúdos aquilo que desejamos– a transferência pelo ritual mágico da representação- . Para isto, é preciso representar o real transfigurado de irreal ou criar um novo real, por meio de linguagens.
Movendo-se pelo palco, o professor sabe que ninguém educa ninguém, cada um se educa, por isso o mais importante é levar o outro a pensar, a sentir e agir, a ser capaz de perceber o mundo que o cerca. É necessário conquistar a sua platéia, uma platéia que é, ao mesmo tempo, espectador e ator, é preciso fazê-la participar, trocar experiências, desenvolver capacidades, ser capaz de analisar, de criticar, de argumentar, de refletir e de defender seus pontos de vista. Para isto, é preciso representar o real transfigurado de (ir)real ou criar um novo real por meio de linguagens.
O teatro pode recorrer a outros recursos para enriquecer o espetáculo: o jogo de luzes e cores, a música e o cenário e o ator pode, além da fala, usar outros recursos: o gestual, a entonação da voz, a mímica, a maquilagem, o figurino, o corpo, para representar o seu personagem. Conhecer bem o seu personagem é imprescindível para que o ator, ao apresentá-lo em cena, convença a platéia de que a metamorfose – em deus, herói, rei, bandido, vilão, mocinho ou simplesmente um representante do povo – é real. Deverá o ator também ser capaz de mover-se e incorporar-se a tempos anacrônicos ou sincrônicos, ser capaz de se transmutar, definir ou indefinir imagens, de humanizar ou desumanizar heróis, anti-heróis, homens comuns ou deuses, para tal é preciso usar a imaginação, treinar com afinco, selecionar, se aperfeiçoar.
Por sua experiência particular, o ator deverá desenhar um traço de união entre o ilusório e o verdadeiro, entre o que é meramente percebido e o que efetivamente existe e desenhar outro traço de união entre ele, o cenário e sua platéia. Estes traços deverão ser direcionados por seu olhar, por seus dons sensoriais e intelectuais e por meio de cinestesias.
Faz-se necessária a presença de um outro (o personagem), é preciso desvendar-lhe a alma e doar- lhe o corpo, fazê-lo incorporar-se ao seu papel (ou será o papel que se incorpora a este corpo?), é preciso usar a voz como instrumento de interpretação e convencimento, é preciso usar o silêncio para convencer, para vencer e para conquistar.
Ator por vocação ou por imposição da profissão, o professor, no centro do palco, circula por um cenário quase sempre imutável, não usa figurino, máscara, maquilagem ou iluminação especial, restam-lhe a voz, os gestos e o corpo para representar o papel em que ele é ao mesmo tempo ator, que representa a si mesmo convertido em personagem, e espectador, quando o foco de uma luz imaginária se volta para o seu aluno ou para a sua classe.
É preciso cativar a platéia, conhecer o seu público que é espectador e também ator e personagem, é público “cativo”, é necessário despertar-lhe o interesse. A peça (sua disciplina) deve ser interativa, o texto (a aula do dia) deve ser rico e cativante (ao menos na parte criada por ele para a sua exposição). O professor – ator principal – quase sempre, não será avaliado de maneira formal, no entanto sua platéia é exigente e irá julgá-lo, mas, formalmente quem será avaliado é a sua assistência (alunos). Neste espaço e tempos reais será preciso manter certa disciplina no palco e na platéia. Quem será o personagem principal neste palco? O professor, o aluno ou ambos? Nenhum deles, pois nesta peça, os papéis normalmente se invertem.
No palco do teatro ou da sala de aula, o ator, o professor e o aluno estão sujeitos a regras disciplinares e a normas de conduta, estas são necessárias, desde que flexíveis, desde que não sejam usadas para manipular a equipe, pois atores não são marionetes e alunos também não. A arte de representar não é mera cópia ou mera repetição, a aula também não.
Assim, sem uma direção inteligente (do diretor teatral ou do professor), não haverá colaboração ou troca, haverá uma empobrecedora repetição e o resultado será, certamente, desastroso, o produto final será o de uma aula ou de uma representação de cacos, que dificilmente poderão ser reunidos, para que tal não aconteça, é necessário organizar o elenco e o espetáculo e é imprescindível organizar-se, não se pode dispensar, por exemplo, um bom planejamento para o espetáculo e para a aula.
Cabe ao diretor (de teatro) ser um professor da arte de representar e ser a bússola que conduz o seu elenco e o seu espetáculo, cabe ao diretor da escola (professor) orientar a sua equipe para que trabalhe com a finalidade de incentivar os alunos a buscar suas próprias respostas aos problemas que se apresentem em seu cotidiano, pois o espetáculo deve comunicar algo à platéia, a aula também, pois, só há verdadeiramente aprendizagem, quando, surgida a oportunidade, o educando é capaz de aplicar o que aprendeu.
Estes conceitos nos mostram a dimensão do diálogo estabelecido entre estas artes envolventes, densas e que constroem através da muitas formas de linguagem, o caminho para o encontro de sucessivos momentos de estruturas imagísticas e simbólicas, nas quais múltiplas vozes, num divino regresso nos convocam a ouvir-lhes o clamor, tudo … POR AMOR À ARTE.
(Trabalho apresentado em Seminário – UFF -2005)