A Geometria da Luz

LUZ
A cortina, embalada pelo vento, ensaia uns passos de balé, e, no seu vai-e-vem , a geometria da luz se apresenta a mim. Na janela semi-aberta, a cortina, qual os sete véus da bailarina, me seduz , mas se entrega ao sabor do vento .

Surge a primeira forma, um quadrado feito de luz e sombra, que rapidamente se duplica , quando um traço de sombra o divide.
O movimento se espalha pela cena, o vento embala a cortina que dança, ou melhor, apenas uma parte dela se move, deixando a luz penetrar pela “janela lateral do quarto de dormir”.

Com este jogo de esconde e mostra, o vento quer – me oferecer múltiplas formas, através das variações entrecruzadas de luz e sombra.

O véu – cortina se abre e fecha num exercício frenético .

O quadro de luz retorna à cena, ali permanece por alguns instantes, para ceder lugar ao triângulo luzente que se transforma em leque, em losango, num pequeno triângulo e, antes de terminar este ato, toda luz se condensa em uma pequena esfera que se rompe em dois minúsculos pontos de luz a se exibir no meio de uma sombra imensa, como se fossem duas contas douradas.

Abruptamente a cortina se fecha. Em cena, fica somente a sombra que enche o palco, como se quisesse dizer: – Sou a parceira da luz, faço parte do jogo, faço parte da arte.
Meus olhos se deliciam com os movimentos dos que dirigem o show. O que será que mais me atrai: a luz que está no centro das imagens formadas ou a sombra que lhes dá o contorno?
E o vento resolve, novamente, balançar a cortina.

Começa outro ato.

Adentra o palco um losango cheio de luz ou seria um balão aceso num céu-chão? Não cabe aqui cantar: “Cai, cai, balão!”. A equipe que dirige o show grita sussurrando: Vai, vai, balão! , esta é a sua deixa, sai de cena, seu tempo é curto.

Retrucam os atores: – O tempo é infinito!
Estamos na reta final, o vento está cansado, sopra leve: o quadrado retorna , vai-se desmanchando, vai-se transformando, vai-se refazendo lentamente: triângulo, losango, quadrado….
Cai o pano.

Como se fosse àgua escorrendo pela montanha de madeira, a sombra agora está absoluta no palco, somente uma conta dourada desenhada por uma luz pálida ainda insiste em atravessar a barreira , mas nem é notada.

O espetáculo é finito.

(Do livro CONTOS E CONTAS de SÔNIA MOURA)

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