Com o papel amarelecido pelo tempo em suas mãos enrugadas, também pelo tempo, Marieta relia, mais uma vez, aquelas mal traçadas linhas.
Nestes momentos, Marieta voltava a ser a jovem que viajava para tempos que lá se vão, quando computador, e.mail e celulares sequer passavam por nossas mais loucas fantasias, sonhos, delírios, desejos e outros quetais, pensou. Um tempo no qual muitas cartas de amor, de qualquer forma de amor, começavam assim: “Tomo da pena e do papel para escrever essas mal traçadas linhas…”, que, aliás, não eram tão mal traçadas assim, concluiu Marieta.
Um sorriso pálido emoldurou-lhe a face e iluminou-lhe o olhar, trazendo do passado a jovem que esperava no portão a chegada do senhor Marcolino, o carteiro do vilarejo, onde morava a ilustre dama. Ilustre Dama, era assim que a ela se dirigia o cavalheiro, dono de seu coração.
A memória afetiva da ilustre dama trouxe do fundo do baú da saudade a imagem do jovem donairoso, com seu majestoso bigode e suas roupas elegantes. Marieta, agora, via-o curvar-se, beijando-lhe a mão, num gesto galanteador, bastante envolvente.
– – Meu Deus, tanto tempo se passou. Por onde andará Ricardo? Será que ainda vive? Ela mesma respondeu:
– – Claro que sim, Ricardo vive, ao menos para mim, nas imagens emolduradas por essas mal traçadas linhas…
Misturando-se ao sorriso da jovem de outrora que voltava no tempo, por meio daquelas mal traçadas linhas, uma lágrima de saudade, imitando uma conta multicor, atravessou a barreira dos óculos e veio banhar a mão outrora beijada, respingando no amor em forma daquelas mal traçadas linhas...
(Do livro CONTOS E CONTAS de SÔNIA MOURA)