NÉCTAR DA ABUSADA POESIA

NECTAR DO TEU AMOR

NÉCTAR DA ABUSADA POESIA {SÔNIA MOURA}

 

Meu poema nem sempre é lúcido,

Mas, quase sempre, é louco

 

Ele é feito

De palavras descabeladas

De rimas trocadas

De frases surradas

De barro amassado

De mármore lapidado

De diamante em chama

De horas suadas

De encanto jogado no canto

De desencanto ferindo entranhas

 

Coisa estranha!

 

Desafiando qualquer teoria

Circulando por tortuosas linhas

E destilando confessa ironia

Está o moinho de minhas palavras

Dando preciosidade a meus versos

Deixando meu poema entre

A  loucura e a lucidez

Não dando à lógica a vez

Está o néctar da abusada poesia

 

{Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO, de Sônia Moura}

 

MOVIMENTOS BARROCOS

coração partido

MOVIMENTOS BARROCOS

 

Por que nos perdemos

Em sonhos

Em manhas

Em manhãs

Em noites

Em ilusões vãs?

 

Por que o agora

Não é mais outrora

Não é mais futuro

Não é mais seguro?

 

Por que a dúvida

Brigando com a certeza

De que esse amor

Está fora da cama

Está fora da mesa

Está fora da lida

Está fora da vida

 

Por que não se acorda

Quando o alarme brada

Quando o coração nos mostra

Que nada mais existe?

 

Assim

Mesmo que seja triste

É hora de partir

É hora de sentir

Que tudo acabou

Que o adeus existe

E é preciso dizer

dor de amor (1)

 

 

MENSAGEM ANGELICAL

passaros 1

MENSAGEM ANGELICAL (de Sônia Moura)

 

Tenho certeza de que era um anjo

Disfarçado sob as penas de um pássaro

Vindo em socorro de alguém desesperado

Preso numa cruz,

Bem no meio de uma louca encruzilhada

 

– Fala, anjo, em agonia, o prisioneiro bradou

 

O anjo- pássaro suavemente cantou

E quem soube ouvir, ouviu e se encantou

Entre outras palavras, isso ele falou:

– Tenha calma, o tempo ainda não chegou!

Deixou sua mensagem e depois voou!

 

 

(Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura)

ENAMORADOS

 ENAMORADOS (Autoria: Sônia Moura)

Promessa dos deuses, só agora cumprida,
Trouxe à nossa lembrança
A saudade de um tempo tão bom
Uma alegria imensa que não se pode traduzir,
Só se pode sentir…

Ressurgiu minha fada madrinha e nos reaproximou
Felizes, fizemos amor, nos (re) apaixonamos,
Recriamos nosso Conto de Fadas

Penetrastes em minha floresta,
Redescobriste a minha caverna
Empapucei-me com todos os seus doces
Rimos dos monstros, dos lobos, das madrastas
Deixamos para lá os sapos,
Esquecemos a fatídica meia-noite

Ao final, afinal, meu príncipe calçou-me o sapatinho
Revelei-me: sou tua princesa amada
Disseste então: eu sempre soube, estava à tua procura
Sempre escutei a tua gargalhada,
Sempre sonhei com o teu carinho,
Enfim, chegastes…
Sorrimos

Na luz da manhã, um sonho antigo se firmou
E despejou sobre nós a cor da esperança
( Só entende isto quem um dia já amou).
Por ordem dos deuses, das fadas e dos duendes,
Almas, destinos, corações e corpos
A partir de então estavam (re)atados

Este é o destino dos enamorados

(Dia quente de fevereiro, reais fantasias.)

(Da obra: Entre Beijos e Vinhos – Sônia Moura)

ODE AO RIO DE JANEIRO

 

Ode ao Rio de Janeiro   [por Sônia Moura]

Rio de Janeiro

Eu te vejo na corcova do camelo

Corcoveando, Corcovado

E o ano inteiro

Me lambuzo

No açúcar de teu pão

Que alimenta minha emoção

E mela meu coração

Com alegria, fantasia e calor

Para depois eu me desmanchar

Nas águas do teu mar

Que um dia chamaram rio

E para ti

Eu sorrio

No meio de tuas flores morenas

No meio de teus amores

Rio, sei de tuas mazelas

E me preocupo com elas

Mas nada lhe tira o brilho

Rio de Janeiro

És o meu amor primeiro

Nas curvas de tuas montanhas

Em tuas serras encerras

Sambas e malemolências

Tens tuas montanhas russas

Tão loucamente brasileiras

Resplandeces em sóis

De brilhantes diamantes

Das areias de Copacabana

Dos bacanas, dos humildes,

Dos loucos, santos e dos bandidos

Que vagam por teus caminhos

Nas areias de Ipanema

Pelas ruas do Leblon

E desembarcam na Urca

Ou quem sabe,

Sobem pelos trilhos dos subúrbios

Nas curvas que fazem os trens

Levando um povo

Que, apesar dos pesares,

 leva a vida com alegria

E deixa a tristeza “a neném”

Mas, em teu seio, meu Rio,

Acontecem tantos encontros

Caminhos tortos, concêntricos

Levando todos ao teu Centro

Com tuas belas igrejas

Com teus terreiros ancestrais

Com teus celeiros de bambas

Com tuas favelas coloridas

Com gente alegre, feliz

Que embora muito sofrida

Dá o tom do carnaval

Da folia e da alegria

Rio, mesmo que haja descompasso

Nas tuas loucuras mil

És mesmo, meu Rio, o coração do Brasil

Rio de Janeiro

Amor de uma vida inteira

Te amo de qualquer maneira

Amo

Tuas lapas mais profundas

Teus batuques acadêmicos

Tua moçada bonita

Teu descompasso maneiro

Tua aula de ciências

Nos corpos e formas tantas

De prostitutas e  de santas

No modo de todos nós

Sambar, cantar e sorrir

É no calor dos teus atabaques

que suportamos os baques

Que a vida às vezes nos dá

Rio de Janeiro

Foste tu que viste

Meu primeiro despertar

Num subúrbio carioca

Que está bem longe do mar

Viste, ó Rio de Janeiro,

O meu primeiro chorar

Despontando para o teu sol

Para o teu sal

Para o teu mar

Temperado no dendê baiano

E com um bom doce mineiro

Cheguei ao teu colo, meu Rio,

Não podia ser em outro lugar

Se ontem vistes o meu chorar

Hoje o meu riso é todo teu

E também o meu cantar

Só no meu Rio de Janeiro

O pôr do sol ganha aplausos

Que arpoam tua luz

Mostrando para todo mundo

Que esse astro nos seduz

Rio de Janeiro

Internacional e brasileiro

És e sempre serás

O meu amor único e o primeiro!

[Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura]

DESAPEGO

DESAPEGO

DESAPEGO

O que procuras nas telas da tevê?
Em outros também se ver?

O que procuras no fundo do espelho?
Não ver os teus olhos vermelhos?

O que procuras na foto antiga?
O retorno daquela vida?

O que procuras no reflexo das águas
Afogar as tuas mágoas?

O que procuras nas nuvens do céu?
Reacender da paixão o fogaréu?

O que procuras no olhar perdido?
Se ainda resta um pouco do amor antigo?

Conselho de quem te quer:

Não procures em outros tempos
Não procures em outras imagens
E nem mesmo fora de ti
O que não existe mais
Não meta as mãos pelos pés
Acorda o teu silêncio
Valoriza o que tu és
Viva o tempo de agora

– E o resto?
– Tu jogas fora

(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia Moura)

DESAPEGO

ORAÇÃO ÀS AVESSAS

 ORAÇÃO ÀS AVESSAS

ORAÇÃO ÀS AVESSAS (por SÔNIA MOURA)

Palavras pesam
E podem ferir um coração
Não quero te deixar
E nem quero ficar
Eis o mistério de amar

De dentro do baú empoeirado
Saem palavras sangradas
Rolam correntes macabras
Correm rios desesperados
Descem lágrimas em aluvião
E eu, perdida, atordoada,
Procuro meu rosto na escuridão

Quero deixar-te ou não?
Interromper nossa aventura
Esquecer as nossas juras
Impossível
Sei que eu juro deixar-te
E te desconjuro por esse gostar
Enquanto tu, cinicamente, juras me amar

Maldigo o dia que te conheci
Bendigo a hora de te encontrar
Regozijo-me dos beijos que te dei
Mas, de uma coisa eu acho que sei:
Tu não és digno
De estar em minha morada
E nem de ter-me como sua amada

Dessa masmorra fria
Na qual doidamente me encerrei
Olho-te através das grades
Dessa prisão horrenda
Não porque me prendas

Prendo-me, arrependo-me e exagero
Simplesmente, porque te quero!

(Da obra: Súbitas Presenças, de Sônia Moura)

ORAÇÃO ÀS AVESSAS

DE BOCA EM BOCA

 DE BOCA EM BOCA

De boca em boca (por Sônia Moura)

Um soco na boca
Do estômago
– Chocante!
Um sussurro na boca
Da noite
– Calmante!
Um grito na boca
Do gol
– Esfuziante!
Um bolo na boca
Do forno
(Cheiro e sabor)
– Gostosamente!
Um sumiço na boca
Da noite
– Preocupante!
Um esconderijo na boca
Da mata
– Interessante!
Seu nome de boca em boca
(Se você der trela)
– Desconcertante!
Um beijo na boca amada
Um beijo de boca a boca
Vale mais que um diamante
– Coisa gostosa!
– Coisa de amante!
– Glorificante!

(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia Moura)

DE BOCA EM BOCA