CAMINHÃO DE MUDANÇA

Antes da catástrofe financeira, o marido havia pensado em se separar, queria ficar livre para curtir a vida, agora era muito rico, queria conhecer muitas mulheres, ser dono do seu nariz. Viver.
Não tendo coragem para falar abertamente com a mulher sobre o seu desejo, escreveu uma carta, ainda assim faltou coragem para colocá-la no correio. Depois mando esta carta, pensou.
O empobrecimento repentino trouxe uma surpresa, descobriu que amava sua mulher, e que mulher! Ficou a seu lado, enquanto quase todos lhe viraram as costas, inclusive as “namoradinhas”, ninguém queria ficar ao lado de um derrotado. Ninguém, não, ela e alguns familiares ficaram.
A vida da família mudara bastante, eles também precisavam mudar-se para longe. Adeus praia, jóias, carro do ano, roupas de grife, viagens. Adeus.
Logo cedo, o caminhão de mudanças chegou, rapazes fortes iam pegando móveis, eletrodomésticos, caixas, pacotes, tudo. O desconsolo do casal era visível, as crianças ainda não entendiam muito bem o que estava acontecendo, mas foram avisados de que tudo iria mudar muito.
O caminhão seguia pela avenida principal e a família seguia logo atrás, no fusquinha que um primo dela emprestara. De repente, uma freada brusca. A porta do caminhão – baú se abriu, pacotes e caixas foram para o asfalto. Trânsito parado, confusão. O que houve? O que aconteceu?
O motorista, branco feito um fantasma, explicava que o motoqueiro surgira abruptamente, só tivera tempo de frear. O motoqueiro apalermado, levantou-se, por sorte não fora atingido.
– Meu Deus, protegei a minha família, rezou baixinho a mulher, pensando que este poderia ser mais um problema. E se perdessem algo importante? Todos começaram a juntar o que se espalhara pela rua. De repente, o menino mais novo gritou: – Pai, a caixa caiu no canal, vai afundar, paaaaii…..
Foi a mãe que correu para tentar salvar a caixa, mas não houve tempo. Enquanto a caixa ia afundando lentamente, eles ainda conseguiram ler a palavra que a identificava: ESCRITÓRIO.
Como um raio, veio à memória do homem – a carta! Estava tão escondida, até ele se esquecera dela. Agradeceu a Deus, a mulher começou a chorar, ele sorria e chorava.
O homem foi tomado por uma enorme onda de alegria, abraçou bem forte a mulher como se quisesse recuperar o tempo perdido, como se no abraço ela pudesse ouvir tanta coisa que precisava lhe dizer. Conseguiu, entre lágrimas e risos dizer: EU TE AMO, depois, disse sorrindo: não tem importância, meu amor, nada do que está ali faz mais sentido.
Ela achou que ele tivesse fazendo referência ao que acontecera com a firma.

MOURA, Sônia Maria S. Minimamente Crônicas. Rio de Janeiro: Madressilva Produções Culturais, 2006.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *