JÁ (não) ERA CARNAVAL (Autoria: Sônia Moura)
À procura da dimensão secreta da vida, Bela, alheia à sua dura realidade, preferia viver a realidade fictícia, a realidade recriada pela liberdade das fantasias.
Equilibrando-se sobre as barras da esperança, há alguns carnavais, Bela fantasiava-se de mulher misteriosa, isolava os seus pesadelos e deixava-se levar pelos mistérios. Ela só se permitia viver sob a luz dos mistérios e da liberdade, nos dias de carnaval.
Nestes dias, uma profunda revolução tomava conta dos sonhos de Bela, ela se libertava de seu recolhimento emocional e passava a acreditar na felicidade, no amor, na alegria e, principalmente, em todos os seus poderes de fêmea.
Ia para a rua sozinha, mas sentia-se plena, acompanhada por um séquito de homens a seus pés.
Máscaras variadas e muito bem confeccionadas cobriam-lhe a face não tão privilegiada assim, seu corpo ficava escondido, mas tão à mostra que olhos sequiosos buscavam penetrar-lhe a armadura dos tecidos finos e brilhantes.
Soltava-se por ruas e avenidas, provocava com a sensualidade demoníaca e com olhar angelical; era Cinderela, Desdêmona, Capitu, Madame Bovary. Era uma e era mil.
Príncipes, Sapos, Otelos, Iagos e Bentinhos tentavam desvendar-lhe o segredo, mas Bela seguia seu caminho e o destino por ela recriado, sem revelar-se a nenhum deles.
Continuava pisando em seu chão de algodão, enquanto seu coração pedisse. Assim, no embalo da alegria, cantava o amor, dava-se ao amor, sempre pelo poder das máscaras.
E foi como Cinderela que Bela se perdeu no tempo e fez-se eterna rainha do carnaval, fez-se senhora do destino, do sonho e da fantasia, e, embora o relógio marcasse meia-noite e o fim do espetáculo, Bela continuou mergulhada em suas fantasias e nem percebeu que já (não) era carnaval.
(Do livro SÚBITAS PRESENÇAS de Sônia Moura)