O PRESENTE (Autoria: SÔNIA MOURA)
O retrato sobre a mesinha lateral marcava o tempo eterno do amor. Uma abelha veio pousar justamente sobre a flor que embelezava os cabelos da mulher guardada na fotografia.
Mas porque a abelha pousara ali? Estaria à procura de néctar para produzir seu mel ou seriam as lembranças dele tão doces que atraíram o inseto para aquele retrato?
Naquele domingo chuvoso, fechado em sua concha protetora, Henrique mais parecia uma sombra no escuro da sala. Deixara-se ficar em sua velha poltrona, como se fosse um bicho abandonado, segregado de si mesmo e refugiado dentro de seu silêncio.
Como maçãs maduras, com suas cores vivas e seu cheiro suave, as lembranças de Henrique penduradas na árvore de suas memórias, como aves, fizeram seus ninhos em galhos aparentemente frágeis, mas que resistiram à chuva, ao vento e ao tempo, equilibrando-se sobre as traves daquele amor sem fim.
Onde está você agora, minha andorinha? Perto? Longe? Ah! isto não importa, porque você estará sempre comigo, falou olhando ternamente para o retrato da amada, que ele comparava àquela avezinha, por sua ternura e encanto. A lembrança e a imagem dela, como aço, fundiram-se em seu coração, fazendo-o repetir a eterna viagem no mar das ilusões benditas.
Sempre disseram a Henrique que o tempo tudo cura, mas ele não queria curar-se daquela saudade.
Depois daquele lamentável incidente que destruíra sua casa e levara embora sua amada, Henrique acreditava que sua fada-madrinha deixara aquele retrato de presente, para que ele pudesse reviver aquele momento mágico, quando ele a pedira em namoro, à sombra daquele flamboyant e colocara aquela flor sobre os cabelos dela.
E, assim,depois de tanto tempo, instantes mágicos que duraram por trinta anos, rebentavam-se em súbitas presenças, em versos e em bolhas de sabão, que flutuavam pela sala sombria, dando vida à sala e aquietando seu coração.
(Do livro Súbitas Presenças de Sônia Moura)