AFRODITE E AS ROSAS

AFRODITE E AS ROSAS                                rosa tatuada


(Autoria: SÔNIA MOURA)
Carregava nos braços as marcas de um tempo em que em seu leito, tal qual o leito de um rio, via passar encantos e encantadores de ilusão, sobre o seio esquerdo trazia uma tatuagem de Afrodite carregando um ramo de rosas e dizia que representava o viço das rosas transportadas por beijos de amantes. Não se importava nem um pouco com as faladeiras do bairro, sentia-se livre, enquanto bailava pelo salão, presa nos braços dos rapazes e solta nos braços da alegria.
Agora, concentrou-se e deixou fluírem as imagens do passado que brincavam em seus olhos, estas imagens eram a sua antiga realidade, eram o seu sonho de ontem e sua saudade de hoje. Aqueles tempos remotos estavam sobrepostos, se decompondo e se recompondo em linguagem poética. Ah! Se as palavras fossem capazes de traduzir aquela saudade e aquela alegria, que agora viviam às margens do seu rio de lembranças, perdidas em labirintos da memória, agora dissolvida pelo tempo.
Emocionada, voltou no tempo e pisou naqueles mesmos caminhos. Por que afastara aquele homem de sua vida? O retrato dele sempre preso na lembrança, enraizado no invisível mais visível que existe – enraizado na saudade.
Doidivanas, era o que diziam dela, mas tinha consciência, tinha limites. Estava mesmo apaixonada por ele, mas nem toda paixão e poesia ofuscaram, para ela, a realidade. No momento que a paixão começou a aflorar, Murilo também começava a trilhar um caminho de muito futuro nos negócios e na política, e a amada sabia que ele largaria tudo por ela, então, largou-o primeiro, antes que toda a estrutura de futuro dele ruísse.
Sumiu no mundo, criou a impossibilidade de comunicação, ganhou novos rumos. Tudo agora era muito enigmático, abreviava a dor lendo Nietzsche, de onde tirava clareza e sentido para sua vida, que agora era apenas a metáfora do passado.
Precisava renegar o passado, assim o fez. Ele era tão jovem, ela também, mas já sabia de que somos capazes por amor. E eles estavam enamorados. Não podia ser mesquinha, ou tudo podia se complicar para ele.
Uma metamorfose obtida por meio de operações plásticas, a fez morrer para seu antigo mundo, mas por um bom tempo, sozinha no quarto, continuava procurando seu rosto no espelho. Agora, em sua vida, precisava equilibrar-se entre dois planos, para poder tocar o passado e anular o presente, só assim poderia crer no futuro. Não importava o tempo, desde que continuasse a identificar no centro das coisas, sua imagem fundamental: Murilo.
Considerava seu passado como um baú inviolável, seu presente era límpido, suas emoções eram relembrar o passado e sonhar com um futuro, no qual a luz da tarde, suave não permitiria a ninguém recusar qualquer encanto, todos viveriam plenamente seus sonhos.
Só pedia que lhe fosse dada a oportunidade de realizar uma última contemplação: ver, mesmo que ao longe, aquele que sempre fora seu amado. À primeira vista, este desejo íntimo parecia impossível, mas, como não se foge do destino e nas mãos dele todos somos joguetes … Deixou-se levar pelo sonho.
Larissa, uma das poucas amigas de Angélica, adorava bater papo pela internet. Um dia, convenceu Angélica a brincar também. Inicialmente ela recusou, mas depois começou a papear com “Cavaleiro Audaz”, gostou e prosseguiu. O “Cavaleiro” perguntou se ela gostava de poemas, diante do sim, ele escreveu: “Com que palavras ou beijos ou lágrimas/ se acordam os mortos, sem os ferir”. O passado voltava nestes versos. Lágrimas desceram pelo rosto transformado de Angélica. O autor, quem era mesmo?, perguntou ao Cavaleiro Audaz.
Ele prometeu que pessoalmente diria à “Poliana” o nome do autor. Combinaram que ela levaria uma rosa amarela na mão direita e ele, um buquê de rosas vermelhas. Marcaram o encontro para domingo.
No decote, Afrodite sorria.

[Do livro MINIMAMENTE CRÔNICAS de SÔNIA MOURA]

                                                                                                               

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