Estado, Sociedade e Universidade – Sistema de COTAS

 Sistema de Cotas

Estado, Sociedade e Universidade – Sistema de COTAS

Autoria: Sônia Moura

INTRODUÇÃO

O assunto proposto para esse fórum – Sistema de Cotas – é delicado, difícil, complexo e extremamente importante. A primeira proposta de leitura e reflexão: Universidade e Sociedade nos convoca a pensar no distanciamento existente entre essas duas entidades, e, a proposta para a discussão do fórum está intimamente ligada à leitura feita e que se complementa com as outras leituras.
Ao lermos outros artigos sobre o tema em destaque, percebemos que muito há para se discutir sobre a advento das cotas na universidade, pois esse assunto nos remete a questões seculares como racismo, segregação, (não)inclusão e preconceito, feridas que ainda subsistem abertas em nossa sociedade.
Seria essa a solução para todos os descasos com que a sociedade trata essas questões? Seria essa a solução para livrarmos do ostracismo negros, pardos e índios? (hoje, a maioria deles, ainda que frequente a escola pública, pertence à classe pobre, que, atualmente, de modo eufemístico são chamados “carentes”). Quando e como a inclusão desses segregados em universidades, especialmente as públicas, poderá desatar nós tão apertados desse nosso apartheid velado?
Certamente não conseguiremos responder a todas as perguntas, mas durante esse fórum, ouvindo pessoas, trocando ideias, questionando ou aplaudindo propostas e sugestões, certamente muito iremos aprender.
A discussão proposta valida-se primeiramente pelo alto teor sócio-educativo -cultural nela contido, além de estimular novas ideias e, quem sabe, novos ideais.
A pesquisa aprofundada sobre os elementos articuladores dessa proposta – o regime de cotas para negros, pardos, índios e de alunos oriundos da escola pública – mostra que alguns entroncamentos entre a universidade e a sociedade são formas de se buscar caminhos que promovam ligaduras entre essas entidades.
Portanto, consideramos importante a investigação sobre as projeções da inclusão dos excluídos, uma vez que é impossível ignorar-se que muito há de se questionar, por exemplo: se a sociedade perde ou lucra com essa nova forma de integração social ( ou, para alguns, seria “entregação” social?), já que muitos defendem a ideia de que essa é, também, uma forma de segregação social.
O estudo da correlação entre aceitar ou repudiar essa nova forma de inclusão nos permitirá entender melhor a possível efetivação dialogal entre sociedade e a universidade.
Para ilustrar-se a discussão em pauta, vale ressaltar que, mesmo com bases históricas diferenciadas, em relação ao Brasil, em outros países como: Estados Unidos, Índia, Malásia, África do Sul, Canadá, Nova Zelândia, Colômbia, verifica-se que, embora polêmico, o sistema de cotas pode ser um bom começo, assim sendo, enquanto o que se deseja: igualdade social não acontece, procuremos entender que esse é um traço novo em nossa sociedade educacional, logo, sujeito a muitos impasses.

O IDEAL E O REAL

A história da educação no Brasil confunde-se com a história sócio- econômica do país, no que diz respeito à difícil inclusão de negros, pardos, índios e pobres nos bancos escolares, pois, arrastando-se por um longo período, o quadro da exclusão escolar não apresentava nenhum sinal de mudança ao longo dos anos.
Até os dias de hoje, se alguns negros conseguem vencer as barreiras sociais discriminatórias, esbarram nos modos de exclusão do mercado de trabalho; outros conseguem o trabalho, mas os salários são aquém de seus colegas de cor branca ou se um pobre(branco ou negro) consegue seu diploma universitário, também passará por dificuldades para se firmar no setor profissional e se, além de pobre for negro, a situação complica-se muito.
O regime de cotas confere à escola o papel de justiceira ou de feiticeira que, num passe de mágica, vai resolver problemas seculares, os quais a sociedade sempre ignorou? Como responder a essa pergunta se a ação nem sempre tem mais valor que a reação, e é sobre a reação dividida da sociedade que se insurge esta nova modalidade denominada justiça social que se movem nossas dúvidas.
Por outro lado, há os que alegam que, politicamente, as instituições de ensino não têm como recuar ante a lei e, mesmo ante a sociedade, pois, se o fizerem, correm o risco de “sujarem” a suas imagens.

Se… Se…

Ao tentarmos equacionar esse impasse, buscando saídas e respostas para as questões surgidas com o advento das cotas, estamos todos na (ou no) “condicional’: sociedade, universidade, Estado.
Se, por um lado, o sistema de cotas poderá ser visto como resgate histórico- cultural que dará oportunidades àqueles que sempre estiveram à margem, por outro lado, assim como os negros eram tratados pelo poder da chibata, também muitos afirmam que as instituições de ensino irão trabalhar debaixo da chibata legal, e o Estado, dono da chibata, também leva suas chibatadas.
Discute-se muito se o Estado não está colocando panos quentes sobre suas mazelas: desigualdade social e escolaridade deficiente, deficitária, incapaz de formar indivíduos que possam concorrer a uma vaga na universidade sem recorrer a cotas. Possivelmente, sim, essa é a resposta. Mas, a curto prazo, haverá outra saída?
Mudar as bases da divisão de renda ou cumprir o que diz a lei, dando os mesmos direitos educacionais a todos, isto é, educação de qualidade e respeito à cidadania – esse seria um bom caminho para o Estado trilhar.
Se por um lado a proposta das cotas propicia transformações sociais de alta relevância, pois é um projeto que pretende fundamentar suas ações em inclusões que consigam ao menos equilibrar forças tão díspares, que digladiam com valores arraigados e com novos valores, por outro lado, há o questionamento de que as cotas poderão contribuir para a acomodação do Estado e de suas políticas educacionais, fazendo com que cada vez mais a educação fique relegada a último plano nas prioridades dos governos.
À sociedade cabe o dever de transformar o instituído, mesmo que inicialmente este projeto nos cause estranhamento, acredito que devemos tentar aceitá-lo e acatá-lo, pelo menos por um tempo. É o ideal? Não, não é, porém é o real, é o que se apresenta no momento. É uma pequena fresta através da qual o direito à educação superior estenderá seus braços a todos, ou a quase todos, porém, devemos continuar atentos e cobrar do Estado que ele desempenhe o seu papel.
Lembremo-nos de que a escola é um espaço de encontro, no qual os diálogos devem – se multiplicar, assim, espera-se que esse momento de tensão, possa servir para que o futuro se abra para nós, com novas perspectivas e que seja a escola o lugar no qual todos possam, de fato, um dia, estar.

FGV – Seminário/ 2010- Apresentação: Sônia Moura

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