Bolhas da Saudade

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A colher de pau era mexida para lá e para cá e ia misturando o fubá, o leite e o açúcar, no preparo do alimento, enquanto isso, as lembranças se remexiam dentro do cérebro e, na mesma proporção em que os ingredientes iam-se misturando, a vida era repassada dentro de outra panela.

Precisava acrescentar erva doce e mais um pouco de leite à mistura, então, bateu a colher de pau na borda da panela, e, nesse momento, bateu uma saudade imensa dos tempos de outrora, quando, no colégio interno, pela manhã, era servido um gostoso mingau, que era mesmo divino.

Lembrou-se especialmente da vovó Donana, uma senhora baixinha, muito amorosa e que gostava dela, especialmente dela, hoje sabe que era a protegida da vovó. Sempre que possível ficava a seu lado ajudando-a a servir os pratos e vovó tinha uma mania, a cada prato servido, batia com a colher ou a concha na borda da imensa panela na qual era feita comida para as cinqüenta meninas do orfanato.

Naquela época a inocência era aliada da alegria e uma das maiores diversões para aquelas crianças que também quase nada tinham, era soprar a “casquinha do mingau” que se formava por cima do creme. Soprava-se e surgiam bolhas de todos os tamanhos. Quando não se formavam os buracos naturalmente na superfície, fazia-se um furinho sobre a crosta, para que o ar penetrasse e aí começava a brincadeira.

Em suas lembranças, aquela mesa comprida, cheia de meninas carentes, mas que disso não sabiam, não era a imagem da tristeza, pois agora, adulta, sabe que criança é feliz com muito pouco e fazer bolhas na crosta do mingau de fubá, que mais pareciam contas amarelas estufadas sobre o mingau, era pura alegria e diversão.

Sentou-se, abraçou-se com suas lembranças, espantou a solidão e, de novo, se viu naquela mesa a fazer bolhas de mingau, alegremente.

Um largo sorriso invadiu seu coração.

(Do livro CONTOS E CONTAS de Sônia Moura)

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