CURVAS NA SEARA DE VENTO (Autoria: Sônia Moura)
(UFF – Seminário – 2008)
Em Seara de Vento de Manuel da Fonseca, o verbo curvar-se e seus sinônimos se apresentam como metáforas- síntese do romance, dando a estas palavras mobilidades significativas capazes de mostrar os múltiplos aspectos de uma realidade que o texto irá ficcionar. Assim, as denúncias reveladoras do estado sócio- político em Portugal, entrega ao leitor a forma visível deste momento histórico que tenta tornar o homem invisível pois, como dizem George Lakoff e Mark Johnson em Methaphors we live by: “… na maioria dos casos, o que está em evidência, não é a verdade ou falsidade de uma metáfora, mas as percepções e inferências tiradas dela e as ações sancionadas por ela.”..
Na base do sistema conceitual da expressão curvar-se, encontramos diversas referências metafóricas: gesto de humildade – práticas orientais, humildade, adoração e submissão – religiões (judeus, cristãos, muçulmanos, espíritas), curvar-se ante a beleza/ admiração e outros. Metaforicamente, também encontramos, a expressão curvar-se diluída pela presença do verbo cair: “cair de quatro”; “cair de amor”.
Nesta obra de Manuel da Fonseca, a expressão em destaque desdobra-se em muitas possibilidades significativas, como metáfora recorrente, cuja base está voltada para a idéia de sujeitar-se a; ser obrigado a ou estar sujeito a –, neste contexto, esta metáfora e suas diversificações referem-se à sujeição política a que estavam expostos os personagens da estória e da história.
Assim, pela presença e mobilidade da força metafórica, alguns aspectos: tristeza, infelicidade, submissão, ódio, impotência, indiferença, descaso, pactuações, sofrimentos e violências evidenciam-se na narrativa e explodem aos olhos do leitor, dando ao texto uma força subjetiva, pelas transposições de sentidos de representação da realidade discursiva, ratificando, deste modo, o que afirma Paul Ricouer, “não há metáfora viva no dicionário e sim no discurso”.
O vocábulo curvar-se e seus sinônimos são empregados como metáforas in absentia – nas quais o veículo está presente e o teor, ausente- deixando ao leitor o dever e o prazer de descobrir o teor e o que constitui a similaridade entre elas e o veículo, e, por meio de conceitos (in)distintos a sociedade e seus pilares – público ou privado, são apresentados ao leitor pela força da representação da linguagem e de suas relações contextuais.
Aristóteles considerava que as imagens poéticas, ao criarem transposição de sentido, como acontece com as metáforas, introduzem um elemento imprevisto e estranho, deste modo, eclipsado.
Nesta obra, o teor metafórico reprisa o momento vivenciado pelos personagens oprimidos e também eclipsados por uma sociedade na qual, várias formas de violência destroem e destronam o indivíduo e a família, limitando espaços físicos, psicológicos e sociais, fazendo com que as fronteiras do público e do privado se curvem ao momento histórico, provocando no leitor o desejo de decifração das tensões textuais e sociais.
Na maior parte da narrativa, as expressões metafóricas do verbo curvar-se apontam personagens submersos no caos social, impossibilitados de comunicar-se, de lutar, de sentir alegria; colocando-os na condição de isolamento social e familiar. É por meio do teor metafórico que suas vozes explodirão, elas virão nas asas do vento e serão espalhadas pela seara e pelas sendas narrativas, pois o autor animiza o vento e a este é dado o poder de chorar, gritar e sussurrar pelos personagens.
O compromisso ideológico do neo- realismo parece curvar-se para captar (ou ser captado?) por estas metáforas que guardam em si uma acumulação imagística atenta a uma realidade subjetiva que se apresenta despojada de ornamentos e submetida à força metafórica da palavra curvar(-se) e de suas múltiplas associações e seus vários significados, para incorporar-se à própria realidade capturada pela ficção e permitir ao leitor um perfeito encontro com esta.
Referências Bibliográficas
FONSECA, Manuel da. Seara de Vento. Lisboa: Editorial Caminho, 1988.
LAKOFF,George e JOHNSON, Mark. Metaphors We Live By. Chicago, The University of Chicago Press, 1980.
RICOUER, Paul. La Metáfora Viva. Buenos Aires, Ed. La Aurora, 1977.
PONTES, Eunice (org.). A Metáfora. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.