POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE IV

POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS

POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE IV

(Autoria: SÔNIA MOURA)

 

  ALGUMAS POSSIBILIDADES DE LEITURA

 O poema em estudo (PÓSTUDO), pela apresentação formal e pela assinatura de Augusto de Campos, leva-nos a analisá-lo sob o prisma do movimento concretista. No seu processo formal, a poesia concreta não utiliza a pontuação, daí a permissão mais ampla de diversas leituras, inclusive , na vertical, na horizontal ou diagonal.

Para melhor podermos explicar o conteúdos significativos destas leituras, mostraremos algumas formas de leitura do poema e, para tal, vamos empregar a pontuação e o verso (abolidos pelos concretistas).

 Dependendo da leitura que se faça, o significado geral deste poema poderá ser entendido como uma crítica ao Pós – Moderno, onde sobressaem a ironia e o descaso. Por esta ótica de leitura iremos ver o autor  reafirmando o valor de movimento  concretista e o seu próprio valor. 

 Outras leituras podem mostrar o poeta concretista  aceitando , através da reflexão , a reformulação da poesia e do fazer poético. Isto será acentuado se lermos determinadas palavras, dando –lhes novos valores semânticos.

Há, também , a possibilidade de coabitarem a crítica  e a provável reformulação de valores, levando à aceitação do  Pós – Modernismo como nova expressão literária, traço-de-união da poesia Concretista e do Pós-Modernismo. 

Neste caso, percebe-se o conflito: ao mesmo tempo, a recusa do poeta em relação ao novo, para, logo em seguida, entregar solenemente a sua rendição.

 

   ( 1 )  – CRÍTICA – IRONIA – DESCASO

 

                  MUDAR?…

                        MUDEI!…

                        QUIS TUDO, TUDO…

                        AGORA, (a) PÓS TUDO

                         EXTUDO

                         MUDO

 

 No 1º verso “MUDAR?…” aparece o ponto de interrogação seguido de reticências, indicando dúvidas sobre o que se pergunta; nota-se que a pergunta é apenas estilística, não espera resposta. (O Pós-Moderno está mudando ou mudará alguma coisa?…).

 Nota-se a ironia e a crítica contidas neste verso, pois logo em seguida vem a afirmação exclamativa “MUDEI!” (Eu mudei e não vocês pós-modernos) – este verso traz a marca da sonoridade, é como se o poeta bradasse ao escrevê-lo. O ponto de exclamação denuncia a influência da indignação do poeta que se mostra por meio de sua criação.

“QUIS TUDO, TUDO…” – as reticências acentuam a dúvida que a forma verbal “quis” sugere : (EU) QUIS (1ª ou 3ª pessoa?). Quem realmente quis (quer) tudo, tudo…? (o Moderno Concretismo ou o Pós-Modernismo?). Quem?

 “AGORA, (a) PÓS TUDO” – neste verso advérbio vem confirmar o jogo temporal (AGORA PRESENTE) em oposição às formas verbais (QUIS/MUDEI = PASSADO) = Pós-Moderno e Concretismo.

O texto original apresenta a forma “AGORAPÓSTUDO”, colocando as três palavras (AGORA, (A) PÓS, TUDO) como nova palavra formada por justaposição ou, se lermos o termo APÓS, teremos uma crase. Então, a ironia pode ser entendida pelo “embolamento” deste tudo pós-moderno.

 

 

 

 

No entanto, ao introduzirmos a vírgula, há o “descraseamento” da vogal a (agora (a) pós), permitindo a separação das palavras e daí uma nova leitura no campo semântico (a parte fonética não sofrerá alteração). 

 Se lermos AGORA PÓSTUDO, a expressão “póstudo” pode ser lida como alusão irônica ao pós-modernismo, onde tudo nada vale.

“EXTUDO” – O prefixo latino extransmuta –se no advérbio “EIS”, ao transformamos a consoante “X” no ditongo EI + s, por alusão fonética (observando –se o falar carioca). Desta forma, há mudança morfológica: EIS tudo, EIS o que resta.

 

Unindo-se esta à significação do verso seguinte “MUDO” (como sinônimo de calado), teremos: EIS TUDO CALADO. Assim, a partir de agora, por ser mais expressivo o silêncio que a palavra, o poeta e a poesia preferem calar-se diante do que resta, demonstrando total descaso em relação ao texto Pós – Moderno.

(2) – REFLEXÃO – ACEITAÇÃO

 

           MUDO, EXTUDO.

              PÓSTUDO

             TUDO AGORA MUDEI.

             QUIS MUDAR TUDO.

 

Quieto, refletindo, estudando. É desta forma que se apresenta o poeta concretista, isentando-se de tomar posições; no momento só o (EXTUDO =) ESTUDO –letra “x” representa o fonema /s/ prolongado (falar carioca).

A ler- se desta  forma, teremos o primeiro verso mostrando a sensatez  do poeta, que, embasado nos estudos, pensa cuidadosamente, e, é o ponto final que marca a pausa máxima para a reflexão.

No 2º verso – PÓSTUDO – (depois de tudo), quietude, isolamento, reflexão e estudo., poderá ser lido como: (estudo o pós – moderno).

“TUDO AGORA MUD(AR)EI / QUIS MUDAR TUDO” – Estes dois versos são marcados pela cisão temporal – agora (presente) / mudei (passado) ou mudarei (futuro) ou como o advérbio agora (agora  presente – mudarei tudo) e o verbo no futuro.

O vocábulo tudo, especialmente nesta leitura, não exclui a feitura do poema à  moda concretista, no que se refere às suas características básicas: objeto / mensagem, forma geometrizada e correspondência entre as três dimensões da palavra: semântica, sonora e gráfica.

O TUDO coloca o poema Concretista ao lado do poema Pós – Moderno, uma vez que não há questionamentos, há liberdade e aceitação (QUIS MUDAR / MUDEI AGORA), mostrando que a poeisa Pós – Moderna é receptiva.

No final, esta leitura mostra o poeta declarando, também, a sua aceitação. O mensageiro desta declaração é um poema estruturalmente CONCRETISTA. uma vez que o Pós – Moderno não rejeita o passado ou o presente, não discrimina: aceita e convive pacificamente, sem perder a sua louca lucidez.

 

(3) – CRÍTICA – REFLEXÃO – REFORMULAÇÃO(possível)

                                    

                EXTUDO TUDO MUDO.

                     PÓSTUDO, TUDO, TUDO…

                     MUDAR AGORA?

                     MUDAR (EI) (IA)?!

 

Colocando-se no mesmo verso (EXTUDO = EIS TUDO e MUDO = CALADO), como nos 1ºs versos desta leitura (em relação à 1ª possibilidade de leitura: crítica – ironia – descaso) , desestrutura-se a intenção pura e simples da crítica , como processo irreversível e imutável . A colocação do ponto também nos leva a entender que , neste momento e neste espaço temporal – TUDO ESTÁ CALADO.

O poema prossegue , há possibilidade de mudança (REFORMULAÇÃO) .

 

A seguir, paira no ar uma certa nostalgia , uma certa dúvida (depois de tudo, tudo…) – marcadas pelas repetição da palavra tudo e das reticências , que indicam  uma certa hesitação , o que irá confirmar –se no verso seguinte : depois de tudo , tudo… “MUDAR AGORA ?” , o uso do ponto de interrogação ratifica as idéias  citadas  e indica que o poeta está em plena reflexão sobre uma possível  mudança .

No último verso “MUDAR (EI) (IA) ?!, ainda permanecem  a  dúvida (?) e a surpresa(!). O emprego da combinação do ponto  de interrogação  com o ponto de exclamação atesta  possibilidade desta leitura juntamente com  a presença  das três formas verbais – MUDAR/ MUDAREI/ MUDARIA.

 

 

* Dentro desta mesma proposta, apresentamos mais uma leitura possível. 

             MUDEI TUDO.

               (QUIS MUDAR TUDO) .

              AGORA (A)PÓS TUDO ,

              EXTUDO MUDO .

 

“MUDEI TUDO ,” – O passado (“impositivo”) e o ponto  dão-nos a idéia da concretização de uma atitude voltada para um passado , onde o poeta  e a poesia concretista se auto- afirmam.

 No 2º verso, (QUIS MUDAR TUDO) – o desejo de mudança mostra-se  pelo verbo “querer’’,  transformando o tom impositivo de 1º verso em vontade  (QUIS MUDAR TUDO)  – diametralmente  oposta a (MUDEI TUDO).

Este verso está isolado dos  demais por parênteses, isto nos leva  à idéia de explicação, quase uma confissão. 

“AGORA (A) PÓS TUDO , / EXTUDO MUDO. – Neste momento e depois de tudo  (ou depois de Pós-Modernismo, Após tudo)  -EIS TUDO MUDADO/ ESTUDO CALADO. Estas  duas formas de leitura, simultaneamente  no mesmo verso, unem CRÍTICA  ( EIS TUDO CALADO) e REFLEXÃO (ESTUDO CALADO).

 

(Autoria: SÔNIA MOURA)

 

5 comentários sobre “POEMA PÓS-TUDO – AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE IV

  1. Jandira disse:

    Sônia
    Bela análise do Augusto. Gostei de lê-la. E como não podia deixar, lembrei-me de”…oh! atroz tantálica tristeza.
    O seu estudo está excelente.

  2. Eduardo disse:

    Olá! Gostei MUITO da análise, foi bastante elucidativa em meus estudos, se me permitir irei aproveitá-la em minhas aulas… Parabéns pelas reflexões tão contextualizadas e bem colocadas! =)

  3. larissa disse:

    Repare que ele parece estar dividido ao meio,ficando uma parte à direita e a outra à esquerda.Veja também que o lado direito é todo preenchido,exceto na última linha.
    Oque isso poderia significar?

  4. Antonio Dias disse:

    Gostaria de conhecer uma análise tão multi-caleidoscópica como esta; sensacional, da musica ‘Estação Derradeira’ de Chico Buarque.
    Sensacional, professora; demais sua análise.

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