AMOR DE CALÇAS CURTAS

AMOR DE CALÇAS CURTAS

AMOR DE CALÇAS CURTAS  (Autoria: Sônia Moura)

 

 Num tom de lamúria ou decepção, não sei bem, Ângela me disse: – O amor nos prega cada peça!

Seu olhar fugia da direção do meu, parecia que aquele olhar indeciso se perdia num mundo próprio, num mundo de dúvidas e ansiedade.

Concordei com ela. Como entender as coisas do amor ou do coração? Será que alguém pode responder a esta pergunta? 

Tentando desatar o nó que guarda as muitas faces de Cupido, resolvi filosofar e desfiei meu rosário de teorias e definições sobre este complexo sentimento, embora soubesse que ninguém e nada consegue, verdadeiramente, explicar o que é o amor.

Eros é um menino de calças curtas, um menino levado que vive a brincar com a gente. Este menino gosta de pregar peças, mas, por ser menino, também espalha carinhos, meiguices, faz graça, nos cativa, pede atenção,  nos dá atenção, ou nos ignora.

Alguns dizem que o amor é cego, outros, que ele é louco, há também os que acham que  é sonho, para outros, é pesadelo. E por aí vai…

Não adianta tentar decifrar o amor, ele foge de qualquer definição ou explicação, não há leis ou regras que consigam aprisioná-lo, isto é fato.

Para a gramática, amor é substantivo comum abstrato, engraçado, porque, na prática, o amor de comum e abstrato, nada tem, ele é incomum e apresenta uma concretude nunca vista, não acha? Perguntei à moça do olhar ressabiado.

Também não há coletivo para o amor, mas, a bem da verdade, todos os seres, quando estão amando, passam a pertencer a uma mesma espécie, os desejos são coletivos, todos desejam igual, todos querem ser felizes no amor.

Como a formação coletiva de uma cordilheira, o encontro de duas almas assemelha-se ao sistema de montanhas coladas entre si, que, tal qual os amantes, por meio desta união se tornam um só.

Após o meu discurso, pela primeira vez, Ângela olhou-me nos olhos e pude ver neles alguma esperança,  pareciam dizer-me que Ângela agarrava-se a uma nova forma de ver o amor, em seu olhar havia alguma alegria. Só não sabia em que ponto eu havia tocado aquele coração, que se mostrava através do seu olhar.

 Tentei tirar dela a explicação para aquela cor de esperança a saltar-lhe dos olhos, ela negou-se a revelar-me o motivo da mudança.

Em momentos de dúvida, os fantasmas plantados em nossas fantasias, nos vendem quimeras e eu comecei a divagar por entre os canteiros de minhas ilusões e, no silêncio dos meandros da minha mente.

Percebi, então, que quem tentar entender o amor, estará sempre solitário, será sempre órfão, mas que, partir de nossa conversa, Ângela não estava mais órfã, pois erguera-se e estava pronta para encarar o amor, esta aventura suspensa pelas pernas. 

Confirmei que, agora, seu olhar mudara e era todo ardor, embora sua alma me dissesse, através dos seus olhos, que sabia dos caminhos tortuosos, os quais ela teria que percorrer, a fim de dar-se plenamente ao amor, mas, ao mesmo tempo, vi que ela sabia que valeria a pena desnudar-se dos arreios das incertezas para conseguir viver o amor maior.

Apesar de estar convencida de que algo mudara drasticamente para Ângela, resolvi alargar o meu discurso, só para acalmar meu coração.

Assim, continuei a falar…

O mistério do amor deve ficar dormindo até o momento em que venhamos a nos arriscar e abrir as janelas das almas e dos olhos para recriar o mundo do amor ponto por ponto, caminho por caminho, alegria por alegria, senão, estaremos para sempre fadados a viver como o amor-menino, de calças curtas e não com o amor. Ângela e suas incertezas, finalmente, acordaram minha desilusão.

 

(Do livro: MISTÉRIOS E SAUDADES de Sônia Moura)

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