Cisne Negro (Autoria: Sônia Moura)
Vamos dar um tempo em O Baile das Máscaras, mas, ainda assim vamos continuar bailando, para falarmos sobre o filme Cisne Negro, que tem como pano de fundo o balé O Lago dos Cisnes.
Assim, entre o voo do cisne e as margens do Lago, de forma perspicaz, o filme nos coloca nas margens da arte, mas, se alçaremos voos majestosos ou se mergulharemos nos profundos lagos da nossa mente e de nossa alma, somente a compreensão de cada um poderá dizer.
Bailando ou representado num tablado de encontros e desencontros, vamos percorrendo os caminhos da lucidez e da loucura, os quais se cruzam entre as esquinas do sonhos, das fantasias, das realidades, das sandices, das vaidades e das buscas por novos caminhos, a partir de qualquer ponto ou de qualquer encruzilhada da mente e vivência da personagem principal (Nina) e também do espectador.
Este é um filme extremamente poético, e a sua poesia parte justamente dos pontos de conflitos tão comuns, mas que nos parecem muito distantes, porque não desejamos ou não conseguimos vê-los e muito menos tirá-los do nosso mundo submerso, quem sabe, por ser tão difícil nos afastarmos do que pensamos ser nossa zona de conforto, isto é, aquilo que já está (quase) cimentado em nós?
Nas cavernas das mentes, há sempre algo mais a ser explorado e, na verdade, o que este filme nos traz é um profundo questionamento sobre o comportamento e sobre a alma humana e suas sucessivas obliquações.
Simbolicamente, se entendermos o cisne negro como representante do mal e o cisne branco como representante do bem, constataremos que buscamos sempre eliminar o cisne negro e iluminar o cisne branco, já que ambos existem em todos nós, neste enredo, vamos perceber que isto é o que sempre se fez e sempre se faz, seja porque somos conduzidos por nossas experiências,vivências ou porque somos induzidos por conceitos religiosos, morais ou sociais.
E, para arrancarmos de nós o lado cisne negro, precisamos encontrar culpados por nossas “falhas” e, assim como os cisnes (negro e branco) nos tornamos dependentes do outro para sobreviver, para nos transformarmos e para deixarmos aflorar a dualidade que existe em todos nós e passamos a viver atrás das grades de nossas próprias prisões, e assim, passamos a ter a solidão como companhia.
Quando somos/estamos dependentes e/ou nos deixamos dominar por qualquer tipo de enfeitiçamento, os nossos voos não acontecem, somos pássaros com asas quebradas, cortadas e, se não voamos, fica muito difícil mergulharmos em nosso lago pessoal.
Para mim, este é um dos destaques do filme ao mostrar que somos prisioneiros de nós mesmos, quando acreditamos que o “feiticeiro Rothbart” é dono do nosso destino, ou quando acreditamos que apenas a fidelidade de um amor eterno poderá nos salvar.
O filme nos apresenta uma densa teia que metaforiza as dualidades humanas, os conflitos criados por nós ou pelo outro, e, para nos livrarmos desta teia aprisionadora, é preciso nos livrarmos do que se costuma aclamar como perfeição e também nos apartarmos do eterno.
Nada é para sempre e nada é totalmente perfeito. Nada e Ninguém!
Já que o filme toma como trampolim o Lago dos Cisnes, para falar da vida e da morte, a dualidade barroca é a grande estrutura de ambas as obras – o balé e o filme – nos quais a solidão dos personagens dilui-se pelas veredas da solidão humana, e para dar adeus à solidão, um dos cisnes deverá morrer, por este motivo, Nina mata o cisne branco, pois este é mais irreal em nós que o considerado indevido, incorreto e abjeto – o cisne negro.
No filme, a fantasia, assim como a realidade pode ser somente uma redundância, e, por outro lado, esteticamente ele nos mostra que a sua plenitude poética pressupõe a convicção de um real entre o realizado e o fantasiado, e, ainda que a prática produtiva humana não seja exercida sem que se a represente como ideologia articuladora das relações sociais, nem a vida nem a arte se reduzem ao conhecimento nem à teoria ou à técnica, portanto, é preciso sentir.
Em suma, este filme é uma paráfrase contextual da vida.