LAMENTOS {por Sônia Moura}
Lamento-me, não por você,
E sim por nossas aventuras
Mas o que passou, passou…
Agora, só me resta dizer:
– Como o amor é cego
E como essa vida é dura!
{Da obra: Coisas de Adão e Eva)
ESPADA (Sônia Moura)
Habitando o silêncio das palavras vãs
Uma mórbida metamorfose
Ao vivo, mas sem cores, acontece
Num canto qualquer da alma
Quando, ao léu, se vão antigos amores
A partir daí, não haverá mais nada,
Nem mesmo poesia
Nem mesmo boemia
Só lágrimas ocultas
Vestidas de desilusão
Por um tempo,
Sobreviverão ao caos
Mas depois,
Como o tempo, irão se esvair
E irão se deixar morrer
Pela lâmina de uma espada
Celestial, ancestral e cabal
Para nunca mais voltar
(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia Moura)
MÃE É TUDO ISSO (por Sônia Moura)
Mãe é concha
Que guarda e liberta
Mãe é boba e é esperta
É silêncio e é barulho
É claridade e é escuro
Quando a um filho
Precisa defender
É pedra e é bicho – fera
Mas é algodão e beija-flor,
Quando destila amor
Mãe é ave e é ovo
Para seu filho gerar
E também para proteger
Mãe é aço e é bolha de sabão,
Ao seu filho conceber
Mãe é calor e é sol
Para seu filho agasalhar
Mãe é doce e é o pão
Para seu filho alimentar
Mãe é tudo isso e muito mais
Desdiga-me quem for capaz!
(Da obra: Coisas de Adão e Eva)
CAPÍTULO VI
Marcha à ré (ou Tempo do Rei Velho)
Ao avô, do passado narrador,
Disse o jovem e atento ouvinte:
– Meu avô, para ser bem franco,
Ao ouvir suas histórias sobre o ontem,
Quando a vida era revelada em preto e branco
Nos livros, nas revistas, nas telas
Do cinema ou, mais tarde, da tv,
Senti que tudo era muito diferente
Daquilo que hoje se vê
Porque…
A fruta madura e colorida saía do pé
Para a boca faminta,
Sumo escorrendo pelo rosto
E se comia com gosto
Sem tantos “isso não pode”
Sem tantos “isso faz mal”,
Mal fazia beber leite e chupar manga
Mal fazia lavar os cabelos depois do almoço
Hoje é até engraçado,
Mas antes isso era um alvoroço
Era tudo tão simples…
O ovo vinha do quintal ou da granja,
As verduras da horta ou da quitanda
Na calçada, brincava-se de ciranda
À tardinha, das cadeiras admirava-se
Todas as cores do entardecer
Rendo-me solenemente ao passado
E com júbilo confesso:
– Tenho certeza de que, naquele tempo,
O mundo era muito mais pitoresco
E, com certeza, bem mais colorido
Ainda que fosse ilustrado e apresentado
Somente em preto e branco
[Da obra Tempo Absoluto e Tempo Relativo de Sônia Moura]
Saudade
Saudade
É retrato desbotando na parede
É o tempo balançando na lembrança
É bruxa e fada nos trazendo a infância
É o terror vestido de esperança
Enfim
Saudade arde mais que pimenta
Fere mais que lança de batalhas
E nos faz viver devorando migalhas
De uma resposta esperada que não vem
Enquanto a angústia cruel nos atormenta
(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sônia Moura)