As contas de um desencanto

FotoRasgada2Os vendedores já a conheciam. Mais uma vez, comprou um livro no sebo, gostava disso. Livros antigos, já manuseados por outros. O que teriam achado da história? Leram por prazer ou por obrigação? Comprava, lia e passava adiante. Dizia sempre que livro foi feito para trocar de dono e que o autor, após o livro editado, perdeu a primazia da autoria, passara a ser coautor.

Além das histórias narradas, também se encantava com o que encontrava nos livros usados. Uns escreviam lindas declarações de afeto, outros, apenas colocavam seus nomes e, se fossem estudantes, assim ela deduzira, o nome tinha que estar completo, às vezes, com o nome do colégio e da turma.

Já encontrara dentro de livros alguns tesouros, formados por palavras observadoras, que acrescentavam o que o leitor, agora também coautor, pensava. Encontrara flâmulas, flores secas, folhas, penas, fotos, mas só uma chamou-lhe a atenção, e foi sobre ela que a compradora me falou.

Aquela imagem encantou a leitora, e as palavras foram caindo de sua boca, lentamente, como se fossem contas de um colar que se partira.

Era uma foto cortada e nela se via o rosto sorridente de uma bela jovem, a felicidade fora capturada. Embora houvesse sido cortada, ainda dava para ver que a foto era de um casal, pois ainda se via parte de  uma cabeça masculina, encostada na cabeça, cujos lábios sorridentes encantaram a leitora.

Quem seriam eles, o que os separou, como mostrava a foto mutilada? A leitora jamais terá respostas a estas perguntas, mas, uma coisa é certa, quando as dimensões do amor se rompem, o amor acaba. Então não há palavras que traduzam o sofrimento do desamor, o passado enevoado se torna invisível, e, até mesmo um retrato se torna divisível, sem que nada mais reste, além da dor.

 

Sofregamente, minha poesia desabrochou,

Uma trilha bem marcada ela deixou

Mergulhando num  rio sem labirinto

E sem nenhum pudor

Desnudou-se para o nosso amor

 

Muita água vai rolar por esta estrada,

Pressinto

 

(Da obra: Poesia dia a dia, de Sônia Moura)caminhos

AMOR PELA JANELA

AMOR PELA JANELA [Sônia Moura]

 

Sem tirar os olhos dela

Ele na janela vivia

Dia e noite

Noite e dia

 

Sem tirar os olhos dele

Ela de lá não saía

Dia e noite

Noite e dia

 

A lua pelo céu corria

O sol no céu luzia

Dia e noite

Noite e dia

 

A paixão tem seus mistérios…

 

Mas o que ninguém sabia

É que o boneco – soldado

E a boneca – bailarina

Mesmo presos na janela

Dia e noite

Noite e dia

Se amavam a distância

Dia e noite

Noite e dia

 

Que a paixão tem seus mistérios

Disto os dois já sabiam

soldado_bailarina1

 

 

TEMPO! TEMPO! TEMPO!

CHICOTES DO TEMPO

TEMPO! TEMPO! TEMPO! [por Sônia Moura]

 

A passagem do tempo é metáfora

Ainda assim, o novo ano não há de tardar

Há uma cadeia com elos de esperança a se formar

Quantos divinos encantos se esconderão nesta corrente

Que todas as gentes se põem a desejar?

Faz parte da arte de quem segura este estandarte

Assim, envolvidos pela fantasia

Todas as gentes seguem cumprindo seus destinos

Penetrando nas raias da ilusão, da crença e da paixão

Tempo, menino vadio, que corre macio sem se preocupar

Porque ele sabe que não vai mais voltar

Sua presença é pedra rara, tão fugaz como qualquer ficção

Abelha que suga o mel e depois procura outra flor

Como um mago nos pega pela mão e encanta

E, sem nenhum pudor, amputa certezas, acalma as brabezas

Tempo, todo faceiro, exibe sua nobreza com altivez

Fingindo nos dar a lucidez do controle impossível

Do seu flutuar,

Tempo, tempo, tempo!

Entre o ontem, o hoje e o talvez

Doce quimera a brincar com as gentes

E a visão de todos loucamente turvar

 

Da obra: Poemas em Trânsito, de Sônia Moura

 

 

POR UM FIO

3d man hanging by a thread

3d man hanging by a thread

POR UM FIO (por Sônia Moura)

 

Num rio

Que corria

Para outro encontrar,

A ilusão,

Pendurada

Por um fio,

Sustentava

O meu desvario

Antes que o dique

Fendido da esperança

Se rompesse em lágrimas

Como um rio

 

[Da obra: POEMÁGICA]

 

BOLSA DE MULHER

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BOLSA DE MULHER {Autoria: Sônia Moura}

 

Cabe tudo dentro de um traço

De união

Cabe tudo dentro de um apertado laço

De afeto

Cabe tudo dentro de um grande abraço

De carinho

Cabe tudo dentro do coração

De alguém sem um ninho

Cabe tudo dentro do sonho

Da nossa eterna criança

Cabe tudo dentro de qualquer fantasia

De carnaval ou de um conto antigo

Cabe tudo dentro do olhar

De um grande amigo

Cabe tudo dentro de um sorriso

De alguém que nos dá abrigo

Cabe tudo dentro de um segundo

De paixão

Cabe tudo dentro de um único dia

De alegria

Cabe tudo dentro de um aperto de mão

De cortesia

Cabe tudo dentro de uma noite

De prazer e boemia

Cabe tudo dentro da luz das estrelas vista

De uma janela sombria

Cabe tudo dentro de todos os cantares

De louca magia

Cabe tudo dentro de uma palavra

De amor

Cabe tudo dentro do silêncio

Da dor

Cabe tudo dentro de um amanhecer nos braços

Da pessoa querida

Cabe tudo dentro de um anoitecer depois

Da eterna lida

 

(Mas …

Quer saber de verdade,

Onde cabe tudo mesmo?

Quer mesmo saber?)

 

Tudo cabe dentro da bolsa

De uma mulher

 

[Da obra: COISAS DE ADÃO e EVA, de Sônia Moura]