A FADA DO JASMIM

A FADA DO JASMIM

A FADA DO JASMIM (de Sônia Moura)

Uma fada se alojou em meu jardim
Se instalou em um jasmim
Chegou-se mansamente a mim
E sussurrou ao meu ouvido assim

Colha o mais novo favo de mel
Espalhe sobre o medo e sobre a dor
Faça a mágica da vida acontecer
A aventura nascer
E o mistério acontecer
Seja pássaro,
Seja flor,
Seja amor,
Seja brilho,
Seja luz

Despediu-se e
Partiu
Mas neste pouco tempo
Muito me ensinou
Ao me dizer coisas assim
Não se aflija com a sorte
Ela muda é só esperar
Hoje o mar está revolto
Amanhã, como estará?

Por isso
Cante seu canto com ardor
Ame o silêncio também
Dê a mão a quem precisa
Seja a mais doce menina,
Seja a mais feroz felina
Ore a todos os deuses
Cultue o sol e a lua
E lembre-se de que
A vida é toda sua
(Da obra:Coisas de Mulher de Sônia Moura)

A FADA DO JASMIM

PENÉLOPE

PENÉLOPE

PENÉLOPE (Autoria: Sônia Moura)

De dia,
Bordo seu nome em meu coração
À noite,
Desmancho ponto por ponto
À tarde,
Todo o bordado refaço e
Como se escrevesse um conto
Vou ponto por ponto
Bordando a nossa história
Assim reconto alegrias,
Dou desconto pra tristeza
E multiplico as noites de orgia

Mas..

Eu não sei bem o porquê
Tal e qual a fiel Penélope
Não me livro da mania
De esperar por você!

(Da obra: Coisas de Mulher de Sônia Moura)

PENÉLOPE

O DESERTO E O MAR

O DESERTO E O MAR

O DESERTO E O MAR   (Autoria: Sônia Moura)

Poderoso deserto

Sinto-o tão perto

Lançando-me um olhar

Com água salgada nos olhos

Querendo a água doce

Que banha meu olhar

Formando um oásis

Onde eu possa sonhar e amar

Impetuoso mar

Que guarda segredos

Da vida e da morte

Balançando as ondas

Do destino e da sorte

Lavando das almas sofridas

O desamor e a dor

Retirando a areia

Das almas feridas

E salgando os desvalores

Dos falsos amores

Lendo este poema

Vi-me no meio

Do deserto

Deitada na areia

Tão longe do mar

Assim a pensar:

Que magia é esta

Que une com seus laços

O deserto e o mar?

Que feitiço é este

Que me leva a pensar

Que nasci no deserto

Mas sou filha do mar?

Que sortilégio é este

Que mistura as areias

Do deserto e do mar

Que seca a boca

Do que está perdido

No deserto ou no mar

Pois, se em um não há água

No outro a água sobra

Só não se pode beber

Porque igual a um coração

Amargurado, cansado, revoltado

Para degustar novamente o prazer

É preciso dessalgar

Se não, é impossível desfrutar

Do prazer de beber as delícias de amar

(Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura)

O DESERTO E O MAR

ALIADOS

ALIADOS

ALIADOS (por Sônia Moura)

O que o meu amor deseja
É se abraçar à poesia
Ante esta declaração
Meu coração se aliou
À insensata alegria

(Do livro Coisas de Mulher de Sônia Moura)

ALIADOS

RASTOS, RESTOS E ROSTOS

RASTOS, RESTOS E ROSTOS

RASTOS, RESTOS E ROSTOS (por SÔNIA MOURA)

Vivera em tantos lugares, visitara tantos países, vivera tantos amores, nem ela saberia contabilizar tantas vivências. Oitenta anos, oitenta anos, como o tempo passa!
Catarina sabia que o tempo é apenas um representativo da realidade e que o livro, que conta esta história, é feito por meio de uma concentração de imagens de múltiplos significados. O tempo é sempre enigmático, a história do tempo é enigmática.
Durante toda a vida, há passagens do tempo que se fazem demasiadamente presentes, enquanto outras lembranças servem para abreviar a passagem da vida e outras, ainda, ficam esquecidas no fundo do baú, num enorme isolamento, servindo como ponto de equilíbrio entre o ontem e o hoje.
Catarina abriu a janela do tempo e contemplou-se, refez o percurso da vida e descobriu que, por onde passou, deixou rastos nas fontes masculinas, nas fendas das colinas, nos sonhos de menina, nas saudades das ausências e nas memórias das presenças.
Embriagou-se, salvou-se, armou-se, desarmou-se, doutorou-se, lutou, amou, foi amada, sofreu, felizou – viveu! Mas, o importante mesmo é que de tudo ficaram restos.
Tudo em sua vida foi ardor e foi amor, agora, nesta reconstrução do tempo aos oitenta, no meio de lágrimas e palavras não-ditas, ela tenta e tenta encontrar rostos. Fecha os olhos e os vê suaves, em forma de almas suspensas, doces, obscenas, amenas, magoadas, sensuais e amadas.
Num espaço imutável, em forma de um colar de contas multicores a falar de amores, de sabores, de odores, de sons e de horrores, o tempo se apresenta soberano, proclamando o indizível.
O tempo não envelheceu, apenas eu envelheci e hoje vivo entre rastos, restos e rostos, concluiu Catarina.

(Da obra: CONTOS & CONTAS de Sônia Moura)

RASTOS, RESTOS E ROSTOS

CICLO DA CRIAÇÃO

CICLO DA CRIAÇÃO

CICLO DA CRIAÇÃO (Por Sônia Moura)

De repente, este poema surgiu no caminho do poeta e se agarrou em seu corpo, em sua mente e esta súbita presença fez nascer uma vontade incontrolável de o bardo tomá-lo nos braços.
Primeiro, veio uma palavra, meio tímida, mas determinada a não largar sua presa, entrelaçou suas garras nas pernas do poeta e por elas foi subindo, subindo…
Depois, outras palavras chegaram, estas, mais atrevidas, umas outras eram levadas da breca, e algumas se mostravam com uma dose gostosa de indecência. Em grupo foram se chegando, fazendo enorme algazarra e tomando conta desta casa que é feita de corpo, espírito e mente.
Estas ficaram ali conversando entre si, brigando entre si, se esbofeteando, mas, em seguida, foram se juntando, se esbarrando, se aceitando e nasceram versos, que foram se agrupando, se agrupando…
Ora touros na arena, se defendendo da provocação do poeta, ora serenas, aceitando os arreios, as palavras formavam fila e demarcavam territórios.
Assim as estrofes foram sendo compostas. Altaneiras, cheias de não me toques, diziam para as palavras e para os versos: – Estamos completas, aliás, somos completas.
Maliciosamente, o poeta sorriu para as estrofes, afagou os versos, bolinou as palavras, buliu com os deuses, e as divindades disseram a ele que poetar era a sua missão.
Então, embreando-se na floresta de palavras, decifrou a mensagem dos deuses da criação, catou cada palavra, grão por grão, eliminou do seu jardim as ervas daninhas, limpou o fundo do seu poço, e, com sua pena, mas, sem pena alguma, riscou o papel, rabiscou, apagou, emendou e enfim, nasceu o poema que nele se tatuou.
Ao final, exausto, mas feliz, o poeta lambeu a sua cria o quanto pode, conferiu-lhe traços poéticos, banhou-a nas águas de todas as metáforas, enfeitou-lhe os cabelos, e, por fim, deitou-se na rede a dizer: -Ufa, eta parto difícil!

(Da obra: SÚBITAS PRESENÇAS de Sônia Moura)

CICLO DA CRIAÇÃO

amor de calças curtas

AMOR DE CALÇAS CURTAS (Autoria: Sônia Moura)
Num tom de lamúria ou decepção, não sei bem, Ângela me disse: – O amor nos prega cada peça!
Seu olhar fugia da direção do meu, parecia que aquele olhar indeciso se perdia num mundo próprio, num mundo de dúvidas e ansiedade.
Concordei com elA. Como entender as coisas do amor ou do coração? Será que alguém pode responder a esta pergunta?
Tentando desatar o nó que guarda as muitas faces de Cupido, resolvi filosofar e desfiei meu rosário de teorias e definições sobre este complexo sentimento, embora soubesse que ninguém e nada consegue, verdadeiramente, explicar o que é o amor.
Eros é um menino de calças curtas, um menino levado que vive a brincar com a gente. Este menino gosta de pregar peças, mas, por ser menino, também espalha carinhos, meiguices, faz graça, nos cativa, pede atenção, e, às vezes nos dá atenção, outras vezes nos ignora.
Alguns dizem que o amor é cego, outros, que ele é louco, há também os que acham que é sonho, para outros, é pesadelo. E por aí vai…
Não adianta tentar decifrar o amor, ele foge de qualquer definição ou explicação, não há leis ou regras que consigam aprisioná-lo, isto é fato.
Para a gramática, amor é substantivo comum abstrato, engraçado, porque, na prática, o amor de comum e abstrato, nada tem, ele é incomum e apresenta uma concretude nunca vista, não acha? Perguntei à moça do olhar ressabiado. Também não há coletivo para o amor, mas, a bem da verdade, todos os seres, quando estão amando, passam a pertencer a uma mesma espécie, os desejos são coletivos, todos desejam igual, todos querem ser felizes no amor.
Como a formação coletiva de uma cordilheira, o encontro de duas almas assemelha-se ao sistema de montanhas coladas entre si, que, tal qual os amantes, por meio desta união se tornam um só.
Após o meu discurso, pela primeira vez, Ângela olhou-me nos olhos e pude ver neles alguma esperança, pareciam dizer-me que Ângela agarrava-se a uma nova forma de ver o amor, em seu olhar havia alguma alegria. Só não sabia em que ponto eu havia tocado aquele coração, que se mostrava através do seu olhar.
Tentei tirar dela a explicação para aquela cor de esperança a saltar-lhe dos olhos, ela negou-se a revelar-me o motivo da mudança.
Em momentos de dúvida, os fantasmas plantados em nossas fantasias, nos vendem quimeras e eu comecei a divagar por entre os canteiros de minhas ilusões e, no silêncio dos meandros da minha mente.
Percebi, então, que quem tentar entender o amor, estará sempre solitário, será sempre órfão, mas que, partir de nossa conversa, Ângela não estava mais órfã, pois erguera-se e estava pronta para encarar o amor, esta aventura suspensa pelas pernas.
Confirmei que, agora, seu olhar mudara e era todo ardor, embora sua alma me dissesse, através dos seus olhos, que sabia dos caminhos tortuosos, os quais ela teria que percorrer, a fim de dar-se plenamente ao amor, mas, ao mesmo tempo, vi que ela sabia que valeria a pena desnudar-se dos arreios das incertezas para conseguir viver o amor maior.
Apesar de estar convencida de que algo mudara drasticamente para Ângela, resolvi alargar o meu discurso, só para acalmar meu coração.
Assim, continuei a falar…
O mistério do amor deve ficar dormindo até o momento em que venhamos a nos arriscar e abrir as janelas das almas e dos olhos para recriar o mundo do amor ponto por ponto, caminho por caminho, alegria por alegria, senão, estaremos para sempre fadados a viver como o amor-menino, de calças curtas e não com o amor. Ângela e suas incertezas, finalmente, acordaram minha desilusão.

(Do livro: MISTÉRIOS E SAUDADES de Sônia Moura)

amor de calças curtas

Diques Danificados

Diques Danificados

Diques Danificados  (Sônia Moura)

Que transposição é essa
Que acontece
Na vida da gente
Hoje se ama tanto
Amanhã?
Espanto!
Parece que tudo acabou
E a alma carece
De um novo amor
O toque não mais estremece
A pele não se arrepia
A alma está tão fria…
Parece que foi de repente
É o que nos mostra a mente
Não é bem assim
O querer bem vai acabando
De mansinho
Até chegar ao fim
São pequenos descuidos
São grandes verdades
Ou muitas mentiras
Que se desnudam
Em rudes palavras
E vão minando
As cavernas do coração
Vão formando fissuras
Na pele e na alma
Diques danificados
Que logo se romperão
E as águas inundarão
Até a torre do castelo
Levando pedra por pedra
Para que estas se somem
À triste pedra
Em que se transformou
Um amargo coração

(Da obra: COISAS DE MULHER de Sônia Moura)

Diques Danificados

AS MARCAS e a CULTURA

AS MARCAS e a CULTURA

AS MARCAS e a CULTURA (Autoria: Sônia Moura)

Atualmente, com raras exceções, vemos pessoas “iguais” na forma de vestir-se, todos (ou quase todos) seguindo o mesmo padrão, isto nos mostra que uma das marcas de identidade dos povos – a vestimenta – está cada vez mais sendo descaracterizada.
Este apagamento cultural, por meio de um único jeito de vestir-se, por exemplo: jeans e t-shirt – é o reflexo de uma das formas de aculturação, quando somos exibidos como um exército de “seres iguais”, dentro de classes socioeconômicas tão desiguais, desigualdades que só se tornarão visíveis, pela ostentação de uma marca famosa, original (ou não).
Sem dúvida, esta necessidade de adquirir marcas renomadas nasce pelas mãos do desejo de pertencimento, de identificar-se com o seu grupo ou pela induzida vontade de ter, o grande perigo é que o ter geralmente passa a se sobrepor ao ser.
Possuir algum objeto de grife leva, ilusoriamente, aquele que a obtém a julgar-se especial, por poder usar uma marca celebrada, quando, na verdade, a imagem deste estará diluída no emaranhado da floresta dos outros consumidores, que exibem os mesmos produtos e/ou marcas.
Então, cada um será apenas mais um no meio da soldadesca que caminha automaticamente dentro de um shopping, sendo parte de uma imagem congelada, saída de máquinas também automáticas, que vomitam fotos multicoloridas, como nossas ilusões, mas, na verdade estas são apenas sombras do que verdadeiramente somos.
O que vemos nas vitrines é o que nos seduz, é também o que julgamos que nos fará sedutores, e por este jogo nos transformamos em eternos adolescentes deslumbrados com uma imagem que julgamos ser única, mas que, no fundo, há apenas um desejo: que seja igual a imagem de todos.
Dentro da caverna-shopping ou da caverna-tela (televisão, computador) começa a confecção da ilusão de pertencimento, afastando o ser do ter, por meio de mensagens sedutoras nos fazem acreditar no mundo das sombras, o que serve para sombrear as imagens das nossas vidas reais, e nós, iludidos por manipuladores mágicos, lemos as mensagens sobre o que vestir, o que calçar, o que falar, o que comprar, como se lêssemos um livro, sem refletirmos sobre o que ele narra.
No entanto, para a maioria, consumir aquilo que manda o figurino, resulta em contas bancárias vazias e dívidas rolando “escada acima”, assim sendo, a marca famosa daquela bolsa pode esvaziar a bolsa (e o bolso) de quem a adquire, e, enquanto a marca da bolsa é sinônimo de poder, as marcas de preocupação aparecem, quando muitos se perguntam: – E agora, como pagar a conta?
Assim é que o apagamento de identidades é vendido como “estilo de vida”, as grifes do momento mais badaladas “valem quanto pesam em cada bolso”, e como pesam!
UCM – 2011

AS MARCAS e a CULTURA