BRINCADEIRA DE CRIANÇA (Autoria: Sônia Moura)
Já sem vontade de ficar presa a nomes complexos de muitas teorias e de muitos teóricos, lembrei-me de que hoje é sábado, o dia não está tão bonito, como gostamos nós, os cariocas, falta-nos o astro – rei, mas ainda assim, pensei: queria estar em outro lugar, fazendo outras coisas.
Tentei salvar-me, relembrando os versos gostosos do poema “Dia da Criação” do poetinha. Salve, Vinicius de Morais, … porque hoje é sábado, tanto coisa acontece . Mas, com todo o respeito que merece o nosso poeta, foi pouco. Eu precisava de mais, muito mais, precisava ir para bem longe.
Então, antes que a revolta tomasse conta de todo este meu ser, voltei-me para os versos da brincadeira de criança, era mais ou menos assim, um falava e o outro respondia:
“ Hoje é sábado, pé de quiabo
Amanhã é domingo, pé de cachimbo
O cachimbo é de ouro, que dá no touro
O touro é valente e dá no tenente
O tenente é fraco e cai no buraco
O buraco é fundo do tamanho do mundo!”
Como sou a leitora implícita, vou atualizar a narrativa: (risos)
“Hoje é sábado, pé de quiabo
Hoje é sábado, dia para escorregar mansamente pelos braços do ser amado, com meiguice e depois ser presa por estes mesmos braços, com todo o vigor do animal que não quer deixar escapar a sua presa, e, ao mesmo tempo, ser beijada com a sofreguidão de um vendaval e com a delicadeza de um beija-flor colhendo mel.
E amanhã?
“Amanhã é domingo, pé de cachimbo”
Então, hoje, podemos ficar na cama e nos amarmos até a exaustão, amanhã é domingo, vamos passear de mãos dadas, olhar a natureza e quem sabe? No meio de um jardim, você possa me mostrar um pé de cachimbo ou, em outra hora, mostrar-me o cachimbo de pé?
E o cachimbo?
“O cachimbo é de ouro, e dá no touro”
Pense rápido, menina, este é o desafio: na cidade grande onde encontrar o touro? Não sei, mas, serve uma vaca? Em Copacabana tem muitas expostas no calçadão? Pode. Então, vou escolher a que está sentada numa cadeira de praia, tomando uma gostosa água de coco e convidar você para sentar-se nesta cadeira comigo.
E o touro?
“O touro é valente e dá no tenente”
O touro, na minha história, virou vaca, deixou a valentia de lado, voltou no tempo e só quer saber de paz e amor, e até ri para o tenente que passa correndo com o seu grupo, pelas ruas de Copacabana cantando, à frente de seus comandados: “Um dois, vamos correr/ o descanso vem depois”!
E o tenente?
“O tenente é fraco e cai no buraco”
Com esta vaca charmosa, não há quem resista mesmo, nem militar. O tenente, encantado, olha para a vaca e, coitado, cai no buraco.
E o buraco?
“O buraco é fundo do tamanho do mundo”
Volto a mim, ao computador, aos teóricos e às teorias, parece que fui eu quem mergulhou num buraco (pro)fundo, um buraco do tamanho do mundo, num buraco da saudade e da recordação e me vi, mais uma vez, sem seus braços, , numa gostosa madrugada, enlaçadinhos um no outro, e você a me dizer baixinho: “Sou louco por ti, pequenina”!
(Do livro: A SAUDADE MATA A GENTE, de Sônia Moura)
Lindo demais.
eu copie pra minha tarefa de casa