GOTA D´ÁGUA

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GOTA D´ÁGUA (por Sônia Moura)

 

Maria acordou com lágrimas nos olhos, embaçando o raiar do seu dia, era o coração que lhe saltava pelos olhos.

As coisas do coração são, quase sempre, lançadas ao mundo através dos nossos olhos ou dos nossos olhares, pois são eles que liberam, gota a gota, nossas emoções, que saltam como as águas das lindas corredeiras ou apenas em forma de uma gota d´água ou como uma quantidade tão grande de uma catarata em época de cheia, de qualquer modo, em nossos olhos a tristeza brota como um olho d´água e quem sabe em que mar a dor irá se transformar? Pensei cá com os meus botões.

Para aplacar a dor e a tristeza por um amor que estava se esvaindo, ela começou  a cantarolar baixinho e num tom nublado, como esta manhã de quinta- feira, a canção do grande Chico Buarque que diz assim:

                       

“Deixe em paz meu coração,

ele é um pote até aqui de mágoa,

e qualquer desatenção,

faça não, pode ser a gota d´água…”

 

Olhei aquele rosto de menina e comparei-o os seus olhos marejados em aos meus em um tempo que já vai longe. Constatei que em qualquer tempo a dor da perda, de qualquer perda, ou mesmo da ameaça desta, é sempre igual.

Voltei no tempo e me vi menina a chorar por um amor perdido e que jamais iria voltar. A dor da solidão pode ser comparada a um bosque escuro, que não é visitado por passarinhos, em cujas árvores não nascem flores nem frutos, nela também não há borboletas, nem lagartas, pois as raízes de suas árvores apodreceram. Neste bosque, só mora o silêncio amedrontador, não há risos, só o som de prantos se faz ouvir.

Nesta hora de dor, quase sempre as palavras perdem o sentido, ficam amareladas, gastas, sem força, sem nexo, elas colidem nos ouvidos sofridos e lhe embaralham a mente, enquanto  a clareza vai morar noutro lugar.

Esbocei algumas tímidas palavras para dizer àquela menina que só o tempo poderia ajudá-la, mas desisti, não iria convencê-la a não se deixar sofrer tanto assim, pois sei que, naquele momento,  isto seria impossível.

Ainda assim, disse-lhe que os densos bosques, um dia recebem a luz do sol ou o brilho do luar ou de alguma estrela pode penetrar-lhe as entranhas, fazendo-o florescer outra vez, para que todos venham banhar-se em seus rios, comer de suas frutas, descansar à sombra de suas árvores, pois os gnomos e as fadas da floresta virão para desfazer este sofrer de algum ser malvado que estava destruindo este amor.

Ela riu um riso com cheiro de flores silvestre e em seu olhar duas estrelas, ainda que meio apagadas, recomeçavam a brilhar.

 

(Do livro: Coisas de Mulher de Sônia Moura)

 

 

 

 

 

 GOTA D´ÁGUA

 

 

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