FLOR MATREIRA

Eram muitos olhos luzindo,

faróis apreensivos,

todos lançados

a uma só direção.

Todos os clarões

jogavam-se sobre a flor

ali, desmaiada,

a implorar

a chama de todo olhar…

Linda, pálida e com um sorriso a aflorar,

pétalas ao vento a bailar,

era uma pintura e o mundo seu altar.

O jardineiro dela se aproxima

coloca-a nos braços e

lança sobre ela um doce olhar.

Então…

Ela renasce, solta um breve suspirar

Sorri para ele e volta a sonhar…

 

 

 

 

 

DEVANEIO

Na minha memória, incrustado está o seu retrato

Que me sorri como outrora, riso de amor, de cumplicidade…

 

Atarantada, trago esta imagem aqui para fora

Jogo-a nesta tela em branco e nela nasce uma pálida lembrança

Do que já fomos

 

Eu lhe dou cores e vida, então a imagem revive na pintura

A brotar da semente de uma saudade solitária

 

Impossível tocar-lhe a face revivida

Impossível beijar-te a boca

Embora queira muito sentir seus beijos,

Embora queira a sua presença…

 

Digo a mim mesma,

– Acorda, hão de chamar-te louca

É um retrato apenas, nada mais

Beijá-lo o passado não lhe traz

 

Reluto, reflito, acordo da minha fantasia

Sei apenas que faço o que é possível:

 

– Devaneio

A moça e o guarda-chuva vermelho

 

Chovia no Rio de Janeiro, mas o calor continuava e ela seguia apressadamente.

A passos largos e rápidos, Mariana, com o seu guarda-chuva vermelho, seguia em busca sabe-se lá de quê.

Numa esquina de Copacabana, Galbério, o irrecuperável conquistador, viu a moça, admirou seu andar apressado e o guarda-chuva vermelho, como a paixão. Galbério teve uma vontade imensa de conquistá-la, mas ela andava tão depressa…

Ele não resistiu e também não desistiu. Foi atrás.

Mariana estava com pressa e não queria conversa com estranhos.

Ele insistiu. Ela resistiu.

Agora eram quatro pés a pisarem firme, forte e apressados pelas ruas de Copacabana. O barulho dos passos naõ eram ouvidos, pois o burburinho das ruas não permitia, mas ambos sabiam que seus passos ecoavam no ar. Ambos sabiam que precisavam insistir e resistir.

O guarda-chuva vermelho, do alto de sua posição, via e ouvia tudo e sorria.

Assim seguiram por boa parte da Nossa Senhora de Copacabana. Lado a Lado, mas tão distantes quanto Rio de Janeiro e Nova York.

Como Nova York entra nesta história? Já explico.

Mariana morava em Nova York, viera ao Rio para visitar parentes, não iria ficar muitos dias, então precisava se apressar para dar conta de todos os compromissos, e aquele homem a segui-la, numa hora tão inadequada…

Chegou ao seu destino e Galbério junto.

Ele insistia e ela resistia.

– Posso lhe falar, só um minuto. Galbério não queria deixar escapar esta linda quase presa.

Soltando um suspiro enfadonho, Mariana disse: – Pode falar, mas seja rápido.

– Quero muito conhecer você.

– Não tenho tempo.

-Posso visitá-la em sua residência. Claro não vou entrar, mas posso buscá-la para um jantar. O que acha?

Mariana fechou o guarda-chuva. Olhou fixamente para o homem de cabelos grisalhos, sorriu um sorriso matreiro e disse:

– Tudo bem, podemos jantar sim.

Tirou da bolsa um cartão envolto por um envelope vermelho. Mais uma vez, riu o seu riso zombeteiro e o entregou ao homem. Este disse gentilmente e com muito galanteio: – Às ordens, Galbério. Sua Graça? – Mariana.

Antes que ele abrisse o envelope para conferir o endereço, ela embrenhou-se pelo prédio, tal qual uma presa fugindo de seu predador  e sumiu.

Em Nova York, o guarda-chuva vermelho ficava num canto  em um local apropriado e bem na entrada da sala.

Meses depois, alguém bate a sua porta, o guarda chuva suspira, já sabe quem é.

Era Galbério que viera buscá-la para jantar.

Ele não resistiu e ela também não.

Tecendo o amor

Li essa afirmativa em algum lugar: A quantidade de fios num tecido é determinada pela soma dos fios no sentido vertical (urdume) e horizontal (trama), quanto maior a quantidade de fios num tecido, mais delicado e suave ao toque ele será, pois os fios serão mais finos e delicados.

E não será assim o amor, os fios precisam se cruzar em harmonia, suavidade, delicadeza. Simplesmente, assim: o urdume do amor com a trama da vontade converte-se em alegria e felicidade.

A FACE OCULTA

 

Na roda da vida, há linhas e estradas, estas são forças que se apresentam a nós e nos convidam a seguir por elas.

Embora aparentemente embaralhadas, há nelas uma ordem e movimentos misteriosos que permitem a ida e, na maioria das vezes, o regresso do indivíduo.

Esta ordem louca dentro da desordem, este labirinto invisível, trânsito entre muitos planos, converte-se em espaços expressivos fabulosos, os quais compõem as histórias de nossas vidas.

Luzes anônimas apontam caminhos, por vezes, seu brilho é tão intenso que quase nos cega, no entanto, insistimos em segui-las, este é o jogo do destino a brincar com nossa ilusão, aproximando-nos e nos afastando realidades ou de fantasias, fazendo-nos crer que o dominamos.

Ao trafegarmos por estes caminhos, vozes misteriosas nos conduzem (ou nos induzem) a passagens secretas ou a palcos com cortinas escancaradas e, de repente, dependendo do trilha seguida, nos vemos em total solidão ou somos postos ante uma plateia a exigir de nós luzes, cores, sombras, falas e representações, papéis que nem sempre estamos preparados para desempenhar, mas é simples assim: ainda que pensemos que somos nós os condutores do nosso veículo terreno, nosso destino é conduzido à revelia de nossos desejos, pois, no trajeto da vida, nossa vontade será posta em total nudez.

Palavras, imagens, verdades e mentiras se juntam para confundir ainda mais os nossos pensamentos, é como se fosse um jogo de espelhos por meio do qual nossa vida se revela em dimensões diversas, a fim de que façamos reconhecimentos ou descobertas, diante das quais nos atrapalhamos, e assim, ficamos presos na armadilha do destino e desta não há como fugir.

A bem da verdade, estamos sempre a renascer em múltiplas metamorfoses reveladas lentamente ao longo da vida, e, ainda que tudo esteja fora do lugar, ainda que as ambiguidades do destino tracem caminhos paralelos, indubitavelmente, chegaremos ao ponto final.

Assim sendo, desde sempre, somos entregues nas mãos das Moiras que manipulam a Roda da Fortuna, tecendo nossos destinos, fazendo reaparecer no palco da vida sempre novos espetáculos com a mesmas feições, refletindo apenas a imagem fundamental da vida: a face oculta da solidão do ser.

 

ACALANTO

ACALANTO

Sossega teu sonho em meu regaço

Que ainda há tempo para o amor

– É tarde, dizes assim

Meio sonolento,

Peito cheio de dor,

Alma ao relento…

Deixa nascer em ti

Um novo rebento

Acorda teu dia

Enrosca tua esperança

E teu cansaço

Em minha alma ardente

Esquece o mundo lá fora

Ele mente…

O amor e os amantes

Não são almas carentes

Volta a sonhar

Pendura teu desânimo

Nas asas do vento

Deixa renascer tua alma

O mundo é voraz

Mas a vida pede calma

Ama, nada mais terno

Para revigorar a esperança

Vive que viver em amor

Não cansa

SIM & NÃO

simnao

Travaram  meus sentimentos

Trancaram o meu coração

Tiraram o meu passe livre

Trocaram meu sim por não

 

Meus dias vivem em trevas

Machucaram a minha paixão

Mandaram meu sonho embora

Mudaram meu sim pra não

 

Escrevendo estas trovas

Acalmo a desilusão

Retirei travas da alma

Entendi o sim e o não

 

(Da obra: COISAS DE ADÃO E EVA, de Sônia Moura)

 

AMOR PELA JANELA

AMOR PELA JANELA [Sônia Moura]

 

Sem tirar os olhos dela

Ele na janela vivia

Dia e noite

Noite e dia

 

Sem tirar os olhos dele

Ela de lá não saía

Dia e noite

Noite e dia

 

A lua pelo céu corria

O sol no céu luzia

Dia e noite

Noite e dia

 

A paixão tem seus mistérios…

 

Mas o que ninguém sabia

É que o boneco – soldado

E a boneca – bailarina

Mesmo presos na janela

Dia e noite

Noite e dia

Se amavam a distância

Dia e noite

Noite e dia

 

Que a paixão tem seus mistérios

Disto os dois já sabiam

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DITIRAMBO

baco (1)

DITIRAMBO (por Sônia Moura)

 

Esse canto é pra você, amigo Baco,

Pois você é dos meus,

Menino do balacobaco!

 

Alguns querem lhe condenar

Mas não sabem do seu passado

Sua família era de amargar,

Era tanta confusão

Que nas coxas do papai Zeus,

Você foi parar

E lá, acabou de se criar

 

Mesmo assim seguiu em frente

Rindo do falatório das gentes

Muito vinho, muito riso

Mas nada de muito siso

 

Na Grécia foi Dionísio

E teve outros nomes mais

Sua vida era um folguedo

Coisa séria era brinquedo,

Transas a todo vapor

Com alma de menino viril

Ás vezes, uma menina gentil

Ainda assim

Dizem que você, amigo Baco,

Não tinha nada de fraco

Era espada, era demais!

 

Festas, danças, bebedeiras

Eram muitas bacanais

Nas Dionísias urbanas

Fossem gregas ou romanas

Eram flautas a soar,

Dançarinas de se admirar

Com máscaras a coreografar

A alegria era certa

A orgia era um fato

Dizem, amigo Baco,

Que daí nasceu o teatro

 

Agora, falando sério,

Sério?

Baco está a gargalhar…

 

Levar a vida na boa

Deixar de sofrer à toa

Viver a vida de fato

Com alegria e sem recato

Baco, querido Baco,

Não é mesmo o seu retrato?

 

(Da obra: Coisas de Adão e Eva, de Sonia Moura)