O RITMO DA POESIA

 ritmo da poesia

 O RITMO DA POESIA  (Autoria: Sônia Moura)

 Em qualquer atividade humana o ritmo é essencial e necessário, pois, é o ritmo que dá o andamento de cada atividade e é ele também que alimenta a criatividade artística, uma vez que tudo é marcado, vivido e sentido por meio de  sons, palavras ou gestos.

O ritmo, representado por diversas “formas de musicalidade”, nos desperta para a vida, quando lançamos no ar o nosso primeiro choro ou quando o som da primeira das muitas palmadas que levaremos neste mundo de meu Deus eclode no ar. Já fora do seguro e confortável útero materno, outros sons que ouvimos, são as vozes dos que amparam nossa chegada ao mundo e de seus instrumentos nada musicais, mas que ao se tocarem ou ao serem tocados, tilintam. Às vezes, alguns também são recebidos neste novo mundo, com músicas suaves que tocam ao fundo e que nos  tocam fundo também.

Assim, embalados por sons e ritmos, chegamos ao mundo.

Vivemos pelo ritmo do bater de nossos corações, dançamos, comemos, amamos, desamamos, festejamos, enfim, vivemos cercados por sons e ritmos, a  uns, rejeitamos, a outro, amamos.

Quando nos despedimos deste mundo, creio que ainda possamos sentir ou ouvir as vozes que falam sobre nós, o choro dos entes queridos, as preces, as leituras sagradas ou não e, muitas vezes, os que ficam cantam para nós.

Assim, do começo ao fim de nossas vidas, tudo é som e ritmo.

No entanto, é na poesia que o ritmo aparece de um modo especial. Não precisamos “cantar” um poema para percebermos sua musicalidade, seu ritmo, seus sons, ou seja, seu ritmo.

A metrificação, asssim como a correspondência sonora promovida pela rima, ajudam a dar o tom, o som e o ritmo do poema, que é marcado por sucessões de alternâncias, entre sílabas métricas fortes e fracas.

Mas, é principalmente por meio da articulação das palavras, que nossa audição irá captar o ritmo do poema, e, embora a poesia, contemporaneamente, seja feita para ser falada, lida, recitada, seu ritmo e seus sons irão invadir nossos ouvidos, encantando-nos e nos remetendo ao passado, pois, dizem alguns, o poema nasceu para ser cantado, salve, trovador! .

Em o Arco e a Lira, Octavio Paz diz que o ritmo é a unidade da frase poética, “o que a constitui como tal e forma a linguagem“, partindo desta premissa podemos dizer que a palavra poética orna-se de um encantamento especial, através do ritmo que o poeta atribui à sua obra, e esta é uma diferença especial entre o poema e as outras formas literárias.

E, para ilustrar nossas considerações sobre a melodia que envolve a poesia, destacaremos alguns versos do poema I-Juca-Pirama,  por meio do qual Gonçalves Dias nos brindou (e nos brindará) com ritmos, que nos fazem perceber, ouvir, sentir os sons que reprisam a cadência da batida dos tambores indígenas, dando as notas musicais deste poema. Vejamos:

“Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo tupi”.

(…) ” sou bravo, sou forte,

sou filho do norte;

meu canto de morte,

guerreiros, ouvi”.

ritmo da poesia

ANJOS TERRESTRES

 ANJOS TERRESTRES

ANJOS TERRESTRES  (SÔNIA MOURA)

 

Há anjos aqui na terra, há anjos disfarçados, há anjos que nunca nos abandonam, mesmo quando eles voam para o céu.

A marca registrada destes anjos chama-se renúncia, pois, estes anjos precisam renunciar a tanta coisa…

A estes anjos ofertamos rosas, que são uma de suas mais belas representações.

Neles há o perfume e também há espinhos, pois estes anjos precisam defender seus tesouros e os espinhos também representam suas dores, seja porque eles precisam educar e quase sempre dói mais nos anjos que em seus anjinhos quando aqueles precisam punir ou restringir desejos, ou, os espinhos podem indicar os sofreres que os anjos absorvem quando veem um filhote sentindo dor (por menor que seja).

Estes anjos precisam de asas, ainda que invisíveis, pois eles necessitam literalmente voar, para dar conta de tantos afazeres e cuidados.

Aos anjos que vivem aqui na terra dá-se o nome de MÃE!

 

FELIZ DIA DAS MÃES!

 

DADIVOSA – uma leitura possível

Recebi do meu amigo Valter Estelita este belo e fascinante conto, de sua autoria.

DADIVOSA

Um pedaço de muro que nem muro é cerca um quintal em que nem terra há e um jardim impossível, sem flores nem nada, compõem a paisagem de um sonho partido pelo grito que não sai.
Ao mesmo tempo em que “flashs” espocam em buquês e aromas, também iluminam revolta e ciúme.
E outros recortes de angústia formatam a noite que se arrasta e o tornam vítima dos cães raivosos da vingança e da dor da falta do amor maior.
Tenta fugir, mas os caminhos se apagam; acena para alguém que não vê. Até a garrucha enferrujada que por herança lhe coube, volta e meia, lhe vem à cabeça. Afasta o desatino de imaginar-se estirado ao lado do retrato, ou mesmo entre grades, vítima do gesto tresloucado.
Pergunta daqui a dali, e eis que lhe surge o que tanto almeja – a saída.
Nem precisa bater: a porta se abre, e quase cai nos braços de Francilene, que, a despeito do nome, é rica de atributos tais, que seria impossível não dividi-los, generosa que é, com outros tantos. Daí o inconformismo de Reginaldo e esses sonhos confusos que se misturam tanto e o deixam banhado de suor nesse despertar fora de hora.
Imprensa as lágrimas no travesseiro, a ponto de sentir o molhadinho se espalhando.
É o que falta para começar a reencontrar o sono e a esperança de sonhos, agora, com uma Francilene possível, menos favorecida e dadivosa.
Abre outra porta e cai nos braços do despertador e da realidade.
A luz de mais um dia se insinua fatiada e, a essa hora, Francilene deve estar longe de despertar, provavelmente envolvida por outros braços, numa cama macia e perfumosa, depois de mais uma noitada…
Tão bom se Francilene não existisse!…

Eis uma leitura possível deste gostoso  conto:

Dentro de um ambiente com um forte teor afetivo, circula esta história de amor, aparentemente indefinida, pontuada por incertezas e nostalgias.
A interioridade permeia este conto de múltiplas dimensões simbólicas, cuja narrativa move-se num ciclo metamórfico que vai criando imagens dinâmicas, as quais nos transportam para o mundo dos sonhos, ao mesmo tempo em que finca nossos pés em espaços e tempos densos, divididos entre o real e o imaginário.
Texto de teor elástico coloca o protagonista entre o amor e a dor, entre a dúvida e a certeza e, por suas metáforas, provoca no leitor sensações de elasticidades poéticas, as quais criam imagens fundamentais, refletindo a solidão de um e de todos.
Dentro desta floresta simbólica, fulcro desta narrativa, o ciúme mostra o que há de incontestável em todo coração apaixonado: a dúvida que há de surgir em algum momento impreciso.
Desde o início, pela exposição de fatos com significações desconectadas da realidade, percebe-se a tensão que há de permear a narrativa, uma vez que o ambiente apresentado já nos mostra uma região de carência e de perdas, mostrando um eu que se sente amputado da sua relação com o outro.
Este “eu” parece dissolver-se em seu isolamento, com isso, o perfil da realidade, envereda-se por desvios traçados pelo desvario da incerteza.
Ameaçado por um sentimento de vazio e de incompletude, o protagonista se coloca (e coloca o leitor) a oscilar entre o sonho e a realidade, fazendo surgir uma voz pontilhada de certo encantamento barroco.
Assim, criando sucessivos momentos de existência do tempo e do espaço, o texto traz à superfície uma realidade com força expressiva e simbólica, como se adiasse a vinda sempre esperada e, ao mesmo tempo negada, da mulher amada.

dadivosa

 

Silêncio

 silencio

Silêncio (por Sônia Moura)

Entregou à mulher amada uma belíssima jóia em forma de flor, cujo miolo era representado por uma conta perolada, e, junto com ela, entregou para sempre seu coração apaixonado, a quem jamais o amaria verdadeiramente. E, desde este dia, sua alegria foi só silêncio.
Coitado.

(Da obra: CONTOS & CONTAS)

silencio

FALSA PROMESSA

 FALSA PROMESSA

FALSA PROMESSA  (Autoria: Sônia Moura)

 

 Aboli o tempo

Dispensei o vento

Emudeci palavras

Destruí imagens

Abandonei viagens

Dei sentido ao nada

Adorei vários deuses

Fiz da tarde madrugada

Dei voz ao mar

Bebi a luz do luar

Corri pela cidade

Inteiramente nua

Busquei teu rosto

Em cada cidade

E em cada rua

Subi à torre

Para te alcançar

Arrebentei correntes

Só pra te encontrar

Cantei estranhos cantos

Emoldurei o teu retrato em ouro

Atirei-me em doidas aventuras

Fiz-me ave de bom agouro

Beijei lábios sedentos por loucuras

Enxuguei lágrimas ressecadas

Desci pelo corrimão da escada

Embriaguei-me na rima da saudade

Acreditando num amor que nem nasceu

E que um ser ardiloso

Um dia me prometeu

E depois eu descobri

Que tudo era uma falácia

Pois só quem viveu este amor

Fui eu

 

(Do livro: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura)

FALSA PROMESSA

FUTURISMO

 FUTURISMO

FUTURISMO (Autoria: Sônia Moura)

Chamava-se Marinete, diziam que o pai, homem que amava as letras, lhe dera este nome em homenagem ao poeta Filippo Marinetti.
Desde sempre a menina mostrava estar além do seu tempo. Quando bebê e em criança era até engraçadinho ver as peripécias dela, mas, ao chegar à juventude, tudo mudou.
Marinete era o que a sociedade da época chamava de amoral e imoral, namorava todos e todas, sem o menor pudor, não escondia de ninguém seus desejos e loucuras. Gostava do hoje e muito mais do amanhã, vivia correndo, abominava tudo o que não fosse tecnológico, adorava uma briga, exaltava as guerras e, quase sempre, tentava resolver tudo por meio de atitudes violentas. Ela adorava as cores fortes e as usava em suas roupas, em seu quarto e em todos os seus pertences.
Dizia que as palavras precisavam ser livres, por isto as usava sem a menor cerimônia, às vezes, palavras de baixo calão, impropérios e grosserias saiam da boca da moça com a mesma facilidade que se engole água fresca, pois, para ela, isto era brincar com as palavras, Marinete não gostava das regras da língua mãe.
No entanto, havia um objeto que desbancava todos estes conceitos e o comportamento espevitado de Marinete, era uma medalhão em ouro velho com uma conta vermelho-sangue, presente da avó materna.
Sempre que punha o medalhão, Marinete se transformava totalmente, passava a ser uma dócil e gentil jovem. Alguns diziam que era o espírito da avó, uma romântica convicta que se apossava dela, e, quem defendia esta ideia dizia que ela era médium, daí as transformações tão repentinas.
E, também, dizem, até hoje, que o pai se arrependeu amargamente em ter colocado este nome na filha, pois, segundo ele, a filha não entendeu o recado do poeta.

(Do livro: Mistérios e Saudades de Sônia Moura)

FUTURISMO

VIAGEM FANTÁSTICA

 VIAGEM FANTÁSTICA


VIAGEM FANTÁSTICA (Sônia Moura)

Bastava um poema para tingir o mundo de Denise, nada como versos para colocá-la em contato com a melhor de todas as realidades: a fantasia que, dizia ela, é uma das dimensões do real e era nela que a moça se encontrava.
Quando lia uma poesia, Denise mergulhava tão fundo no reino das palavras que estas pareciam rasgar-lhe as entranhas, a penetrar-lhe a alma, então ela viajava para muito longe…
Um dia, ao ler o poema “As Contas do Meu Encanto”, encantou-se de forma tão surpreendente que resolveu “viver o poema”.
Mudou-se para a lua cheia, vestiu-se com o mesmo manto das estrelas, sentou-se no trono de um belo cometa, bebeu o leite da via Láctea, enfeitou-se com contas colhidas em asteróides e, a partir de então, literalmente, foi viver no mundo da fantasia.
Esta foi a sua última viagem.

(Do livro: CONTOS & CONTAS de Sônia Moura)

VIAGEM FANTÁSTICA

FRÁGIL FLOR

 FRÁGIL FLOR

FRÁGIL FLOR

Diziam que ela era frágil como uma flor, mas que se transformava ao receber as carícias do seu beija-flor.
Diziam, também, que, nos momentos de sexo e do amor, a frágil moça abria-se em pétalas, desabrochava, crescia, se fortalecia e, como ninguém, sabia deixar fluir o néctar na hora do prazer, deleitando-se em gozo ao receber o mel que escorria manso e, ao mesmo tempo, voluptuoso do bico do seu amado beija-flor.
Numa dessas manhãs malfadadas, o beija-flor voou para bem longe, deixando entregue a muitas dores aquela frágil flor e também levou com ele uma das relíquias daquele amor – o pingente em forma de coração, com uma pequena conta de rubi cravejada bem no centro do coração, como se fosse um punhal a ferir o peito e a alma.
Para a frágil flor, aquele era o símbolo de tudo o que representavam um para o outro e, desde este dia, ela nunca mais os viu e nunca mais viveu o bom do amor.
Dizem que, até hoje, os médicos não conseguem explicar e muito menos entender, como a triste flor continua a viver, se o coração dela nunca mais parou de sangrar.

frágil flor

BALANÇO GERAL

 LENITIVO

BALANÇO GERAL (Autoria: Sônia Moura)

Breves foram teus beijos
Suaves tuas promessas
À sombra daquela árvore
O amor passou com pressa

A vida é mesmo assim
Um dia pode durar um minuto
Mas, um minuto à tua espera
Este (Que inferno!) parece nunca ter fim

Se eu pudesse e a vida quisesse
Tua imagem grudava em mim
E eu jamais seria a triste órfã
Do teu carinho e nem de ti

Sempre que rezo para os deuses
Rogo para viver contigo
Nas várias dimensões do sonho, assim,
O amor será flor perene no meu jardim

(Do livro: Coisas de Mulher de Sônia Moura)

balanço geral

LUGAR VAZIO

 LUGAR VAZIO

LUGAR VAZIO  (Autoria: Sônia Moura)

Não sabia dizer se vivia um inferno dentro do paraíso ou se vivia um paraíso dentro do inferno. Precisava escolher um caminho, mas, lá estava a zombeteira encruzilhada a desafiá-la.

Naquela manhã, vinha pela rua remoendo o seu dilema, quando viu uma pulseira de contas vermelhas e rosas, esquecida num canto da calçada.

Naquele instante, colocou a indecisão na clausura, abaixou-se, apanhou a bijuteria, admirou-lhe a beleza e descobriu que faltava uma conta para completar a sequência.

Ficou a brincar com as contas da pulseira, detendo-se sempre no vazio criado por uma ausência, o que permitia a ela mudar o campo vazio de lugar, isto, é preenchendo-o com a próxima conta.

Então, percebeu que um lugar só fica vazio se você não souber mover as pedras do caminho.

(Da obra: CONTOS & CONTAS de Sônia Moura)

LUGAR VAZIO