TEMPO ESGOTADO

Tempo Esgotado

TEMPO ESGOTADO (por Sônia Moura)

O tempo nunca se esgota.
Mas, como não podemos controlá-lo e também não podemos ser testemunha de todos os tempos, fingimos dominá-lo, inventando histórias sobre ele.
Não se tira a última gota do tempo e muito menos podemos bebê-lo até a última gota, da mesma forma, não podemos tirar dele todo o seu conteúdo.
Por mais que se escreva sobre o tempo, seja teoricamente, seja romanceando-o, seja poetizando-o, nunca conseguiremos drenar-lhe toda a essência, porque ele se desdobra, se refaz, se renasce, recriando suas trajetórias, ainda que pareça ser o mesmo.
E, de fato, é o mesmo para todos e completamente diferente para cada um, assim, ninguém conseguirá domá-lo, somente ele se enquadra nessa categoria “totalmente indomável”, só por meio dele se consegue contar e recontar histórias, falar das loucuras e das paixões ou da loucura das paixões.
O tempo é um sobrevivente dele mesmo, por isto consegue extrapolar todos os limites de qualquer filosofia, de qualquer realidade, aliás, ele é o irreal do real, brinca de mostrar-se, escondendo-se, explica, confundindo e confunde explicando.
O tempo é, também, símile de si mesmo, por isso, esta impecável ordenação da vida, transformada em sensações, em concretudes, em abstrações, assim, dizem que nós construímos o tempo.
Cíclico, nos cerca e nos coloca em sua roda para dançar, fazendo-nos acreditar que estamos ali somente para gastá-lo, enquanto ele está a se doar.
Não controlamos o tempo, ele nos controla, não sabemos o tempo de chegar e muito menos o tempo de partir, mas, nossas sabedorias e religiões deitam conceitos sobre ele e esse retruca mandando de volta para todos um riso, ora zombeteiro, ora vingador, ora complacente.
Talvez, se conseguíssemos drenar-lhe os mais profundos sentidos, até que o dique dos dias e das noites secasse, quem sabe, ele iria se cansar, então, não saberia mais o que dizer, perderia as forças e se renderia, admitindo que não teria mais como se defender, aí sim, quem sabe, dissipássemos todas as dúvidas sobre esse “fenômeno” misterioso?
Pura utopia, depois de todo este tempo, seria tarde demais, porque o tempo já teria nos esgotado, há tempos…

[Prefácio da obra Tempo Absoluto e Tempo Relativo de Sônia Moura]

ENTREBESCAR

 entrebescar

ENTREBESCAR (ou “vocabulares”)

 

Essa noite, tive um sonho

Muito louco, pode crer,

Estava no meio do deserto

Bem protegida em uma sombra

Sentada em uma bela alfombra,

Tendo à mão

Um copo bem amojado

Não entendi nada não

Deparei-me com um anamita

Que era um arcipreste

Na mão direita segurava

Uma bela espiriteira

Parecia brincadeira

Na mão esquerda, no entanto,

Segurava um livro de fitologia

O sonho era uma anarquia

Contou-me o ancião

Que tentara fugir em vão

De uma malta sem coração

Que tentava arrancar as melenas

De sua amada mênade 

Que ele chamava Madalena

Mas a mesnada enfurecida

Lançava-lhe invectivas

E o homem apavorado bramia:

-Tudo por algo tão nuga

E eu agora estou em fuga

Rogando-lhe proteção

Para este amor pranteado

Não deixe que a minha amada

Seja por eles tisnada   

Esconda-me em sua tenda

Essa gente é tremenda

Não me abandone agora

Já fomos amigos outrora

 

Mas, quando acordei

Deste meu sonho tão túrbido

Não tinha sultão, nem riqueza

Mas tinha toda a beleza

Da minha casa humilde

Lá num canto do subúrbio

 

(Da obra: Coisas de Adão e Eva, por SÔNIA MOURA)

 

GLOSSÁRIO*

 *entrebescar –  entrelaçar, emaranhar, mistura, confusão

*alfombra – Alcatifa, tapete

*amojado – Cheio de leite.

*anamita – O mesmo que vietinamita

*arcipreste -Título religioso

*espiriteira – Tipo de Lanterna

*fitologia – Botânica

*invectiva – Injuria; insulto. 

*malta – Desordeiros; desocupados; vagabundos [coletivo].

*melena – Cabelos longos; madeixas.

*mênade – Sacerdotisa de Baco.

*mesnada -Tropa de mercenários.

*nuga – Coisa sem importância alguma; insignificante.

*tisnada – Maculada.

*túrbido – turvo; escuro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A CIGARRA E A FORMIGA

A CIGARRA E A FORMIGA

A CIGARRA E A FORMIGA (Sônia Moura)

 

Cruza a vida

Na eterna lida

A formiga perdida

Enquanto a cigarra

Provoca algazarra

Em tom maior –

A vida é uma farra!

 

A formiga e a cigarra

As duas trabalham

É preciso entender

Que viemos ao mundo

Em que cada um

Tem o seu dever

 

A formiga colhe e

A formiga guarda

Para alimentar o real

A cigarra dá canja

A cigarra esbanja

Faz o carnaval

Alegria para o mundo

Alimentando a ilusão

Alegrando o coração

 

Tanto faz e tanto fez

Todo mundo tem vez

Bom é hoje ser cigarra

E amanhã ser formiga

Isto sim

É o bom da vida!

 

(Da obra: Brincadeiras de Rimar, de Sônia Moura)

 A CIGARRA E A FORMIGA

ESCOLHAS

ESCOLHAS

ESCOLHAS 

 

Na luta pela vida

Ou você come

Ou vira comida

 

Na luta por uma espera

Ou você supera

Ou se desespera

 

Na luta pelo dinheiro

Ou você acorda cedo

Ou a alguém chega primeiro

 

Na luta pela beleza

Ou você mantém a verdade

Ou só causa estranheza

 

Na luta pela eterna juventude

Ou você cai na real

Ou você fica muito mal

 

Na luta pela saúde

Ou você vive feliz

Ou a sorte lhe torce o nariz

 

Na luta pelo amor

Ou você acerta no alvo

Ou reza para ser salvo

 

[Da obra: POEMAS EM TRÂNSITO de Sônia Moura]

 ESCOLHAS

 

Atriz dramática

 Atriz dramática

Atriz dramática (Sônia Moura)

 

Saudade aperta a garganta

Descubro que não sou santa

Nem sei milagres fazer

Mas mesmo assim me seguro

E o meu desejo engulo

E me faço de contente

Dou de ombros

Sigo em frente

Agora sou Poliana

Prefiro chorar na cama

Ser forte é bem puxado

E ser fraco é complicado

Mas qual é a diferença?

 

Acho que está só na crença

De que a palavra forte

De fraco é o oposto

Mas qual!

É só uma questão de gosto

É só um tema imposto

Fraco ou forte, tanto faz

Em casos de dor de amor,

Nem um nem outro

Sofre menos ou sofre mais

 

A dor não conhece sinônimos

A dor não estudou a gramática

A dor é atriz dramática

 

(Da obra: COISAS DE ADÃO E EVA, de Sônia Moura)

 Atriz dramática

PARABÉNS, PROFESSORES!

parabéns, professores!

PARABÉNS, PROFESSORES!

  Sendo eu uma professora que conhece bem as glórias, as virtudes, as derrotas, as frustrações, as alegrias, os descontroles, ou seja, as fortes emoções a que estão sujeitos aqueles que exercem esta profissão, o que escrever sobre este dia, em que se comemora o dia do mestre?

 Creio que o melhor a fazer é falar sobre os mestres com os quais aprendi muito do que aplico em minha vida, e, saibam todos, não me refiro aqui às regras gramaticais, à resolução de equação e de raízes quadradas, à boa pronúncia de um outro idioma, a saber o nomes dos estados brasileiros e de suas capitais (hoje dizem que isto não tem lá muito valor, mas eu gostava de saber isto) ou qualquer outro ensinamento meramente restrito às disciplinas.  Não, hoje vou falar do que ficou tatuado na minha pele, no meu cérebro e na minha alma e que carrego comigo, não como um fardo, mas como um privilégio, sim privilégio por ter tido a sorte e a honra de ter convivido com estas pessoas, que, para mim, eram a representação do aprendizado especial sobre o que é a vida e como vivê-la com dignidade.

 A minha primeira professora chamava-se Adir da Conceição, hoje ainda a vejo como um modelo de força de vontade e dedicação, a professora Adir precisava dividir o quadro em quatro e dar aula para crianças de todas as idades e de todas as séries, deveríamos ser umas quarenta alunas em sala de aula e, pasmem, sem mochilas pesadas às costas, sem “muitos tudo pode”, decorando, sim, a tabuada e soletrando o bê-a-bá, chegávamos lá, e muito, muito bem.

 Depois vieram os professores do ginásio, são muitos, vou falar sobre alguns: Professora Elizabete, de geografia, com sua voz meiga, muito carinhosa, nos chamava de “florzinhas”, uma graça; professora Leda, de história que sabia contar histórias e nos premiava com o seu Livro de Ouro, todos podiam nele escrever, mas, quem tirava boas notas, tinha o privilégio de escrever com a caneta dourada da própria professora, era um orgulho só!

 Professor de Português: Renan Victória da Silva, grande mestre das letras. Professor Renan tinha um hábito, vivia remexendo na pedra do anel de grau (antigamente se usava isto). Um dia escreveu em uma de minhas redações: Dez (10,00), com louvor e honra! Nossa! Fui até as nuvens e voltei!

 O tempo seguiu e muitos outros mestres cruzaram o meu caminho, de alguns fui aluna, de outros, colega, e, com todos aprendi um pouco mais sobre a vida.

 Creio que eu, no exercício dessa digníssima profissão, também plantei boas sementes em muitos corações, e que estas boas sementes  estejam se multiplicando, em  outro solos.

ESTRANHA DOR

ESTRANHA DOR

ESTRANHA DOR

 

Revolvi minha esperança na gaveta

Ela estava totalmente acinzentada

Assustei-me.

Deixei-a sonolenta no mesmo lugar

Veio então a vontade de chorar

 

A esperança é verde, não cinzenta, pensei,

Mas meus olhos me mostraram outra cor:

 

Cinzenta, cinzenta-  Estranha dor!

 

(Da obra POEMÁGICA de Sônia Moura)

 ESTRANHA DOR